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Luiz de Paula Naves

Ao Chicuta... meu pai

| 10.08.25 - 11:40
O dia 12 de agosto sempre foi importante no meu calendário. Aprendi, desde menino, a respeitar esse dia, consagrando-lhe uma atenção especial, pois, justamente no dia 12 de agosto de 1907, lá pelas bandas de Rio Preto, nas Minas Geris, nascia Francisco Naves, a quem hoje dedico a maior parcela do meu afeto, o meu doce carinho e a minha mais devotada admiração: o velho Chicuta... meu pai!
 
Como falar de seus oitenta anos, graças a Deus, bem vividos, sem permitir que a emoção me embargue a voz, dificulte o meu raciocínio, torne os meus dedos mais lentos no matraquear da velha máquina de escrever, testemunha das minhas mais intimas manifestações?
 
Como falar de meu pai “oitentão” sem revoar o pensamento ao passado? Como sentir a sua presença neste dia, sem lembrar os momentos queridos da infância, aquela infância vivida nos carros-de-bois carregados de milho? Aquela infância cheia de mor, apesar das dificuldades de uma época, quando tudo era difícil?
 
Desvincular esse passado da minha lembrança, impossível. É esse passado que nos torna, hoje, uma família mais unida, que nos faz respeitar essa figura de cabelos brancos, ainda ereta nos seus oitenta anos, como a desafiar todos os obstáculos enfrentados para criar uma família numerosa com dignidade, com respeito, mantendo incólume a sua integridade.
 
Quero homenagear o meu pai, nos seus oitenta anos, falando da minha infância, pois foi graças aos seus exemplos que hoje posso viver de cabeça erguida, enfrentando, como ele enfrentou, os problemas da vida sem esmorecimento, sem temor, mas confiando em Deus, esse mesmo Deus que o meu pai, desde os meus primeiros passos, nos ensinou a amar e n’Ele confiar, acima de tudo.
 
Quero falar de meu pai, com aquele cheirinho gostoso do gado leiteiro, cheirinho que não saía de suas mãos, por mais lavadas que fossem. Era o cheiro da dignidade, do trabalho diário que nos dava o pão de cada dia. Aquelas mãos calejadas, machucadas pelo arame farpado, no cabo do arado, mas que sempre tinham um gesto de carinho para dispensar aos seus filhos, a qualquer hora.
 
Quero falar de meu pai, exímio cavaleiro, sempre com um animal de classe à sua disposição, deixando um espaço pra os filhos na sua garupa ou na cabeça do arreio, quando ia ao povoado fazer compras ou quando saía à procura de uma vaca desgarrada que dera cria no meio do mato.
 
Quero falar na doçura dos seus olhos azuis, que nunca demonstraram o menor sinal de revolta contra as intempéries, que nunca demonstraram contrariedade, como se a vida para ele, meu pai, se resumisse em ser bom, atencioso, prestativo, trabalhador e amigo.
 
Quantas vezes o surpreendemos pensativo, olhar perdido nos campos. Em nossa inocência, jamais pensamos que aquele pinheiro que os ventos não conseguiam vergar tinha dentro do peito um coração que, por mais que tentasse disfarçar, às vezes, o traia, fazendo-o recolher no seu sofrimento, sofrimento que jamais permitiu chegar aos seus entes queridos.
 
Como hoje, tantos anos depois, eu compreendo o meu velho.
 
Como hoje eu o admiro pela sua personalidade, pelo seu caráter, pela sua dignidade, pela sua força de vontade, pelo amor dedicado à sua espoa, aos seus filhos, aos seus amigos.
 
Lembro-me, ainda, e muito bem, dos domingos de missa na igrejinha do povoado. Todos de roupa passadinha, com a alvura que a nossa mãe sempre conseguia nas suas esfregadas na beira do ribeirão, com o sabão de pedra falando mais alto. E lá íamos nós, seis irmãos, o pai e a mãe. Uma família unida, no amor e na religião.
 
Uma família igual às outras. Com briga entre os irmãos, por causa dos banhos no ribeirão ou pelas pescarias, nem sempre bem-sucedidas. Mas, uma família de verdade, graças ao pai que Deus nos deu e que, numa dádiva especial, o mantém vivo e forte aos oitenta anos.
 
Este 12 de agosto tem um sabor especial. O velho Chicuta entra para o rol dos octogenários, coisa rara hoje em dia. Mas, não entra como um caco ou um traste imprestável. Entra como uma figura humana da melhor qualidade, amado e respeitado por todos. Um cidadão que chega aos oitenta anos mantendo o mesmo padrão de dignidade e respeito, de amizade e integridade familiar. Um cidadão de oitenta anos, ainda útil, capaz de produzir, capaz de raciocinar pelos filhos, capaz de dar um conselho na hora certa e uma reprimenda exata nos nossos erros.
 
É este o perfil de meu pai. Traço-o hoje, sem falsa modéstia, com o maior orgulho e o mais profundo respeito.
 
Quero depositar em sua fronte um beijo, com aquele mesmo calor do seu beijo, quando, no Natal, nosso sapatinho na janela, molhado pelo orvalho, recebia algumas moedas, “deixadas pelo Papai Noel, que não podia levar brinquedos, por morarmos longe”.
 
Quero depositar em sua fronte um beijo, com aquele mesmo calor do seu beijo que nos dava à beira do fogão de lenha, nas noites frias de inverno, em meio às estórias que nos contava, antes de ir para a cama.
 
Meu velho... meu pai!
 
Que felicidade estar com você no dia dos seus oitenta anos, poder ouvi-lo e sentir o seu calor e aquele cheirinho gostoso, cheirinho que só você tem. Você e mais ninguém.      
 
Sou novamente criança e você é, outra vez, o homem das vacas, dos cavalos, dos carros-de-bois, das palhadas, do cheirinho do gado leiteiro, dos olhos azuis (duas gotas cristalinas), das mãos calejadas, da cabeça erguida.
 
E é o seu filho criança que pede a Deus sua permanência entre nós, por mais algum tempo, para que possamos nos redimir de todas as ingratidões e darmos a você o valor que você sempre mereceu.
 
A benção, meu pai. Afinal, uma benção oitentona é privilégio de poucos.
 
(Esta crônica eu a dediquei ao meu pai, no dia 12 de gosto de 1987. Pouco mais de um ano depois, no dia 09 de novembro de 1988, uma parada cardíaca o levou de volta ao Pai. Fui o último filho a falar com ele, durante uma partida de cartas (bisca), uma hora antes da sua morte. Desculpem o tempo ocupado, mas a saudade doeu no fundo e me fez veicular no Face, algo que vinha guardado, há anos. Você, que ainda tem a felicidade da presença do pai, ame-o com intensidade. Ele tem, certamente, uma linda história).
 
Agosto, 2025
 
 
Luiz de Paula Naves, natural de Barra Mansa (RJ), é jornalista, com formação acadêmica e Mestrado em Jornalismo Político, com passagem na grande imprensa da capital (rádio, jornal e tv). Militou também no ensino superior, na cadeira de Cultura Brasileira. Aposentado nas duas atividades. Aos 86 anos, com exatos 66 anos no jornalismo, realizou-se profissionalmente. Exerceu, ainda, funções públicas no Governo do Estado do Rio de Janeiro e nos municípios fluminenses de Barra Mansa, Volta Redonda e Quatis. Em Barra Mansa ocupou os cargos de Secretário Municipal de Governo e de Promoção Social.

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