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Nádia  Junqueira
Nádia Junqueira

Nádia Junqueira é jornalista e mestre em Filosofia Política (UFG). / njunqueiraribeiro@gmail.com

Ora, pois!

O paradoxo do gaúcho

A linha tênue entre bairrismo e preconceito | 16.05.12 - 22:30
De Porto Alegre - Talvez o que mais me encante e me orgulhe no Brasil é que ele guarda esse tamanho de continente, gigante pela própria natureza (e consequentemente tanta diversidade cultural e natural) mas, ao mesmo tempo, uma espécie de união. De Norte a Sul, todos somos compreendidos pela mesma língua. Diferenças aqui, ali, sotaques chiados, puxados ou cantados: um mesmo Português. Quando penso na Espanha, por exemplo, que um galego não consegue conversar com um catalão, me impressiono com o Brasil. Apesar das diferenças étnicas, estamos longe de uma intolerância que leva a mortes e conflitos; e (mal e mal) vivemos num Estado laico.

Nessa história de ser nascida e criada no Centro-Oeste, percebo que as culturas dos extremos são as que mais estranho e, logo, me encanto. Sudeste sempre esteve muito próximo da cultura goiana. Por formação histórica (foram eles que migraram para cá) e cultural mesmo (sem falar na televisão, que por natureza é paulista e carioca). Já quando o assunto é Nordeste e Sul sempre me sinto em terreno, de fato, diferente. E quando falo em Nordeste, falo das pessoas e da cultura (para além das belezas naturais que levam a maior parte dos brasileiros até lá).

O primeiro carnaval em Olinda a gente não esquece. Lembro que cheguei à cidade antes da minha turma. Sozinha, caminhei até o centro, tomei o primeiro ônibus que vi e fui até a linha final. Depois tomei o ônibus de volta até o centro. (Tenho um prazer estranho em me sentir perdida em lugares que não conheço). É dentro de um ônibus que você conhece as pessoas que pertencem àquele lugar. Era pré-carnaval e foi ali no ônibus que vi que aquilo é muito mais que uma festa e gandaia pra esse povo. A coisa é, alegremente, séria. As casas, as famílias se preparam para aquilo como para o Natal. É tradição, é história, faz parte do ser. Eles estão pouco se lixando se os turistas vão gostar ou não. A festa é para eles. Sorte nossa de poder compartilhar.

E então me lembro que no ônibus uma criança estava no colo da mãe que conversava com uma conhecida. Dez minutos de conversa a criança já estava no colo da conhecida e perguntou: “pra quê você usa isso?”, se referindo aos óculos de grau. “Para ver as flores, para ver o mar azul e ver as cores do carnaval”. Entenderam? Para mim esse diálogo resumiu toda a alegria e poesia no ser nordestino. Mesmo na miséria e na dificuldade, guardam sempre um sorriso, humor e um quê de arte. Pronto! (Como eles mesmos dizem). Nordeste já me conquistou faz tempo. Eu poderia ainda falar da força da história, da música (e salve o coco, baião, maracatu) e da gente porreta que conheço. Mas acho que já convenci.

O Sul, como o Nordeste, é terreno longe para mim. Minha avó materna é do Paraná, mas viveu a vida toda em São Paulo. Então, não tenho vínculos, de fato. E se nordestino passa por preconceitos e estereótipos, por um lado, os sulistas não ficam para trás. Em especial os gaúchos, essa gente que convivi de perto nos últimos meses e me conquistou, como os nordestinos. Mas, descobri que no fundo, eu tinha um preconceitozinho com gaúchos. Nada muito grave, só achava, de fato, um povo metido e antipático.

Bem, tudo caiu por terra quando, durante o intercâmbio em Portugal, fiz duas grandes amizades com quem morei: uma gaúcha (com quem acabei dividindo quarto) e um gaúcho (quem acompanha essa coluna há um tempo,sabe de quem estou falando. Aquele “guri” que saiu de uma colônia alemã do Rio Grande). Fora essas amizades, já tinha tido um amigo gaúcho, das antigas, mas achava que era caso isolado. Há 10 dias, em ocasião de um encontro de filosofia, acabei tendo a oportunidade única de conviver com eles por alguns dias em Pelotas. Bom, a simpatia e hospitalidade não eram típicos apenas de Marcela e Dani. Os amigos deles, com quem moravam e estudavam e outras pessoas que conheci, me fizeram engolir, de vez, a imagem de antipáticos. Simpatia, aliás, que não vejo com freqüência por aí.

Bem, se pude rever o conceito de antipatia, também revi o de metidez. Eles têm mesmo orgulho em ser gaúchos. Um bairrismo que, sem conhecer de perto, me irritava. Depois admirei. E por fim, preocupei. No domingo, o cardápio era arroz carreteiro e cozinhavam ao som de música gaudéria. Não estou falando de gente adulta não tá? Pessoal da minha idade. Logo começaria jogo do Internacional, prepararam chimarrão. Aliás, pausa para falar do chimarrão. Eles compartilham como quem compartilha uma cumplicidade, uma história, um quê que a gente não é capaz de entender. Dani muito se irrita quando falo que não vejo graça em tomar chá mate no canudinho.

Continua a história: prepararam chimarrão, compartilharam e cantaram hino do Rio Grande do Sul antes do Jogo. “Oi? Você sabe hino do Rio Grande do Sul de cor?”, me levantei do colo da Marcela onde estava deitada. “Claro que sim! Aprendi antes do hino nacional. Olha o tanto que é lindo”. “Hino é hino, Marcela”, brinquei. Mas pensei que acho muito bonito saberem o hino do estado. Não sei nem como começa o de Goiás.

Eles sabem da história e frequentam Centros de Tradição Gaúcha. Em suas rotinas, ouvem sua música, comem seus pratos típicos, tomam seu chimarrão, cantam o hino antes do jogo e acham o sotaque a coisa mais linda do Brasil. Uma regionalidade admirável, perdida em muitos cantos desse país. Admirei esse amor pela cultura, essa tradição e, antes, todos Estados tivessem esse envolvimento. O Rio Grande é lindo, os gaúchos são simpáticos, a cultura interessante, a tradição admirável e sua história é bonita. Tá bom, Bündchen é a mulher (considerada) mais linda do mundo, a Dilma (a primeira presidente brasileira) é gaúcha e a Polar (cerveja) é gostosa (mas não é isso tudo). Os gaúchos só têm um defeito: acham que são os melhores.

Quando perguntava (de brincadeira) se defendiam separatismo, me respondiam: “A gente não tem condições. A gente precisa do Brasil”, riam. Então era uma questão de condições, menos que de vontade. Essa conversa hoje em dia é só para fazer piada mesmo, mas reforça esse bairrismo todo. Digo que esse bairrismo acabou me preocupando quando esse amor todo evolui para “se achar melhor que os outros Estados” até chegar ao “odeio nordestinos”.

Ouvi uma, duas, três vezes. Até ouvir na esteira do aeroporto em Brasília, de alguém que me parecia importante, ligado à política do Rio Grande e ia ao Ministério da Fazenda. “Venho aqui só uma vez ao mês. Gaúcho não gosta de Ministério da Fazenda, quem gosta são os nordestinos, que vêm pedir dinheiro”, declarou. Repito, declarou e não brincou. Lembrei-me, na hora, do que a guia na Charqueada São João que visitamos em Pelotas nos contou. Veja só que ironia, as charqueadas, umas das maiores tradições do gaúcho, determinante no crescimento pecuarista do Sul, foi possível pela seca do Nordeste. Quem sabia da técnica (fazer carne de charque) desceu para o Rio Grande.

Bem, a verdade é que em toda vida ouvi poucas piadinhas ou declarações de preconceitos com nordestinos em Goiás. Acabei me assustando. E o bairrismo me preocupou, porque de uma coisa linda e admirável, pode se tornar um grave problema étnico. Gaúchos, vocês são ótimos. Mas não são os melhores. Basta dar uma voltinha com coração aberto pelo Brasil e verão que não são. Eis vosso paradoxo: são bons demais. Só não são melhores porque acham que são.   

Comentários

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  • 11.01.2025 16:13 Weverton

    Eu cresci em Goiás e há quatro anos moro em Porto Alegre e admiro muito o quanto aqui se exalta a cultura, adoro o clima, a estrutura da cidade, mesmo com seus defeitos. O único problema é que são um pouco grossos na primeira impressão e principalmente os mais velhos, as vezes extremistas. Sou acostumado com a simpatia nordestina, que tbm se vê em Goiás e Brasília, onde é cheio de nordestinos, que são alegres com desconhecidos, cumprimentam com carinho, querem sempre conhecer as pessoas, sinto falta disso.

  • 24.08.2018 21:13 Jonathan Feijó

    Sou gaúcho de Pelotas morando em Santa Catarina! Tu não falasse nenhuma mentira sobre os gaúchos! O Rio Grande é um lugar muito dividido ao mesmo tempo Unido. Assim como divergimos entre azul e vermelho no futebol o mesmo acontece na política! Mas no geral as pessoas são boas porém mal interpretadas e mal interpretantes. Gostei de saber que fostes bem acolhida em minha terra! Abraços!

  • 08.07.2014 12:06 Deco Santos

    Lindíssimo seu texto. Gaúcho que sou, me sinto lisonjeado com suas palavras. É pena que, assim como em outros estados, ainda exista esse preconceito idiota com os nordestinos. O orgulho maior do gaúcho se formou por essa miscigenação de culturas, raças e etnias. Nossas vestes, pratos típicos e boa parte de nossa musicalidade foram herdadas ou influenciadas por outros povos. Acredito que isso baste para que o preconceito não se justifique. Concordo plenamente com você quando trata sobre a hospitalidade gaúcha. Contudo, descordo quando você cita que os gaúchos "se acham demais". Entendo que se houve um meio onde você esteve inserida aqui em minha amada Pelotas, ele não reflete o todo. Peço-te humildemente perdão em nome de qualquer gaúcho que tenha sido grosseiro com você. Como gaúcho um tanto viajado, te garanto, amo meu Rio Grande do Sul como amo a todos os irmãos dos outros estados por onde andei, e mesmo os que não conheço. Existe um sentimento muito grande aqui chamado de "orgulho de ser gaúcho", mas um maior ainda chamado respeito.Um grande abraço, e mais uma vez, muito obrigado por suas palavras de carinho e admiração pelo Rio Grande do Sul.

  • 07.10.2013 21:23 Pamela Schneider

    Adorei o texto, sou gaúcha e tenho muito amor pelo meu Estado sim. Porém, acima disso sou Brasileira e amooo as culturas desse nosso grande País. Brasil tem uma diversidade tão grande de culturas que é lindo de se ver. Gaúcho realmente é povo unido, passamos por antipáticos pq estamos acostumados a nos defender de piadinhas maldosas, que aliás ninguém acha graça, principalmente por aqui.

  • 30.06.2012 04:08 Maíra Selva

    É aquela estória, é o estado onde se encontram as pessoas mais liberais, libertárias, anti-preconceito e as mais conservadoras. Também percebemos que tanto amor à pátria sul-riograndense se deve ao fato de ser um povo que lutou muito para manter a fronteira e se sentem bem brasileiros (ou até os mais brasileiros. ) por isso. E não tem nada a ver com que algumas pessoas atribuem, "é porque lá tem muito alemão, italiano. " pra mim é a terra que mais tem de tudo, inclusive, negros e indios, como aqueles pobres representantes vendendo artesanato duvidoso na rua da praia. O gaúcho é bairrista, sim, ama sua terra e admiro muito isso. Nós, mineiros, amamos nossa terra, mas somos come-quietos, ficamos na nossa. Agora, não se pode generalizar, muitos gaúchos sabem e acham ridículo esse "separatismo". Com todo respeito, pois sou metade goiana, acho o goiano bem bairrista, e um bairrista bem chato também. Nenhum lugar é tão bom quanto goiânia, reclamam da comida, da cerveja, das pessoas, das mulheres de todos os outros lugares. E, por isso, termino dizendo e temperando minha última fala: não se pode generalizar.

  • 18.05.2012 12:09 Marcelo

    "Sempre tentar ser o melhor, mais nunca se achar o melhor" Juan Manuel Fangio. Ótimo texto, parabéns.

  • 18.05.2012 10:36 Maíra Heinen

    Nádia, só digo uma coisa: maravilhoso texto! Lendo, percebi que também tinha esse pequeno preconceito com gaúchos, mas no fundo, é uma vontade de ter, como eles, orgulho de minha terra! Beijos menina!

  • 17.05.2012 08:08 Marcelo Igor

    Tudo bom, Nádia... Concordo com você. Sou goiano e morei uma temporada em São Leopoldo-RS. As pessoas com as quais convivi eram muito legais e sabiam acolher gente de fora... Não cheguei a ver preconceito, mas a tal linha tênue, percebi sendo ultrapassada algumas vezes... O que me chamou a atenção é como alguns aspectos de "tradicionalismo" (tenho medo dessa palavra) são usados apenas como acessórios e medo de "deixar de parecer gaúcho", entendido aqui como aquele estereótipo do tradicional... A região metropolitana é bem mais heterogênea e convive melhor com aspectos diferentes, mas percebi, em poucas incursões, que no interior o "tradicionalismo" é mais forte... E, realmente, o RS precisa do Brasil... vários órgãos governamentais, sedes regionais de serviços públicos, as inúmeras universidades federais ... O Governo Federal representa muito mais peso lá do que em Santa Catarina, por exemplo... Mas, enfim, gostei do tempo que passei lá e de me conectar com minhas raízes, já que minha avó falecida nasceu naquele estado.

  • 17.05.2012 01:13 Paulo Bohn

    Bah guria, uma delicia poder me reconhecer no texto enquanto Gaúcho, mas melhor ainda é saber que sou o gaucho das antigas Que te mostrou que somos insuportavelmente adoráveis! Haha Acho que acima de ser gaúcho- e com orgulho, sou um amante Da brasilidade, sei la, talvez da "mundialidade"...

  • 16.05.2012 11:58 Marcela D. Albarnaz

    Nádia, como sempre, admirável. Tu tem absoluta razão! Devemos grande parte da nossa história a outros povos... Alemães, Italianos, Poloneses, Índios por suas ancestralidades... Aos Uruguaios por suas vestes... Aos Chilenos por sua erva e alpargatas... Aos Argentinos por seus porongos (cuia)... Aos Nordestinos, pelo charque (...). O charque foi um dos maiores aspectos que motivaram a Revolução Farroupilha. Revolução que MORREMOS de orgulho, na qual, nem se quer vencemos! Eu, gaúcha, quero poder continuar andando por esse Brasil (alô Goiás, to chegando!) e sair de cada lugar sentindo o mesmo orgulho por ser Brasileira. Enquanto isso, canto nosso hino: "Povo que não tem virtude acaba por ser escravo... Sirvam nossas façanhas de modelo a toda Terra". P.S.: Podemos discutir isso comendo uma Pamonha de sal com Cachaça e Murici?

  • 16.05.2012 11:43 Daniel Sphor

    Sou gaúcho e posso afirmar que: gaúcho tem orgulho de ser gaúcho. Mesmo não sendo fã de músicas tradicionalistas (gosto de rock mesmo), aquele domingo com churrasco sem música gaudéria não é o mesmo... e quando toca o hino do Rio Grande automaticamente a mão já vai ao peito e solto a voz. E gaúcho que torce para um time de fora do estado? Não é gaúcho! Mas a parte do bairrismo que te assusta, tenho que dizer que por aqui não assusta mais tanto. Não que eu concorde, acho errado. Mas não é novidade escutar por aí uma piada ou outra sobre separatismo ou nordeste. E quando chega aos ouvidos de alguém que não está acostumado a ouvir, assusta mesmo! E a situação piora no interior do estado. E se chama chimarrão e não chá com canudinho! Coisa irritante!

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