O tema escolhido para a prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio deste ano — “Perspectivas acerca do envelhecimenato na sociedade brasileira” — foi uma decisão oportuna do Ministério da Educação.
Nossa população vem envelhecendo em ritmo acelerado. Falar sobre isso é discutir o presente, o futuro e o modo como enxergamos a própria vida.
O Brasil tem hoje cerca de 32 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, o que representa 15,6% da população, segundo o IBGE. Em 1980, esse percentual era inferior a 5%.
As projeções mostram que, em 2070, mais de um terço dos brasileiros estará na velhice. É uma revolução silenciosa, mas profunda, que já está transformando as famílias, os serviços de saúde, a economia, a Previdência e as relações entre as gerações.
Em Goiás, a realidade é semelhante: quase 14% dos goianos têm mais de 60 anos e a expectativa de vida média no Estado é de 76,6 anos, acima da média nacional.
Vivemos mais, mas ainda não vivemos o suficiente com qualidade, autonomia e respeito. O desafio agora é envelhecer melhor.
Como médica aos 77 anos, vejo com preocupação os impactos dessa mudança. Encontro pessoas que, apesar de terem conquistado longevidade, enfrentam o isolamento, a falta de estímulo e a carência de espaços adequados para convivência e cuidado.
O envelhecimento populacional não é apenas um fenômeno demográfico: é um desafio humano e ético, que exige políticas públicas permanentes e a participação de toda a sociedade.
É inadiável que governos de todas as esferas adotem ações em apoio aos quatro pilares para o envelhecimento saudável definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS): participação, saúde, segurança e aprendizagem ao longo da vida.
Esses princípios precisam orientar o planejamento do poder público — e, sobretudo, o olhar que temos sobre o idoso. Envelhecer com dignidade é poder continuar aprendendo, participando, trabalhando se desejar, convivendo e sendo reconhecido pelo valor da experiência.
Infelizmente, a cultura brasileira ainda associa o envelhecimento à perda, à limitação e à invisibilidade. Essa visão precisa mudar.
O idoso não é o fim de um ciclo: é o resultado de uma vida inteira de trabalho, dedicação e aprendizado. Devemos ser tratados com a mesma importância normalmente dedicada à infância e à juventude.
Na Câmara Municipal de Goiânia, tenho buscado fazer dessa causa uma missão. Nosso principal projeto é a criação de Centros de Envelhecimento Saudável com atendimento-dia. Serão espaços públicos de convivência, com atenção médica, psicológica e social, atividades físicas, culturais e recreativas.
A proposta é simples e profundamente humana: cuidar de quem cuidou. Muitos idosos passam o dia sozinhos enquanto os familiares trabalham. Os centros-dia, que apelidei de “creches para idosos”, permitem que eles tenham acolhimento, companhia, cuidado e dignidade — e que as famílias também tenham apoio nessa jornada.
Além disso, defendemos que Goiânia adote oficialmente os pilares da ONU para o envelhecimento ativo e saudável, transformando esses princípios em políticas permanentes. É preciso garantir saúde preventiva, educação continuada, inclusão digital, acessibilidade e segurança como direitos essenciais da terceira idade.
O Enem, ao colocar o envelhecimento em pauta, prestou um serviço público de enorme relevância. Ao convidar milhões de jovens a refletirem sobre esse tema, o exame abriu espaço para o diálogo entre gerações. O jovem de hoje será o idoso de amanhã — e a forma como tratamos os mais velhos hoje determinará o país em que envelheceremos.
O Brasil é um país muito desigual e o envelhecimento traz novas formas de desigualdade. Cito apenas uma das mais graves: o peso social carregado quase exclusivamente pelas mulheres na chamada economia do cuidado. São elas que quase sempre sacrificam sonhos e expectativas de vida para ficar ao lado de quem precisa de cuidados — seja um idoso ou alguém com limitações.
Sem contar os inúmeros casos de exploração e abandono de idosos, além do preconceito etário – que até ganhou um nome chique, o etarismo. Falar de envelhecimento, portanto, é falar de justiça social, de empatia e de cidadania.
Goiás pode e deve ser um exemplo. Nosso Estado já tem políticas avançadas de saúde e de proteção social, e pode se tornar referência nacional em políticas de longevidade ativa, integrando saúde, cultura, esporte, educação e assistência social em uma mesma visão de cuidado.
O futuro do Brasil será grisalho. E isso é uma boa notícia — se estivermos preparados. Mais do que garantir anos de vida, precisamos garantir vida a esses anos. Um país que respeita e valoriza seus idosos é um país que se respeita.
O tema do Enem nos lembra que o envelhecimento não é um problema a ser resolvido. É uma conquista a ser celebrada, desde que saibamos cuidar das pessoas com amor, estrutura e políticas públicas. Envelhecer é viver. E viver com dignidade é o que todos nós merecemos.
*ROSE CRUVINEL é médica, especialista em gestão pública e vereadora