Depois de uma corrida no meu amado lar, Lago das Rosas, nessa manhã de feriado com café, carinho e livro, nessa delícia de friozinho com que maio se despede da nossa Capital, tenho direito a um combo que me confirma que na vida há perfeições. Manhã na conclusão da leitura do neófito rebento do meu amigo querido Adalberto de Queiroz, o Beto – “Entre esplendores e misérias” (crônicas). Livro lindo e forte, com alma pulsante, como sangrasse, e com alma suave, airosa, como sentisse o frescor de uma oliveira em Belém da Natividade.
Livro: 'Entre esplendores e misérias' do jornalista e poeta, Adalberto de Queiroz
(foto: divulgação)
Livro de uma dureza enternecida pelo cronista, de uma ternura robustecida por suas vivências, que, mesmo em sua prosa, não se deixa olvidar do bardo, e bom, que também é. Crônicas das quais me escorre dulçor de versos, ou verdor de versos, ou frescor ou, ainda, ardor, ou, mais ainda, dor de versos. Que no vate cronista ou no cronista poeta a dor e a flor se fundem e se mesclam intrincadas, qual que as avencas meninas — pobres e fidalgas — com os adobes e taipas dos meus becos de Goyaz, Villa Boa.
Beto fez de durezas das vivências de sua puerícia colostro forte ao seu viver, ao seu medrar nas sendas desta travessia, e não deixou que os amargores da vereda o amargassem os olhos. Pelo oposto, os amargores o autor transformou-os em amenidades
para nós, seja para quem o lê — sentindo o mel que logrou extrair de sua estrada — seja para quem com ele comparte momentos — sentindo sua energia vivaz, seu encantamento, sua prosa boa, que nos cativa sem notar, sua leveza de viver, sua sabença de viver, e bem viver.
Adalberto de Queiroz, no modo e no dizer de Cora, fez seu palmilhar “quebrando pedras e plantando flores” – este mote vigoroso da poeta Coralina na escrita do Beto virou: “quebrando misérias e plantando esplendores”.
Suas crônicas trazem pedras e flores. Sentimos a rudeza daquelas, ao mesmo em que o dúctil aroma destas, mescladas numa simbiose bonita, plácida, vivida na carne, a qual nos oferta boas histórias, de rica experiência humana, de meandros vários da vida, vistas com olhos também bonitos.
As crônicas deste amigo querido são uma beleza. Crônicas da melhor qualidade. Leem-se leve, e, ao mesmo tempo, profundo, como que sentindo uma aragem fresca… Leitura deleite, das mais saborosas que tenho feito. Motes ricos em essência e de reflexões invulgares.
Beto consegue coser num mesmo texto, em trama harmônica, serena e fluida, Marcel Proust e pamonhas, Camus e Anápolis, Victor Hugo e Recife, Ben-Hur e Caldas Novas. Dono de um talento de escrita fecundo, genial na condução interessantíssima e deliciosa da prosa, verte seu espírito cultíssimo de forma tão terna quanto suave, sem nenhuma afetação. Tal espírito, vetor de cultura sem-par, explica-se, em parte, ao que nos consta, pelas leituras copiosas do autor, que não acabam nunca, cúpido ledor; e, em outra parte – sem esgotar todas de que feito o gênio criativo –, pelas viagens também profusas mundo afora, nas quais capta passagens e olhares singulares, não raro, argamassa para sua composição literária.
Com efeito, são crônicas queridas, com as que mais me deleitei nas últimas leituras. Mira que ternura e que beleza o cronista poético — e poeta —, ao epilogar uma crônica: “[…] não tive a sorte de rever Dona Anézia, mas em sonhos ela me ressurge com um prato de mané-pelado, sem que eu tenha mérito algum em recebê-lo. Ah, doce memória! — apesar de fazer de meus olhos esses ‘faróis na neblina', me recompensa generosamente com esta página da minha infância”.
Acresço, se posso, que nos recompensam generosamente as páginas — duras e doces — da infância deste caro amigo e precioso escriba.
*Rafael Fleury é advogado, escritor e vice-presidente da União Brasileira de Escritores/Seção Goiás.