O sublime é um conceito estético cuja origem remonta à antiguidade clássica, mas com data de nascimento registrada no décimo século da era cristã com a publicação do tratado intitulado "Do Sublime", de autoria atribuída a Pseudo-Longino, o que equivale a dizer que ela é imprecisa. Esse tratado é uma publicação francesa dos escritos gregos esparsos atribuídos ao autor desconhecido que os teria produzido no primeiro ou no terceiro século da cristandade.
Embora a história do manuscrito seja um tanto labiríntica, o conceito estético de que dá conta não é de difícil apreensão, a despeito de suscitar incontáveis querelas hermenêuticas. O sublime oscila entre as concepções estéticas designadas pelo próprio termo e pelo belo, de acordo com os teóricos que se seguiram aoPseudo-Longino, dentre os quais se destacam Edmund Burke, Imanuel Kant e Friedrich Schiller.
Em linhas gerais, o sublime seria a apreensão estética do que transcende a própria natureza, numa perspectiva quase mística que remete ao espanto, ao medo e à reverência diante do incomensurável. A arte, como objeto estético por excelência, é dos produtos do gênio humano que mais desperta a experiência do sublime.
O encontro das linguagens artísticas diversificadas, num autêntico processo de reelaboração textual e performática, oferece instigantes leituras representacionais acerca da presença do sublime na estética cultural em frentes as mais diversificadas possíveis.
Exemplos disso podem ser encontrados nas sutilezas que ligam a música, a literatura e a educação, cuja pedagogia trabalha a dinâmica artística na formação dos educandos de maneira ímpar, conforme duas décadas de práticas artístico-pedagógicas do Centro de Estudo e Pesquisa Ciranda da Arte, da Secretaria de Estado da Educação de Goiás, tem demonstrado.
Na cultura universal, um exemplo notável do encontro entre a música, a literatura e o sublime surge na magnífica composição erudita bicentenária do compositor alemão, Ludwig Von Beethoven, conhecida popularmente como “Nona Sinfonia”,que fez sua estreia em maio de 1824.
Em seu último movimento, Beethoven introduziu a prática do canto coral na sinfonia, o que até então não fazia parte do processo performático musical característico desse gênero. O resultado foi uma peça artística que remete à hermenêutica do sublime, com um dado cultural particularmente interessante.
Um dos formuladores teóricos acerca do sublime é o poeta e filósofo alemão Friedrich Schiller, que escreveu fartamente sobre estética e sua presença na educação do ser humano como um todo. E o trecho literário selecionado por Ludwig Von Beethoven para o coral da “Nona Sinfonia” é o poema de Schiller intitulado “Ode À Alegria”, publicado no ano de 1785.
Em “Ode à Alegria” o poeta germânico canta literariamente versos como estes: “Ó, amigos, mudemos de tom! / Entoemos algo mais prazeroso e mais alegre! / Alegria, formosa centelha divina, / Filha de Elysium, / Ébrios de fogo, entramos em teu santuário celeste! / Tua magia volta a unir o que o costume rigorosamente dividiu. / Todos os homens se irmanam, ali onde repousam tuas doces asas”.
Após descrever e exaltar a fraternidade humana, que não pode ser obscurecida pelos costumes sociais rigorosos, o poeta ressalta a alegria, a natureza e a divindade, numa abordagem remissiva ao sublime, que na composição de Beethoven ganha destaque pela junção de orquestras e coros bem regidos mundo afora:
“A alegria nos deu beijos, vinho e um amigo leal até a morte. / Deu força para a vida aos mais humildes – e ao querubim, a contemplação diante de Deus! / Voem alegres como teus sóis. / Através do esplêndido espaço celeste expressem, / Irmãos, teus caminhos, alegres como heróis para a vitória. / Abracem-se, milhões de irmãos! / Que este beijo envolva o mundo inteiro! / Irmãos! Sobre o firmamento estrelado habita um Pai amoroso! / Fraquejais, milhões de criaturas? / Não pressentíeis, mundo, o seu Criador? / Busquem-no além do firmamento celeste, acima das estrelas, onde Ele mora!”
Do universal ao particular, em sentido espacial, outro dos incontáveis exemplos da interação entre a música e a literaturapode ser encontrado no trabalho do professor Túlio Augusto Lobo, da rede estadual de Educação de Goiás.
Em sua obra de dois volumes sob o título de “O Mundo É Um Moinho: Contos de Cavaquinho, Samba e MPB”, o autor se serve de versos da riquíssima tradição musical do samba e da Música Popular Brasileira para criar histórias intertextuais que despertam no educando a riqueza de percepção em torno de tópicos como a reformulação textual.
Em linguagem literária que mimetiza ora a fala caipira, ora a fala urbana de morros cariocas, Túlio Lobo dá interessante pista de seu projeto no próprio título da obra, pois o moinho remete ao próprio surgimento do romance em sua formatação moderna, com “Dom Quixote de La Mancha”, de Miguel de Cervantes, que apresenta o personagem central em diversos contextos expedicionários lutando contra gigantes que ele visualizava em moinhos de ventos, psicologizando a tradição dos romances de cavalaria medievais.
Em seu trabalho, o autor nascido em Goiânia elabora narrativas prosaicas com base em versos musicais, o que constitui justa homenagem a nomes da velha guarda e de gerações mais recentes do cenário musical brasileiro, tanto do samba quanto da MPB. Músicos como Bezerra da Silva e Marcelo Barra integram o conjunto dos homenageados pelo esforço literário de Túlio Augusto Lobo.Em sua performance de literariedade, Lobodivulga os dois volumes de “O Mundo É Um Moinho: Contos de Cavaquinho, Samba e MPB” na 14ª edição da FLIPIRI - Festa Literária de Pirenópolis.
Esse evento está acontecendo no período de 27 a 29 de junho em espaços culturais da turística cidade goiana, mediado pela Secretaria Municipal de Educação de Pirenópolis e a Casa dos Autores de Brasília, que se associaram à Secretaria de Estado da Educação de Goiás, através do Centro de Estudo e Pesquisa Ciranda da Arte, para a realização da importante atividade culturalque contempla diversas práticas ligadas à performance artística, como a apresentação folclórica de maracatu, e atividades de cunho literário, como o lançamento de e-book construído com material do VIII Concurso Literário deRedação BarianiOrtencio, que homenageia o centenário escritor paulista radicado em Goiás e falecido este ano, cuja contribuição cultural e amor ao estado goiano se revela como importante biografema de sua carreira.
Gismair Martins Teixeira é doutor em Letras pela UFG com Pós-Doutorado em Ciências da Religião pela PUC-GO e professor e pesquisador do Centro de Estudo e Pesquisa Ciranda da Arte da Seduc-GO.
Luiz Felipe Correia Soares é músico com graduação pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás, especialista em Docência na Educação Profissional, Técnica e Tecnológica pelo Instituto Federal de Goiás e em Psicologia dos Processos Educativos pela Universidade Federal de Goiás e professor do Centro de Estudo e Pesquisa Ciranda da Arte da Seduc-GO.