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Sobre o Colunista
Othaniel Alcântara
Othaniel Alcântara é professor de Música da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisador integrado ao CESEM (Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical), vinculado à Universidade Nova de Lisboa. othaniel.alcantara@gmail.com / othaniel.alcantara@gmail.com
Il trillo del diavolo é o nome pelo qual é conhecida a Sonata para violino, em sol menor, escrita pelo italiano Giuseppe Tartini (1692-1770), por volta de 1714. Ao que parece, esse violinista e compositor, assim como seu conterrâneo Niccolò Paganini (1782-1840), além do virtuosismo musical, possuía talento para o marketing pessoal. Em relação a isso, segundo Joseph Wechsberg (1973, p. 223), Tartini costumava dizer aos seus alunos que durante um sonho, o diabo apareceu para ele tocando uma impressionante música em seu instrumento. Ao acordar, ele não conseguia se lembrar da melodia, exceto pelo estranho, longo e difícil trinado* duplo que ainda ecoava em seus ouvidos.
Tartini nasceu em 1692, em Pirano, cidade localizada na atual Eslovênia e que, por séculos, foi controlada pela antiga República de Veneza. Ainda jovem, mudou-se para a cidade de Pádua, na qual esteve envolvido com o estudo do violino, com a prática de esgrima e com o Curso de Direito. Foi também nessa cidade que Tartini planejou uma carreira monástica.
O ano de 1713 mudou o curso da vida de Tartini. Sem a mesada do pai, falecido em c.1710, ele então tomou a decisão de se casar com Elisabetta Premazzone. Entretanto, sem conseguir a permissão do Cardeal Giorgio Cornaro, que além de tio era tutor de Elisabetta, o jovem casal viu como única solução fugir de Pádua, com a firme intenção de realizar uma cerimônia de casamento secreta. Mas, de acordo com relatos históricos o Cardeal, enfurecido, teria ordenado a prisão do violinista que, disfarçado de frade, exilou-se em um mosteiro franciscano, na cidade de Assis.
Algum tempo depois, devidamente “anistiado” pelo Cardeal, Tartini voltaria para sua esposa. Embora tenha passado curtos períodos em Veneza e Praga entre os anos de 1723 e 1726, estabeleceu-se profissionalmente em Pádua, ocupando o posto de violinista principal da Basílica de Santo Antônio (1721 a 1765). Ainda em Pádua, também fundou sua renomada “Escola” de violino. Cabe dizer que, além do sucesso como intérprete, pedagogo e teórico, Tartini contribuiu decisivamente para o desenvolvimento da técnica** violinística.
Monumento a Giuseppe Tartini Basílica de Santo Antônio de Pádua
Fonte: commons.wikimedia.org
Voltando a falar sobre a célebre Sonata The devil’s trill, alguns autores especulam que a citada visão de Tartini teria ocorrido em Assis. Entretanto, pesquisadores como, por exemplo, Joseph Wechsberg sugerem que tal fato aconteceu na cidade de Ancona, por volta de 1714.
Considerando tal premissa, é bastante comum escutar a narrativa de que Tartini, ao ouvir um jovem violinista chamado Francesco Veracini (1690-1768), ficou impressionado e ao mesmo tempo decepcionado com a sua própria técnica. Deprimido, resolveu passar uns tempos na cidade de Ancona, dedicando-se ao estudo do violino e da composição. Há evidências que comprovam, inclusive, a presença de Tartini como integrante da orquestra daquela cidade, em 1714. Fato é que, ao emergir de seu “esconderijo”, adquiriu o status de maior violinista italiano de sua geração.
A lenda que envolve a composição de Il trillo del diavolo é narrada pelo próprio Giuseppe Tartini em uma carta endereçada a um amigo, o astrônomo francês Joseph-Jérôme Lefrançois de Lalande (1732-1807):
Tradução:Numa noite, do ano de 1713, sonhei que havia feito um pacto com o diabo, ficando ele sob minhas ordens. Tudo acontecia maravilhosamente bem; todos os meus desejos eram antecipados e satisfeitos pelo meu novo servo. Ocorreu que, em um certo momento, dei a ele o meu violino e o desafiei a tocar uma peça romântica para mim. Foi enorme o meu espanto ao escutar uma sonata tão bela e original, tocada com tanta arte e inteligência, como nunca antes tinha ouvido. Fiquei tão surpreso e senti tanto prazer e êxtase que uma violenta emoção me fez perder o fôlego e, então, acordei. Imediatamente peguei meu violino tentando recordar, pelo menos em parte, o que eu acabara de escutar, mas foi em vão. A peça que eu compus, em seguida, é, certamente, a melhor que já escrevi. Eu a chamo de a Sonata do diabo. Porém, ela é tão inferior à que ouvi no sonho que cogitei quebrar meu violino em vários pedaços e abandonar a música para sempre.
Teria o pacto faustiniano - relatado por Tartini no trecho acima traduzido - realmente acontecido? Certamente nunca saberemos!
No vídeo abaixo, a Sonata de Tartini interpretada pela violinista alemã Anna-Sophie Mutter.
Obs.: a partir de 7'50"
No vídeo seguinte: com o violinista israelense Itzhak Perlman (n.1945)
Ouça e veja na partitura do vídeo abaixo, a partir de 9’02”,
um bom exemplo dos trinados nessa Sonata:
Trecho: Devil's trill at the foot of the bed (a partir de 9’02”)
NOTAS:
* Trillo (ou trinado) é um tipo de ornamento musical representado pelo símbolo “tr”. Consiste na alternância mais ou menos rápida de duas notas musicais vizinhas, separadas por um semitom ou um tom acima da nota real.
** Tartini dedicou-se à pesquisa de novas possibilidades sonoras do violino. Com esse intuito descobriu, por exemplo, o fenômeno que viria a ser chamado de Tartini tones (sons de Tartini) ou terzo suono (terceiro som) ou ainda, “fantasma sonoro”. Trata-se, em resumo, de um som, que pode ser percebido quando duas outras diferentes notas são tocadas simultaneamente e de forma bem intensa.
Muita legal, Othaniel. É ótimo que existam "doidos" que adoram esses "doidos geniais" rsrs. Grande abraço.
05.03.2021 21:18
Ralph Rangel
Essa coluna é uma maravilha, sempre trazendo música, cultura e curiosidades, sou fã.
Sobre o Colunista
Othaniel Alcântara
Othaniel Alcântara é professor de Música da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisador integrado ao CESEM (Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical), vinculado à Universidade Nova de Lisboa. othaniel.alcantara@gmail.com / othaniel.alcantara@gmail.com