No trajeto da covid-19, vimos os jalecos brancos serem retirados de nós, profissionais da saúde. Diante dessa grave doença que ameaça a continuidade da vida, todos se viram despidos – potenciais vítimas e transmissores de algo que se espalha sem escolher a quem. Deparar-se com a morte é uma oportunidade para lidar com outro assunto que, por vezes, fica esquecido entre as atividades agitadas da sociedade atual: os cuidados paliativos.
A reflexão imposta pela covid-19 é de saber sobre essa abordagem que, erroneamente, está associada à morte, mas, está ligada a carinho e assistência humanizada, portanto, cabe a todos os profissionais de saúde. Assim, sob o olhar da OMS, paliativar é dar cuidado àquele que tem uma doença grave e ameace a continuidade da vida, se estendendo à família que adoece junto e à equipe de saúde que se envolve neste ciclo de viver e morrer, no qual todos nós estamos inseridos.
Já a médica paliativista Ana Cláudia Arantes, autora do livro “A morte é um dia que vale a pena viver”, reforça que o sentido da palavra “paliativo” vem do latim pallium – manto usado para proteger cavaleiros. Associando os dois conceitos, entendemos que paliativo serve para qualquer ser humano, em qualquer tempo da vida, pois já nascemos com a necessidade de cuidados para sobreviver. Ademais, aprofundar-se nesse tema é viajar a lugar de não esgotamento; é reconhecer que escutar e validar a singularidade de cada um é o mais importante.
Muitas vezes, aprendemos sobre a despedida de forma dolorosa. A morte nos causa luto, indignação e até revolta, mas precisamos de sabedoria para entender que a vida é finita para todos e que, apesar de vários livros médicos apresentarem doenças e sintomas iguais entre si, cada melodia será vivenciada de maneira única por quem a sente. Abrir espaço para cuidar da dor total – físico, emocional, espiritual e psicossocial – e entender que a família deve ser igualmente acolhida, permite que ninguém se esgote na empatia tóxica, mas se abra na compaixão que renova e rejuvenesce.
Sob este prisma, estudar cuidado paliativo requer autoconhecimento, validação dos próprios sentimentos e também dos limites e fragilidades que habitam cada um de nós. Enquanto isso, torçamos para que o PL 2136/2020, em tramitação na Câmara dos Deputados, seja aprovado, para garantir o direito de expressão de afeto e convivência familiar, com visitas hospitalares por videochamadas em tempos tão difíceis como este de Pandemia. Afinal, em qualquer circunstância, #precisodizerqueteamo. Portanto, paliativo serve para qualquer humano que, em sua inteireza e singularidade tem muito amor para oferecer, receber, ensinar e aprender!
*Karina Pesquero é dermatologista e aluna formanda em Cuidados Paliativos na instituição Casa do Cuidar