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GISMAIR MARTINS TEIXEIRA

“De Volta Para O Futuro” e a biografia de um parkinsoniano

| 10.04.23 - 18:03
De Aristóteles na antiguidade a Oscar Wilde nos tempos modernos, um dilema se instaura nas artes. Para o filósofo da Grécia Antiga, a arte imita a vida, o que é definido pelo caráter mimético da poética artística apresentado em sua “Arte Poética”. Oscar Wilde, que discute estética fartamente através de seus personagens em seu clássico romance “O Retrato de Dorian Gray”, advoga que a vida imita a arte com muito mais frequência do que o contrário.
 
Na imensa riqueza de que se reveste a produção poética, aqui compreendida como o fazer artístico de qualquer gênero, a alegoria e o símbolo comparecem quando menos se espera, instaurando o significado que remete ao dilema entre a arte e a vida representado por Aristóteles e Wilde. O cinema apresenta um instigante exemplo da alegoria que dialoga com a proposição de ambos acerca da relação arte-vida.
 
No filme “De Volta Para O Futuro”, que já se tornou um clássico da ficção científica, o enredo apresenta a empolgante narrativa que explora a viagem no tempo e seus paradoxos. Lançado em 1985, o filme dirigido por Robert Zemeckis e produzido por Steven Spielberg apresenta a dupla formada pelo cientista Dr. Emmett Brown e seu ajudante, Marty McFly, interpretados respectivamente pelos atores Christopher Lloyd e Michael J. Fox.
 
Na noite em que experimenta o protótipo de sua máquina do tempo, instalada no modelo automobilístico DMC-DeLorean, McFly é acidentalmente transportado de 1985 para os anos 50 do século passado. Ainda por acidente, o jovem interfere no encontro em que seus pais se conheceram, evitando que eles iniciem o namoro e, por extensão, que formem a família do protagonista do futuro. As consequências são pitorescas, oscilando entre o humor e a tragédia, pois sua mãe se apaixona por ele, invertendo a dinâmica do complexo de Édipo freudiano.
 
Ao encontrar o cientista no passado, McFly o convence de que é do futuro e consegue sua ajuda. Nas peripécias que se desenvolvem ao longo da trama, o jovem viajante temporal se junta a uma banda para tocar na festa de formatura do colégio. A fotografia que ele trazia de si e de seus irmãos são o indicativo físico das consequências de ter rompido o encontro entre seus futuros pais, o que ele tenta desesperadamente consertar com o auxílio do Dr. Emmett Brown durante o baile de formatura.
 
Na performance com a banda, ele observa que seus irmãos desapareceram da fotografia, enquanto a sua imagem também começa a sumir. Ao tentar um acordo com a guitarra, Marty McFly observa que sua mão começa a tornar-se imponderável, fantasmagórica, ficando invisível aos poucos, o que interfere na execução musical e faz com que os demais músicos olhem para ele perplexos, perguntando-lhe se ele estava bem.
 
Nessa cena dramática do filme “De Volta Para O Futuro” tem o espectador uma perfeita simbologia do dilema aristotélico-wildeano. Isto porque o ator canadense Michael J. Fox revelou publicamente, poucos anos após a exibição da icônica trilogia cinematográfica, ser portador do Mal de Parkinson. Suas recentes aparições públicas, muitos anos depois, permitem que se observe o quanto a doença já o afetou, restringindo ao mínimo uma carreira brilhante.
 
Sua performance contribuiu para o estrondoso sucesso do filme, o que intimidou o universo hollywoodiano até o presente de tentar um remake desse clássico da cultura pop. A mão de McFly que começa a desaparecer em pleno show remete ao drama que vivenciava seu intérprete, Michael J. Fox, daí por diante. No Mal de Parkinson, um dos primeiros sintomas a tornar-se perceptível é o tremor na mão. E é por esse sinal do corpo, sobretudo, que os não portadores da enfermidade reconhecem a sua manifestação nos afetados por essa doença dantesca.
 
Quem informa sobre essa particularidade da percepção de quem não é portador da doença é Antônio Martins Teixeira Filho em seu livro “Vencendo Com Parkinson”, cujo lançamento ocorre no dia 11 de abril, às 19 horas, na Associação Parkinson Goiás, à Rua C-189, nº 614, quadra 465, lote 8, Casa 1, Setor Jardim América. Parkinsoniano precoce, o autor traz em seu livro um emocionante e emocionado depoimento acerca dessa enfermidade cruel que acomete os idosos e tem aparecido com uma frequência assustadora em pessoas mais jovens ao redor do mundo. Em Antonio Filho o diagnóstico foi aos 42 anos de idade.
 
Apaixonado por futebol, o autor de “Vencendo Com Parkinson” realiza a proeza de aos 55 anos de idade ainda jogar futebol com os amigos, marcando seus gols, fazendo lances de efeito, driblando, mais do que zagueiros, o próprio corpo, já que uma das marcas da enfermidade é o progressivo enrijecimento corporal. A par das atividades físicas, Antonio Filho mantém um característico essencial, segundo aponta em seu livro, para conviver com a doença: o bom humor.
 
Tanto que já planeja um próximo livro, de crônicas, onde pretende relatar histórias pitorescas envolvendo a interação com pessoas que desconhecem a sua condição de parkinsoniano precoce. Antecipando uma das narrativas, relata ele que em determinada oportunidade um mendigo embriagado lhe pediu dinheiro para tomar uma pinga. Ao observar os tremores de seu interlocutor para tirar a cédula da carteira, o pedinte comentou: “Estou vendo que você também gosta de uma branquinha!”
 
Segundo o autor, os problemas vivenciados por um portador do Mal de Parkinson precoce passam pela incompreensão geral em relação a aspectos próprios da enfermidade. Por desconhecimento, muitas pessoas às vezes se tornam agressivas; outras, mesmo cientes, não demonstram empatia. Felizmente, porém, há sempre aquelas que demonstram empatia e buscam auxiliar da melhor maneira possível.
 
“Vencendo Com Parkinson” vem a público em uma data bastante especial para os portadores da doença, pois o dia 11 de abril é a data em que mundialmente se busca a conscientização da sociedade e a sensibilização do mundo científico para o enorme problema social de uma enfermidade que silenciosamente vai erodindo as bases da família e da sociedade, incapacitando seus portadores para uma vida de plenitude, o que constitui direito básico de toda pessoa mundo afora.
 
É, sem dúvida, uma voz que se levanta no deserto da indiferença, que muitas vezes faz com que a sociedade ignore a realidade dos parkinsonianos.
 
*Gismair Martins Teixeira é doutor em Letras, professor e pesquisador
 


Comentários

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  • 11.04.2023 15:42 TERESINHA CAMPOS FÉLIX MARTINS

    Hoje é o dia Mundial do Parkinson. é um dia de protesto contra a indiferença com que milhares de portadores da doença são tratados. "Vencendo com Parkinson" é uma autobiografia de um parksoniano que dribla as dores e limitações da doença com música e esporte e leva esperança aos que compartilham do mesmo mal. Vale a pena conferir.

  • 10.04.2023 20:14 Marcos Justiniano Tebas

    Parabéns meu amigo Toninho Matador, seu livro ficou excelente e você é uma referência de pessoa resiliente e resistente.

  • 10.04.2023 19:48 Ary Soares

    Amigo de longa data, embora afastados por questões diversas por décadas, há pouco tive o prazer de reencontrar o "Toninho Matador" apelido que o Antonio Martins Filho ganhou por suas habilidades em campo ao jogar futebol.Tenho aprendido muito com a altivez e coragem com que o Toninho enfrenta essa terrível doença. Li o livro e escutei pessoalmente algumas de suas hilárias histórias. Transformar a tristeza dessa terrivel doença em motivação à vida de quem é acometido, ou das pessoas do ciclo de relação de quem sofre com a mesma, é uma contribuição imensa à sociedade.

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