Passando pela Rua 10 senti um aperto no coração, constatei que nada ficara da rua em que vivemos por muitos anos. Um sentimento de desapontamento. Existe uma contínua ação contra a cidade, desmanchando e mudando o seu traçado, conforme acham que devem, achando que é permitido, em função de seu crescimento. Não se pode modernizar desfigurando o que deve ser preservado. Já venderam quase todas as praças projetadas para que, no futuro, a população tivesse espaços urbanos de lazer. Restam poucas. Como a da esquina da Avenida Z com a Avenida República do Líbano, no Setor Aeroporto, existiam outras por toda a cidade. Da Rua 10, quase nada restou, até o nome mudaram para Avenida Universitária.
Em 1946, meu pai, como a sua família, escolhera as imediações da Rua 20 para construir a sua primeira residência. Nessa época a cidade era pequena e as pessoas pioneiras construíam suas casas no Centro, hoje, Setor Central. A residência de meu pai era na Rua 10, número 25 esquina com a Rua 20. Ainda não tinha a Catedral. A Igreja de Nossa Senhora Auxiliadora, aonde meus pais se casaram, era no imenso lote onde hoje está o Edifício Dom Abel.
A praça onde construiram a Catedral era grande. Fizeram um belo projeto para a igreja. Lembro quando iniciaram a sua construção. Brincávamos nos montes de areia colocados no pátio em frente à construção. Ali eu perdi um pé de um brinco que tinha sido da minha bisavó. Chorei, como qualquer criança que perde algo que gosta, mas a montanha de areia era tão alta que era impossível achar ali um objeto tão pequeno.
Em 1961, meu pai retornou à comarca de Goiânia, após 11 anos no interior como Juiz de Direito. Voltamos a morar, desta vez, definitivamente, na casa da Rua 10, bem em frente à porta principal da Catedral e ali foi a residência de minha família até 1988, quando meu pai faleceu.
A construção da igreja já estava adiantada, o interior estava quase pronto, já permitia que as missas fossem celebradas ali dentro, embora estivesse inacabado. Estavam terminando a torre. Porém, nunca fizeram o acabamento definitivo, o que está no projeto. Hoje, imensos edifícios sufocam a Catedral, ela deveria ter ficado sozinha no centro de sua praça.
A Rua 10 era uma rua com imensas árvores - Mungubas - e ao entardecer os pardais se instalavam em seus galhos, fazendo alegre algazarra. Em seus bancos, os jovens conversavam, namoravam e viam as suas paqueras passando de um lado para o outro. Lindas mulheres goianas moravam na rua 10 e por perto, elas arrancavam suspiros silenciosos de muitos fãs quando desfilavam a sua beleza ali. Alguns dizem que ali passaram as mulheres mais bonitas de Goiânia. Seus bancos, se falassem, contariam histórias como a do homem calendário, que pela data do aniversário, dizia o dia da semana que a pessoa havia nascido. Dos estudantes "comunistas" que sentavam ali para discutir o destino do Brasil, alguns foram presos e outros desapareceram. Das alegres meninas do Assunção e do Auxiliadora que esperavam os ônibus escolares sentadas ali, contando casos inocentes, dando risadas. Das angústias e tristezas dos bêbados que dormiram neles. Dos seresteiros da madrugada, que ensaiavam ali as músicas para cantar nas janelas de suas amadas. Eu era premiada com esses ensaios, poque a janela do meu quarto era para a Rua 10. Das procissões das festas católicas. Das opressões aos estudantes cercados dentro da Catedral em 1966. Do vai e vem dos estudantes universitários...e tantos casos perdidos na destruição de seus canteiros.
A Rua 10 era uma rua calma, alegre, rua de paquera. A casa de meus pais, por ser em uma esquina, proporcionava ampla visão dos que passavam de carro, era um dos pontos de encontro de jovens durante as tardes. Não havia o costume de ir a bares para beber, os jovens se encontravam nas ruas e avenidas do centro, formando grupos para conversar e paquerar e após a missa das 19 horas na Catedral da Rua 10 eles iam para a casa de um dos amigos para dançar twist e hully-gully, uma dessas casas era a casa da Rua 10 com a 94, charmosa com “bay-window”, ela foi demolida recentemente para dar lugar a uma farmácia, como a de meus pais, que também tem uma farmácia no local, uma em frente à outra.
Das famílias que moraram ali, muitos são homens e mulheres que fazem parte da história de Goiás, tornando essa rua histórica, pelos acontecimentos e pelas pessoas que ali viveram. Agenor Cançado, Miguel Cançado, João Candido de Oliveira, Misach Ferreira, Renato Olinto de Almeida, Pedro Minadaks, os Crosara, José Americano Roriz, Oriz Rego, Hermerico Silva, Paulo de Castro, Wison da Paixão, Olga Metran, Joaquim Gonçalves, Luiz Alberto Cunha Cruz, Corintho Santos, Clenon de Barros Loyola, Jacy Rezende, Maria Mendes Loyola, Ataliba Jardim, Miguel Frauzino, Arthur da Cunha Bastos, Antonio Ferreira, Liberato de Melo, Oswaldo Ferreira, Carlos Rochael, Walfredo Antunes de Oliveira, Joaquim Sobrosa, Leo Lynce de Araújo, Hidelbrando Machado, Otelo Áurea, Elizeu Lima, Zenon Antonio Pinheiro, Wilson Mendonça e Dione Costa. Se houver esquecimento, perdoem e acrescentem.
É uma rua especial, que esse seja um bom projeto, que se torne útil e a embeleze, para que ao passar por ela as pessoas que ali viveram possam suspirar de saudades e, ao mesmo tempo, de contentamento ao ver o que ali estiver construído. Assim, a dor não será tão grande.
Maria Dulce Loyola Teixeria, Administradora
Madulce51@yahoo.com.br