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Rogério Lucas

Organizar o caos é possível

O transporte público pode ser controlado | 21.12.11 - 13:34

 

 
Há muita gente de natureza afável, como é o caso de Edmundo Pinheiro. O herdeiro financeiro da fortuna e substituto intelectual de Hailé Pinheiro, da poderosa HP, exala uma mistura de inteligência, bom-humor e saber viver digna de quem sabe das coisas, não tem problemas e conhece o mundo. Explica, com ar blasé, numa reunião de trabalho, porque usa uma aliança quadrada no anular esquerdo: um belo dia em Paris, num restaurante, brincava com a aliança original, redonda, entre os dedos quando ela caiu e foi, literalmente, para o ralo. Difícil convencer a esposa da veracidade da história, optou por trocar as alianças por outras, quadradas, mantendo a mania de tirar e brincar com ela, mas sem o risco de vê-la rodar caminho abaixo e se perder inexplicavelmente.
 
Interlocutor perspicaz, na única vez que nos encontramos Edmundo Pinheiro também fez uma observação curiosa, em meio à nossa reunião de trabalho: usava, como eu, barras de calças dobradas, sem costura. Mas como, estranhei? Eu as uso pra fora, ele para dentro. Achei tão detalhista quanto o comentário sobre o anel, e guardei desta reunião a impressão de que Edmundo Pinheiro não era um monstro, como se pinta dele desde sempre.
Com Décio Caetano tive mais reuniões e apontamentos. Ele fazia a linha de frente do comando e da comunicação do Sindicato das Empresas de Transporte Público de Goiás, Setransp, e eu era repórter da área. Falávamo-nos às vezes e um fato me impressionava. Décio mudava a fisionomia e a intensidade do brilho dos olhos quando tocava no nome de seu pai, e depois quando se referia a alguma história da primeira filhinha que teve. Perdi contato, nem sei se teve outros filhos ou se o pai ainda vive. Sei que descobri que Décio Caetano, assim como o outro poderoso do transporte coletivo em Goiânia, não tem vocação para ser um monstro.
 
 Nariz de cera importante para colocar as coisas em seu devido lugar ao tratar da situação caótica do transporte coletivo e do trânsito de Goiânia. Não que o prefeito Paulo Garcia – a que também vi uma única vez -, apesar de seu porte e jeito de general prussiano, tenha vocação para monstro. Mas é indubitável que a responsabilidade pelo caos dos transportes coletivos em Goiânia e seu entorno é do prefeito de Goiânia. Num passado recente, Iris Rezende se elegeu apontando corretamente um problema de gestão e prometendo resolvê-lo em seis meses, como administrador. Não o fez, como não faz seu sucessor, porque lança mão de soluções cosméticas, como aumento de frota – como fez Iris – ou melhorar um corredor e estações de embarque - como esboça fazer Paulo. Os dois fogem do essencial, que é assumir o controle e operação material do transporte público na Região Metropolitana de Goiânia.
 
Quer saber quanto arrecada a cada dia e a cada hora o sistema de transporte coletivo de Goiânia e 19 municípios do seu entorno? Pergunte a Deus, se crê nele. Já as prefeituras de Goiânia e limítrofes têm uma vaga resposta, de 40 milhões de reais, em contrato, ao mês. E o Setransp tem a métrica, moeda por moeda, do que entra minuto a minuto, mas não revela estes números nem sob tortura. O que, diga-se, nunca foi sequer pensado. Ninguém fiscaliza ou controla o sistema financeiro do transporte coletivo de Goiânia e região. Ninguém nunca o fez, nunca nem ameaçou fazer. O Setransp é o dono do orçamento, e como numa casa em que o pai é autoridade inquestionável, porque único provedor, manda como quer, distribui diariamente a féria entre as empresas. E ainda embolsa, por força de contrato, cerca de 3 milhões de reais ao mês, a pretexto de cobrir os custos de “operar o sistema”.
 
Sem controle sobre as finanças, a prefeitura de Goiânia poderia querer controlar ao menos a operação. Não quer. É da responsabilidade do Setransp definir linhas, sua extensão, traçado, pontos de parada, número de ônibus e sua frequência. Enfim, é a concessionária, não o poder concedente, que define como deve operar todo o sistema, que faz as planilhas diárias de quantos ônibus vão andar nas ruas, quais ruas, com que frequência e com quantos passageiros. Lembrando que Edmundo Pinheiro e Décio Caetano não são monstros, mas estão prontos a lucrar com seus negócios, estas planilhas levam em conta muito mais a rentabilidade do que a eficiência do sistema. Quem deveria controlar a eficiência e o interesse público era o poder concedente, não as concessionárias.
 
Um dia destes certa associação de fiscais do transporte coletivo fez um questionamento público sobre a falta de iniciativa da prefeitura de Goiânia em fiscalizar efetivamente o funcionamento do sistema de transporte coletivo da região. Parece que chegaram a um acordo, com algum ganho salarial para os fiscais. Ocorre que a Grande Goiânia tem um dos sistemas mais modernos de acompanhamento e controle da operação de transporte coletivo no mundo todo. O Sit-Pass e cartões individuais chipados, associados ao sistema de monitoramento por GPS, permitem saber quantas pessoas embarcaram em cada ônibus, e melhor, onde cada veículo está e em que velocidade se desloca.  No site www.rmtcgoiania.com.br, ou no próprio GoogleEarth,  qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo pode saber coisas como traçado das linhas de transporte público, como sair de um ponto de ônibus e chegar a outro, e principalmente, em quantos minutos um ônibus de determinada linha vai chegar no ponto que se deseja, acompanhando por GPS, em tempo real. Por computador ou qualquer dispositivo de comunicação via internet, como os cada vez mais comuns celulares com ligação por satélite.
 
Em termos de acesso a transporte público de qualidade o sistema de monitoramento por satélite pode não ajudar muito. O que é ruim não melhora apenas porque pode ser visto à distância pelo computador. Mas em termos de fiscalização... Houvesse o mínimo interesse, através do acompanhamento digital a prefeitura poderia, com reduzido número de fiscais, acompanhar, registrar e multar - remotamente -, o trajeto de cada ônibus em operação nas ruas da Grande Goiânia. Cada um, individualmente, e a frota inteira, no momento que quisesse. Ter fiscais cronometrando viagens nas ruas seria um luxo, caso quisesse aumentar a eficiência do controle. Mas a partir de uma central, poderia ter estes fiscais monitorando tudo com planilhas na mão – ou na tela – e o que está se passando, minuto a minuto, no sistema em operação.
 
Aí ocorre a velha pergunta: mas se é tão simples assim, porque não se faz? Edmundo e Décio não terão dificuldades de colocar seu exército de advogados para esmiuçar cláusulas de contratos, alíneas e parágrafos em nome da manutenção do status quo, certamente muito lucrativo para todas as empresas de ônibus da região metropolitana de Goiânia. Da mesma forma que a prefeitura, se tivesse ânimo e disposição para evocar o interesse público das concessões, não teria a menor dificuldade de, pelo menos, negociar condições melhores de operação do sistema de transporte coletivo e nem de exercer maior controle e fiscalização sobre ele. Iris Rezende prometeu que arrumaria tudo em seis meses. Paulo Garcia sequer é cobrado sobre isto. Mas está à vontade para fazer mais uma área de adensamento urbano fora dos seis eixos de transporte coletivo previstos no Plano Diretor de Goiânia. Bom é pensar no aqui e agora. O futuro a Deus pertence.
 
* Rogério Lucas é jornalista e tuiteiro no @lucas1211
 

Comentários

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  • 22.12.2011 10:12 Luiz de Aquino

    Tudo bem: as prefeituras de vinte municípios envolvidos - e partes contratantes - jamais saberão quanto o SETRANSP arrecada e lucra (curioso: acho que só em Goiás se terceiriza totalmente um segmento tão importante da vida pública): "E o Setransp tem a métrica, moeda por moeda, do que entra minuto a minuto, mas não revela estes números nem sob tortura". E os departamentos de Receita? Nem a Estadual, nem a Federal têm acesso a esses informes? Que negócio ótimo, hem? E a população que se expl(f)oda!

  • 21.12.2011 02:48 SANDRO RAGONEZI

    Quando Iris prometeu consertar o transporte ate te boa fé, Assim como até licitou novamente , pena que tinha a frente Marcos Massad que acredito eu era o laranja dos abutres, e instruiu as regras e as empresas de fora não conseguiram ganhar ou sequer tentaram. Marcos Massad era blindado da a impressão que sabia demais de rabos presos e ai o caos como disse nunca foi corrigido e pelo jeito não vai ser pq os mesmos canseres ainda estão mandando no sistema e os administradores tem MEDO deles.

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