O esporte é muito mais do que atividade física, lazer ou espetáculo. Reconhecido internacionalmente como um direito humano fundamental, ele ocupa um papel estratégico na promoção da dignidade, da saúde, da educação e da cidadania. Ainda assim, no Brasil, milhões de pessoas permanecem excluídas de sua prática, seja pela falta de infraestrutura, de políticas públicas ou por barreiras culturais e sociais.
O acesso universal ao esporte, sem distinção de classe social, gênero ou condição física, ainda é um desafio. Em comunidades vulneráveis, a ausência de espaços adequados — quadras, campos, equipamentos ou iluminação — impede a prática segura e contínua. Além disso, projetos esportivos exigem recursos para materiais, transporte, alimentação e profissionais qualificados, o que limita sua expansão em territórios periféricos ou rurais. A carência de políticas integradas e de orçamento específico reforça esse quadro, perpetuando desigualdades históricas.
O esporte também enfrenta barreiras culturais. Muitas vezes, ele é visto como lazer secundário ou espetáculo midiático, em vez de ser tratado como política pública essencial. Isso restringe sua potência como ferramenta de transformação. Crianças e jovens de baixa renda, mulheres, pessoas com deficiência e populações historicamente discriminadas acabam ficando à margem, o que revela que o desafio não é apenas estrutural, mas também cultural e institucional.
Por outro lado, quando o esporte é entendido como direito humano, ele se transforma em um poderoso instrumento de inclusão. No lazer, promove saúde física e mental, fortalece vínculos comunitários e oferece espaços seguros de convivência. Na competição, desenvolve disciplina, resiliência e foco, além de abrir oportunidades de ascensão social e profissional. Em ambos os contextos, contribui para a formação de cidadãos conscientes e capazes de transformar realidades.
Exemplos em todo o país mostram como o esporte pode prevenir violações de direitos e apoiar processos de ressocialização. Atletas que retornam às comunidades como treinadores, por exemplo, representam muito mais do que a continuidade de carreiras esportivas: simbolizam a multiplicação de oportunidades, a valorização da autoestima e a criação de referências positivas para novas gerações. Essa dinâmica fortalece vínculos comunitários e amplia horizontes, demonstrando que o esporte vai além do desempenho atlético — ele é educação, cidadania e pertencimento.
O combate a práticas discriminatórias como racismo, machismo e homofobia também passa pelo esporte. Ambientes esportivos ainda reproduzem preconceitos históricos, mas têm potencial para se tornarem espaços de resistência e transformação. Isso exige políticas institucionais claras de combate à discriminação, formação de profissionais conscientes e representatividade de lideranças diversas. A educação em valores como respeito, solidariedade e equidade é fundamental para que o esporte acolha todas as identidades e corpos.
Nesse contexto, a atuação de organizações da sociedade civil, como o Instituto ACE em Goiás, demonstra como esporte e direitos humanos podem caminhar juntos. Fundado por um ex-atleta profissional que hoje atua como defensor público, o Instituto mostra que a prática esportiva e a defesa de direitos se complementam na missão de garantir dignidade, inclusão e oportunidades. Suas iniciativas formam não apenas atletas, mas cidadãos, ao valorizar trajetórias, criar processos de ressocialização e ampliar o acesso ao esporte em comunidades vulneráveis.
Mas a responsabilidade é coletiva. O Estado deve assumir o esporte como prioridade nacional, garantindo financiamento contínuo, políticas intersetoriais e infraestrutura adequada. A sociedade precisa reconhecer o esporte como ferramenta de cidadania, apoiando projetos e valorizando educadores esportivos. Já as empresas podem ampliar significativamente o alcance dessas iniciativas por meio de patrocínios, parcerias e ações de responsabilidade social.
Tratar o esporte como direito humano significa olhar para ele não apenas como espetáculo ou medalhas, mas como dignidade, saúde, educação e futuro. Ao democratizar seu acesso, o Brasil não estará apenas formando atletas — estará formando cidadãos capazes de transformar suas próprias histórias e a sociedade em que vivem.
*Adriano Cristian Souza Carneiro é Defensor Público Federal, Professor de Direito e Gestão Esportiva. Formado em Direito, Educação Física e Mestrando em Direito, ex - atleta profissional de voleibol, técnico nível 3 de voleibol de quadra e praia.