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Jales Naves Júnior

Cristóvão Colombo vs. Zheng He

| 21.07.22 - 10:10  
Zheng He (1371-1435) foi o maior comandante naval da história chinesa. Capturado pelo imperador Ming aos onze anos de idade quando este invadiu e conquistou a sua província natal de Yunnan, ele foi levado ao palácio imperial onde seria castrado e serviria como escravo. Astuto, ele escalou a hierarquia cortesã ao auxiliar o imperador Yongle a vencer guerra civil e ascender ao trono, tornando-se o eunuco favorito deste e eventualmente sendo nomeado almirante-mor. Zheng He então encomendou a construção de uma frota de trezentos navios e conscreveu cinquenta mil marujos para suas expedições (uma Armada tão vasta só seria vista de novo na Primeira Guerra Mundial).

Suas imensas embarcações velejaram rumo ao Ocidente com o propósito inicial de adquirir novos súditos para o Império, mas ao encontrar nos mercados costeiros do Oceano Índico uma abundância de produtos indisponíveis na China, ele passou a coletar amostras das riquezas do ultramar e levou-as de volta à corte Imperial visando persuadir Yongle a financiar uma marinha comercial. Da Malásia e Indonésia ele trouxe especiarias e pérolas. Da Índia, tecidos e almíscar. Na costa do leste africano ele encontrou marfim, pedras preciosas e cera, além de trazer consigo um verdadeiro zoológico, capturando girafas, leões, zebras e elefantes. Ao retornar, contudo, foi censurado pelo imperador que o admoestou por não ter subjugado os povos que encontrou, lamentando ter dispendido fortuna em iniciativa que não avançou seus desejos políticos. Com a morte do imperador alguns anos depois, Zheng He tentou instigar os dois sucessores imediatos ao trono. Seus esforços foram em vão, pois eles não só proibiram viagens oceânicas, como as transformaram em crime punido com morte. Não tendo mais a quem recorrer, Zheng He se aposentou dos mares e exerceu a função de administrador provincial até o fim de sua vida.

Cinquenta anos depois, do outro lado do mundo, um navegador genovês possuído pelo espírito explorador de seu tempo estava determinado a encontrar um caminho marítimo para as Índias. Veja, os europeus eram familiarizados com mercadorias vindas do Oriente, já que estas eram encontradas em seus mercados e muito cobiçadas, mas desde a conquista de Constantinopla pelos otomanos em 1453 o cenário mudou. Esta cidade era a porta de entrada para estes produtos que chegavam no continente europeu por caravanas terrestres, e os turcos assinaram acordo de monopólio com os comerciantes de Veneza, efetivamente banindo de seus portos mercantes de qualquer outra nacionalidade. Cristóvão Colombo então formulou um plano de negócio e apresentou-o ao duque de Gênova, que achou a proposta financeiramente arriscada e a recusou. O mesmo aconteceu quando tentou sua sorte ainda na Itália, desta vez sendo rechaçado pelo duque de Milão e pelo próprio Papa. Enviou seu irmão para tentar persuadir o rei Henrique VII da Inglaterra enquanto foi ter audiência com o rei João II de Portugal e ambos lhe disseram não.

Colombo, que desde 1484 tentava convencer algum monarca a financiá-lo, finalmente conseguiu fazê-lo em 1492. Os reis espanhóis Isabel e Fernando, animados por terem recém expulsado os mouros de Granada, decidiram bancar a aventura e muniram Cristóvão de três embarcações, incluindo a sua famosa carraca Santa Maria. Em outubro daquele ano Colombo, que imaginava poder circunscrever o globo e chegar até as Índias “pelo outro lado”, acabou chegando no Caribe, sendo o primeiro europeu a fazê-lo e desencadeando a colonização das Américas. Bartolomeu Dias e Vasco da Gama, a mando de Portugal, eventualmente realizariam o sonho de Colombo e seriam os primeiros europeus a chegar na Índia por barco.

À época, a disparidade de riqueza entre os continentes era gritante. A tripulação da frota de Zheng He era maior que a população de Lisboa (capital de Portugal) e seu navio-chefe era dez vezes maior que qualquer caravela portuguesa. Para todos os efeitos, o centro de gravitação da economia mundial se encontrava no extremo-oriente, e a riqueza per capita ­de um indivíduo na China, em estimativas de 1500, chegava até ao quádruplo daquela de um cidadão europeu, aproximadamente a diferença atual entre um norte-americano e um brasileiro.

O período das Grandes Navegações foi o prelúdio do processo que nos trouxe até o nosso status quo hodierno: a Europa contemporânea é incrivelmente mais rica do que a China. O fator crucial que nos trouxe a este estado de coisas é esmiuçado pelo escritor britânico Niall Ferguson em sua obra “Civilização - Ocidente x Oriente”: a descentralização política e a liberdade individual para empreender e comerciar.

A dinastia Ming da China era burocratizada e centralizadora, e a história de Zheng He nos atesta isso, pois suas pretensões empreendedoras foram alijadas pela vaidade dos monarcas a quem servia como escravo. Já Colombo e todos outros navegantes europeus abriram portas para o comércio global justamente por não terem que responder a uma autoridade só, sendo livres para buscar sua sorte em qualquer corte que os aceitasse, impulsionando os diversos reinados europeus a ingressar em marcha de franca competição pelos mercados de seu continente, enriquecendo todos aqueles que participavam desta disputa. Não por coincidência a Europa gerou a Revolução Industrial, o principal fator a elevar o padrão de vida da humanidade em toda sua história. Pasme, mais de metade da tecnologia envolvida neste processo já havia sido inventada na China, mas seus governos sufocavam o ímpeto inovador de seu povo.

“Este país parece estar estático há muito, e provavelmente já alcançou toda a possibilidade de riqueza consistente com suas leis e instituições. Mas isto é muito inferior ao que poderia ser alcançado com outras leis, instituições e disposições, dada a natureza de seu solo, clima e as inovações do passado de seu povo. Um país que negligencia ou despreza o livre comércio com outras nações, e que admite poucos navios estrangeiros, não pode conduzir o volume de transações que alcançaria com diferentes leis e instituições. Neste país onde, apesar dos ricos alcançarem tal posição por meios políticos e desfrutarem, portanto, de segurança que a política lhes oferece, os pobres, trabalhadores ou donos de baixo capital não desfrutam de nenhuma segurança. Pelo contrário, estes são passíveis, sob a farsa de justiça, a serem pilhados e saqueados a qualquer tempo pelos inferiores mandarins (classe burocrata chinesa). A quantidade de estoque empregada em todos os ramos da atividade produtiva deste país nunca alcançará a sua natureza e potencial sem a liberdade necessária”. (Tradução e adaptação minha)

Esta passagem poderia rigorosamente ser descrição contemporânea de nosso país, mas é Adam Smith relatando a China de 1776 em seu “A Riqueza das Nações”, que ninguém leu, mas todos criticam. Que o Brasil do futuro prestigie seus Colombos e não condene seus Zheng Hes.

*Jales Naves Júnior é advogado
 


Comentários

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  • 22.07.2022 10:01 GISELY

    Parabéns por nos trazer informação e reflexão. Excelente texto!

  • 21.07.2022 15:02 Tales Frausino

    Rico em informação e preciso na análise. Excelente.

  • 21.07.2022 10:34 Ricardo

    Excelente artigo do Jales, como sempre.

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