O Centro-Oeste do Brasil é a região que menos arrecada no Programa Nacional de Apoio à Cultura, do Ministério da Cultura. É o menor índice de ações apresentadas e com baixíssimo nível de captação. Esse dado, entretanto, não pode se confundir com o valor do patrimônio cultural da região, muito menos com o nível dos profissionais atuantes. Se são Paulo fica com praticamente a metade de todos os aportes da Lei Rouanet, isso não significa que não haja competência e relevância em outros Estados, muito menos em Goiás.
Um processo de restauração requer compromisso, paciência e profundo respeito. Convivo com o Patrimônio Cultural desde os meus 13 anos de idade; hoje tenho 65. Ao longo de mais de quatro décadas de atuação direta, aprendi que preservar não é apenas restaurar estruturas físicas — é zelar por memórias, identidades e histórias que nos constituem como sociedade.
Sempre fui considerada uma pessoa severa nas minhas avaliações e na condução da causa pública. E foi justamente essa severidade — muitas vezes confundida com rigidez — que me permitiu conhecer empresas, profissionais e organizações não governamentais verdadeiramente comprometidas com o Patrimônio Cultural. Gente séria, que entende que bulir com o patrimônio é lidar com algo sagrado, que exige ética, técnica e responsabilidade. Ao longo dos anos, aprendi a separar o joio do trigo. Há quem veja na preservação do patrimônio apenas uma oportunidade de visibilidade ou de lucro. Mas há também — e felizmente — quem a veja como missão.
Por isso, li com indignação reportagem publicada recentemente no UOL, que citava a uma dessas sociedade culturais originárias do Centro-Oeste, a Elysium, além de outras empresas e pessoas com quem atuei de forma próxima e respeitosa. Por um lado, a reportagem questionava os recursos terem ficado sob responsabilidade de entidade sediada em Goiás. Por outro lado, tenho a dizer que se trata de equipe de longa trajetória, de mais de 30 anos em defesa do patrimônio, responsável por várias ações não apenas no Centro-Oeste, mas em todo o País e mesmo no exterior.
O texto me causou tristeza e perplexidade. Mais uma vez, vi como o desconhecimento e a falta de apuração podem gerar informações distorcidas, capazes de manchar trajetórias inteiras e de esfacelar o trabalho de profissionais sérios. O jornalismo do “denunciamos” chega, muitas vezes, como um trator: atropela reputações, simplifica contextos complexos e ignora a dedicação de quem há décadas atua em prol do bem público. E o faz, muitas vezes, em nome de uma suposta busca pela verdade — que, sem profundidade e sem escuta, se transforma em injustiça.
Não se trata de blindar ninguém contra críticas. A crítica é essencial e deve existir. Mas quando ela se baseia em desconhecimento, ela deixa de informar para ferir. O Patrimônio Cultural — e todos que trabalham por ele — merecem mais do que manchetes apressadas: merecem respeito, precisão e responsabilidade.
*Salma Saddi é historiadora, servidora do Iphan por mais de 40 anos, ex-superintendente do órgão em Goiás