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Miguel Cordeiro

"Liv & Ingmar"

Um filme para não ser esquecido | 13.02.13 - 11:08

Goiânia - No filme “Liv & Bergman”, relato comovente da mulher de Ernst Ingmar Bergman, Liv Ullmann, sobre a sua sofrida convivência com o mais que genial cineasta sueco, as pessoas sentem um misto de admiração e estranheza, medo e tristeza, diante das declarações de Liv quanto à vida íntima do casal. No relato da atriz, vê-se um homem extremamente retraído, reagindo ao mundo com atitudes de isolamento e forte misantropia.

Estranho, ciumento, possessivo, egoísta, exigente, chegando muitas vezes a privar a esposa do convívio com os outros, Ingmar é imagem de alguém muito perturbado. Ricardo Cota, crítico de cinema do Jornal do Brasil e um dos estudiosos de Bergman, escreveu  sobre ele o seguinte: “Filho de pastor luterano, amargou uma criação autoritária, baseada em conceitos relacionados ao pecado, confissão, castigo, perdão e indulgência.

Em sua autobiografia, Lanterna mágica, Bergman faz relatos impressionantes. Sempre que contava uma mentira recebia castigos constrangedores, como desfilar vestido de menina ou ser trancafiado num armário. É nesse período que vivencia sentimentos como vergonha ou humilhação, tão explorados em seus filmes.”

Isso explica, em parte, a razão do sintoma de estranheza que, certamente, o cineasta sofria. Porém, o que encanta no filme á a maneira lúcida, carinhosa, muitas vezes bem humorada, outras nostálgica, que Liv demonstra no documentário. Se por um lado os sofrimentos ao lado do sueco foram intensos e muito graves, por outro a força do amor de Liv pelo esposo é uma verdadeira lição de perseverança e lealdade ao companheiro. Mesmo sob a opressão mais difícil, a solidão mais insuportável, o amor, a lealdade e a admiração de Liv por Bergman a sustentaram.

No seu relato, algo paradoxal acontece na mente de quem escuta – como pode alguém dizer, com um sorriso carinhoso nos lábios, coisas tão difíceis? É possível ao coração esquecer? Á alma perdoar? Pode o tempo passado apagar marcas profundas da violência sofrida? Era de se esperar um relato amargo, dolorido, repleto de lembranças muito tristes. Mas não, Liv sorri, elogia, confessa seu amor transformado em amizade preciosa, em cuidado sublime. Seria esse o milagre do amor? A produção de uma infinita capacidade de perdão e de recomeço? O que se ouve sobre Ingmar é, no mínimo, triste e o que se repara em Liv, enquanto fala, é realmente paradoxal.

Sem dúvida alguma o filme ensina na maravilhosa linguagem cinematográfica, segredos belíssimos sobre a arte de amar para além das limitações da mente, das circunstâncias de tristeza e violência. Assim, nos dez filmes que fez com o marido, Liv o amou, admirou e se entregou de corpo e alma àquilo que mais a encantava nele, sua obra genial, profunda e muito séria em termos da produção de sentidos a partir do mistério das paixões, do amor e da morte.

O que ficou do impressionante relato de Liv foi a demonstração de otimismo, de esperança, (o amor sempre produz esperança) e de fé no trabalho e na luta de pessoas que fazem das coisas simples algo maior, para nos encantar e nos surpreender na vida. Ingmar, dominado por um pathos terrível que o fazia desesperar-se, encontrou em Liv uma razão para prosseguir, servindo-se de uma reflexão dolorida sobre sua própria vida, sobre o mal que o consumia.
 
Pode ser assim com qualquer um de nós. A partir de um significante forte que se imponha, da articulação de uma fala que não se cala e de atitudes cujo sujeito aceite transar o mistério, na força de um discurso vivo, é perfeitamente possível superar toda e qualquer dificuldade que, temporariamente nos acometa.
 
Salve Liv, salve Ingmar, ambos maiores e mais fortes que as vicissitudes que sofreram.
 
Miguel Cordeiro é psicanalista  

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