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José Abrão

Uma banana para o ócio produtivo

| 24.02.21 - 14:00
Os tempos pandêmicos trazem consigo a necessidade e o bom-senso de se passar mais tempo em casa. Foi não com surpresa, mas com certa decepção, que percebi a propagação acelerada de artigos motivacionais que falam sobre “como tornar o seu ócio mais produtivo” e outros, estes mais sérios, abordando a “óciofobia”, um transtorno de ansiedade alimentado pelo medo e, principalmente, pela culpa de “ficar sem fazer nada”. Como se isso fosse um pecado.
 
Dia desses também fui questionado: você devia sair mais, está cada vez mais caseiro, como se não tivesse uma pandemia por aí, mas, principalmente, como se ficar em casa fosse algo assim, abissal, o fim da picada. Pois eu digo que pouco me interessa ócio produtivo. Isso é de uma contradição assombrosa!
 
Há muito parece ter sido enterrado o questionador, porém atualíssimo, Elogio ao Ócio (1932) de Bertrand Russell, ou aquela máxima italiana semiesquecida sobre a doçura de se fazer nada: dolce far niente. Russell critica principalmente algo que nos é ensinado desde cedo, que não fazer nada é inerentemente errado, oficina do diabo, coisa e tal. 
 
E a óciofobia não pode ser subestimada: muita gente trata o tempo livre como uma “terceira jornada” que deve ser otimizada. Quantos episódios eu posso ver por noite? Ou pior: ainda ganha função e utilidade, por exemplo, o clássico “eu não leio ficção porque é perda de tempo, só leio livros úteis!”, o suficiente para fazer Machado de Assis girar no túmulo. 
 
No nosso cotidiano de trabalho, boletos e do time do coração dando desgosto, pouquíssimo é o tempo livre que resta. E eu quero sim aproveitar este ócio fazendo o seguinte: absolutamente nada. Ou melhor, fazer aquilo que der na telha. Já vivemos uma vida tão regrada, tão rigidamente estruturada que a última coisa que desejo ao próximo é ter agenda até para o seu horário de descanso.
 
Portanto, proponho nada disso: tem meia hora livre? Pois tire um cochilo; sente-se encarando a parede; coma um pedaço de pudim; veja pela milésima vez um episódio daquela série engraçada lá na Netflix; escute um podcast; ligue o rádio. Enfim, só não me venha com esse papo de produtividade na hora do descanso! De cronometrar cada segundo para se ler melhor, se jogar melhor, se descansar melhor: isso não existe.
 
Nós seres humanos somos demasiado humanos e sermos ineficientes pelo menos no descanso é nosso último refúgio, nosso baluarte contra as engrenagens do cotidiano que insistem cada dia mais em nos tornar robozinhos. Pois eu me recuso e os convoco: viva o ócio pelo ócio! 
 
*José Abrão é jornalista e mestre em Performances Culturais pela Faculdade de Ciências Sociais da UFG. Atua na área de cultura e tecnologia e é pesquisador de temas relacionados à cultura pop, cibercultura, comunidades digitais, games e fandom.
 

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