Entre os mais influentes da web em Goiás pelo 14º ano seguido. Confira nossos prêmios.

Envie sua sugestão de pauta, foto e vídeo
62 9.9850 - 6351

Adalberto de Queiroz

Do quintal ao Templo (pt.1) Mulheres católicas poetas do Brasil

| 07.08.25 - 14:17

A poesia de Adélia Prado é uma presença transformadora em minha vida e nesses meus setenta anos, posso afirmar que sua obra funcionou como uma ponte invisível, conectando experiências pessoais, minhas buscas espirituais e minhas metamorfoses.

Desde jovem, ainda cheio de incertezas, sonhos e descobertas, a poesia de Adélia foi uma companhia silenciosa, guiando-me enquanto tateava por algo maior, buscando entender o mundo ao meu redor e me conhecer mais profundamente.

Esse meu vínculo com sua poesia motivou-me a me aproximar mais de outros poetas. Está certo o poeta Bruno Tolentino quando resume: “Adélia é a poetisa do ritmo, do instante e do precário indizível”.

Com simplicidade e profundidade, ela alcança leitores atentos, dialogando com a tradição dos poetas católicos brasileiros, como Jorge de Lima, Tasso da Silveira, Murilo Mendes, Adalgisa Nery, Dora Ferreira da Silva e, em Goiás, com Sônia Maria Santos.

Cada um desses poetas e poetisas trouxe uma perspectiva pessoal e única do Sagrado, e eu vejo em Adélia uma voz singular nesse mosaico. É claro que ao começar este artigo, pensei: fora Dora, Cecília e Sônia, eu nunca havia dado a devida atenção às poetas
mulheres católicas, nem mesmo havia tido coragem de escrever sobre a poesia de dona Adélia...

Enquanto Jorge de Lima explorava o mistério religioso com lirismo simbólico e formas fixas, Tasso da Silveira oferecia uma espiritualidade intelectual, enraizada na ortodoxia católica. Murilo Mendes, o “poeta brasileiro de Roma”, trouxe inventividade e um toque de danação, e Augusto Frederico Schmidt destacou-se pelo verso branco. Em todos, o sagrado é uma constante, um fio que os une, e eu sempre me senti atraído por essa presença em suas obras.

Mas, em Adélia, encontro algo diferente, mais próximo e visceral. Sua poesia não trata o divino como algo distante, mas o incorpora ao cotidiano — nos detalhes do amor, da dor, da esperança, trafegando do quintal ao templo como nos versos abaixo:
 
Raiva me dá do ícone santo
Que não me ouve, que não me atende.
[...] Mas depois, de joelhos,
peço perdão, e ele me fita,
quieto, com olhos de Deus.

É como se ela tateasse o céu com os pés no chão, transformando a rotina em oração e a dor em matéria de fé. Sua linguagem, muitas vezes coloquial, carrega uma força espiritual que toca profundamente o leitor, como se falasse diretamente à nossa essência humana e frágil. Na poesia de Adélia, podemos sentir o sagrado na dureza da vida diária, enfrentada com fé e humor, e isso ressoa com nossas próprias experiências.

Comparando-a com outras poetisas, percebemos que a poesia católica feita pelas mulheres no Brasil nunca foi unívoca. Cecília Meireles, por exemplo, é pura tradição, menos ousada na forma e na linguagem, mas igualmente envolvente. Já Adélia mistura
o cotidiano e o sagrado mostrando que Deus está presente nos laços da vida e nas pequenas coisas. Essa fusão nos faz ver sua obra como uma continuação, mas também uma renovação dessa linhagem poética que reafirma o religioso como parte essencial da
existência.

Hoje, aos quase 90 anos (ela nasceu no dia 13/12/1935), Adélia Prado continua viva e atual 2 .
 
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.

Sua poesia, que ela mesma descreve como feita de “pequenos cacos”, revela a beleza na fragilidade e a força da fé nas imperfeições. Como disse José Nêumanne Pinto, ela oferece “poesia e prosa com fé no chão”. De fato, sua obra é como um vitral, reunindo
cacos para criar algo maior.

Revisitando sua poesia no evento “Vozes femininas: Clarice, Hilda Hilst e Adélia”, no Sesc/Goiânia Centro, nos dias 3 e 4 de julho de 2025, confirmei sua relevância. Ali, percebi como sua voz é indispensável para quem busca beleza, esperança e redenção,
mesmo sendo “caquinhos de vidro na poeira”.

Em Adélia sinto o sagrado mais próximo, quase tátil. Sua poesia, com palavras comuns, mas aladas, é como uma oração que emerge da experiência humana. Adélia ecoa além das palavras, moldando uma visão de mundo onde o humano e o divino se fundem,
oferecendo uma lição de esperança: mesmo na dor e na dúvida, há uma luz que nunca se apaga.
 
Súbito é bom ter um corpo pra rir
e sacudir a cabeça. A vida é mais tempo
alegre do que triste. Melhor é ser.

E com esses versos, deixo o leitor com o desejo mais sincero de que este vá em busca de Adélia, enquanto este velho cronista promete retornar com a poesia de Dora, Adalgisa e Sônia Maria Santos, um trio de poetas mulheres em busca do Sagrado.
 
*Adalberto de Queiroz, 70, é jornalista e poeta. Membro da Academia Goiana de Letras e autor, entre outros, de “Entre esplendores e misérias” (Crônicas) e “Cadernos de Sizenando” (Poesia).

Comentários

Clique aqui para comentar
Nome: E-mail: Mensagem:
Envie sua sugestão de pauta, foto e vídeo
62 9.9850 - 6351