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RALPH RANGEL

Uma reflexão sobre humanidade, verdade e trabalho

| 25.11.25 - 14:36

No ritmo acelerado das organizações repletas de metas, KPIs e pressões constantes, é fácil esquecer que toda empresa é, antes de tudo, um encontro de pessoas. A busca incessante por efetividade, previsibilidade e resultados muitas vezes empurra para o segundo plano aquilo que sustenta qualquer ambiente de trabalho, a humanidade. É justamente nesse ponto que a filosofia da palhaçaria oferece um caminho inesperado e profundo, capaz de iluminar aspectos essenciais do universo corporativo.
 
A palhaçaria, quando vista além do senso comum, não é apenas sobre provocar risos, ela é um exercício de consciência. O palhaço revela sem filtros aquilo que muitos tentam esconder: a fragilidade, a insegurança, a dúvida, o medo de errar e o desejo sincero de acertar. Não existe personagem perfeito ali, existe alguém que se permite ser visto como realmente é na busca pelo melhor, e, essa autenticidade cria um tipo de conexão que nenhuma técnica de comunicação consegue reproduzir de forma artificial.
 
Esse ponto é valioso para as empresas, ambientes onde as pessoas se sentem obrigadas a atuar em papéis rígidos se tornam tensas, fechadas e pouco criativas, já ambientes onde a autenticidade é bem-vinda tendem a ser mais colaborativos, mais ágeis e mais capazes de inovar. A palhaçaria nos lembra que a vulnerabilidade não diminui a competência de ninguém, pelo contrário, ela abre espaço para que as relações se tornem verdadeiras e assertivas.
 
Outra questão fundamental está na relação com o erro, no cotidiano corporativo errar muitas vezes é visto como falha grave, já na filosofia da palhaçaria, o erro é tratado como parte do caminho, algo que pode gerar descoberta, leveza e até criatividade. Essa visão não é ingênua, ela é realista, não se trata de celebrar o erro pelo erro, mas de reconhecê-lo como etapa necessária da descoberta e correção. Na palhaçaria, o erro não é apenas tolerado: ele é transformado em material prático para a melhoria contínua e evolução.

Toda inovação nasce de tentativas, experimentações e ajustes. Empresas que compreendem isso criam ambientes mais seguros, onde as pessoas não têm medo de propor ideias novas.
 
Sem esse espaço de confiança, a criatividade se retrai.
 
A presença é outra característica essencial da filosofia da palhaçaria, o palhaço vive o momento com intensidade, percebe o público, o ambiente e o que surge diante dele. Essa disponibilidade para o presente é rara hoje em dia e faz falta em tempos de home office.

Reuniões on-line, conversas atropeladas e decisões apressadas são sintomas da ausência de presença. Quando profissionais aprendem a escutar melhor, observar com calma e a responder com clareza, o trabalho flui com mais qualidade e segurança.
 
Também faz parte desse olhar filosófico a forma como o palhaço enxerga o outro, ele observa sem julgar, acolhe o que aparece e transforma aquilo em possibilidade de encontro. Essa forma de ver o outro pode transformar profundamente um ambiente de trabalho, já que ela reduz conflitos, melhora a comunicação e cria laços que tornam as equipes mais fortes e maduras.  Observe, relações saudáveis começam quando deixamos de esperar perfeição, deixamos de expor erros e passamos a enxergar a humanidade do colega ao lado.
 
A liderança inspirada na palhaçaria é uma liderança que não finge saber tudo, que se coloca como parte do grupo e que aprende junto. É uma forma de condução que inspira pela consciência e pela clareza, pela autoridade moral e intelectual, não pela rigidez.

Quando a complexidade é constante, esse tipo de presença humana oferece estabilidade emocional e fortalece o senso de propósito dentro das equipes.

Percebemos assim que o trabalho pode ser mais do que uma sequência de tarefas. Ele pode ser um espaço de encontro, criação e crescimento. A filosofia nos lembra que inovação depende de liberdade, que a colaboração depende de verdade e que nenhuma empresa prospera de forma sustentável sem reconhecer a humanidade de quem a compõe.
 
No final, a filosofia da palhaçaria nos devolve algo essencial: a possibilidade de trabalhar sem abandonar quem somos.
 
PS: Do ponto de vista psicológico, a filosofia da palhaçaria ganhou forma no século XX, sobretudo com os estudos e práticas desenvolvidos por Jacques Lecoq, Philippe Gaulier e outros mestres. Embora a figura do palhaço remonte a tradições culturais e rituais muito mais antigas, foi nas escolas de teatro da França e da Inglaterra, na segunda metade do século passado, que se estruturou como um método de autoconhecimento, de presença plena e de integração corpo-emoção-expressão. A partir dessa base, sua influência alcançou a psicologia, a educação, a saúde mental e ambientes organizacionais, oferecendo ferramentas para explorar a vulnerabilidade, a criatividade, a autenticidade e a conexão humana.
 
*Ralph Rangel é desenvolvedor de software, professor em cursos de MBA. Foi Superintendente na Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Goiás. Foi Secretário Executivo na Secretaria de Inovação, Ciência e Tecnologia do Município de Goiânia

Comentários

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  • 25.11.2025 16:05 Juliane Albanezi

    Excelente reflexão

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