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Fabrícia  Hamu
Fabrícia Hamu

Jornalista formada pela UFG e mestre em Relações Internacionais pela Université de Liège (Bélgica) / fabriciahamu@hotmail.com

Inspiração

O que é pior que um filho gay?

| 28.05.12 - 11:01

Duas mensagens enviadas por leitores na semana passada me sensibilizaram muito. Ambos homossexuais, uma moça e um rapaz, me relataram a angústia de esconder sua orientação sexual da família e pediram ajuda, no sentido de orientá-los sobre a melhor forma de contar isso aos pais. O fato de não ser psicóloga e de ser heterossexual fez, inicialmente, com que eu me julgasse incapacitada para auxiliá-los. Mas como não acredito em coincidências – e receber duas mensagens com o mesmo tipo de conteúdo na mesma semana é, no mínimo, estranho – pensei que talvez tivesse chegado a hora de falar sobre isso.
 
E lá fui eu conversar com meus grandes amigos homossexuais, para saber como revelaram para a família sua orientação sexual e que tipo de conselho dariam para quem está vivendo esse momento agora. Será que realmente é preciso contar a verdade? Todos foram unânimes na resposta: sim, é preciso. Se a pessoa tem certeza de que sente desejo por alguém do mesmo sexo, não faz sentido esconder esse fato dos familiares. E se já é difícil o próprio homossexual contar isso aos pais e irmãos, a coisa fica ainda pior se for dita por um terceiro elemento, alguém de fora do núcleo familiar. A sensação de traição dos parentes é maior.
 
Sim, eu disse maior. E essa palavra não veio por acaso. Conforme os amigos gays e lésbicas com quem conversei, todos os pais se sentem traídos no momento da revelação da homossexualidade dos filhos. Acham que foram enganados, pela vida e pelos seus, e são acometidos por um ataque de ira, seguido de muita tristeza. Segundo a professora universitária Edith Modesto, autora do livro “Mãe sempre sabe? Mitos e verdades sobre pais e seus filhos homossexuais” e fundadora do Grupo de Pais de Homossexuais (http://www.gph.org.br/), a sensação que ela teve ao saber que o filho era gay foi de luto, e a dor comparada à de “uma operação sem anestesia”.
 
Toda a idealização que os pais faziam dos filhos cai por terra. É como se aquela pessoa não fosse a criança gerada e criada por eles, o ser para quem se sonhou um futuro perfeito. A reação é de estranheza e confusão. É como se o filho amado tivesse morrido e dado lugar a um outro, absolutamente desconhecido. Nessa hora, julgamentos são inúteis. Dizer que ele ou ela é promíscuo (a) e doente só vai piorar as coisas. Isso porque o próprio homossexual se culpa e se julga, muitas vezes com mais crueldade e dureza que qualquer outra pessoa. A autoaceitação é uma das etapas mais difíceis do processo. 
 
Buscar curandeiros, médicos ou religiosos para alterarem a orientação sexual do filho também não é boa ideia. Desde 1973, a homossexualidade não é mais considerada uma doença física nem um problema psicológico. Com base em estudos, há quase 40 anos a Associação Americana de Psiquiatria retirou a homossexualidade do seu Manual de Diagnósticos e Estatísticas de Distúrbios Mentais, demonstrando que ela nada mais é do que uma variação possível e legítima da manifestação do desejo sexual.
 
Seguindo a mesma linha, desde 1985, o Conselho Federal de Medicina passou a não considerar a homossexualidade uma doença mental ou física. Além disso, em 1999, foi publicada uma resolução do Conselho Federal de Psicologia que normatizou a conduta dos psicólogos quanto à questão, determinando que eles “não colaborarão com eventos ou serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades”.
 
Como se vê, o filho ou filha que revela aos pais que é homossexual não está doente. Entretanto, há ainda um outro aspecto sobre ele que talvez os pais não percebam, mas que é de profunda importância: o caráter dessa pessoa continua o mesmo, bem como o amor e o respeito que ela nutre pela família. Uma prova de que os pais não falharam na educação que deram ao filho ou filha homossexual é o fato de eles quererem compartilhar com quem está dentro de casa a verdade sobre sua orientação sexual e se preocuparem com o impacto que essa revelação terá sobre a família. É sinal de honestidade e sensibilidade. 
 
Ser heterossexual também não é mérito algum. Fosse assim, não haveria tantas mulheres espancadas por seus maridos, tantos homens traídos por suas esposas, números crescentes de divórcios entre os casais ditos “normais”. Como bem disse Caetano, de perto ninguém é normal. Edith Modesto ensina que “temos de matar partes nossas para aceitar aquele (a) 'novo (a)' filho (a). Matar conceitos que tínhamos, maneiras de ser que acreditávamos serem as únicas; temos de matar os sonhos que construímos para ele (a)...Reinventar-se é construir uma nova identidade para nós, mais ou menos o que nossos filhos tiveram de fazer para eles”. Tarefa árdua, mas plenamente possível.
 
Um amigo meu nunca vai esquecer do dia em que contou ao pai que era gay. Coberto de ódio e decepção, ele gritava: “Meu Deus, por que não matou meu filho? O que é pior que um filho gay? Não há castigo mais terrível que esse!”. Disse isso e expulsou sumariamente o rapaz de casa. Meu amigo foi morar com o namorado, um enfermeiro íntegro e esforçado. Algum tempo depois, o pai viu a filha caçula abortar um bebê de cinco meses, em decorrência do espancamento que sofreu do marido. E também assistiu ao drama do filho mais velho, que, em função do comodismo da nora, que se recusava a trabalhar e gastava demais, fora internado no hospital com estresse agudo. 
 
Nesse período, a mãe do meu amigo teve câncer. A família era pobre e não possuía plano de saúde. Foi então que o namorado dele conseguiu, no hospital em que trabalhava, que um dos donos, um grande oncologista, atendesse a senhora doente de graça. Quando ela estava no quarto debilitada, era o enfermeiro que seu marido odiava quem cuidava dela com carinho e atenção. Grato pelo carinho e atenção do namorado do filho a sua esposa, hoje o pai do meu amigo diz que a pior coisa não é ter um filho gay: é ter um filho infeliz, que não sabe escolher uma boa pessoa para se relacionar. 
 
Quando há amor genuíno é sempre possível buscar formas de superar as diferenças. Por mais difíceis e dolorosas que pareçam, elas serão sempre menores que o afeto verdadeiro. Porque, no final das contas, o que nos distingue, o que nos torna melhores ou piores, não é o que temos entre as pernas, mas o que trazemos dentro do peito.
 

Comentários

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  • 07.05.2013 14:48 Jorge Luiz Weber

    Oi Fabricia, Um alento para a minha alma. Muito obrigado por mim e, pelo meu querido filho.

  • 15.12.2012 09:00 Pedro Guilherme Marconato

    Bom texto, infelizmente ele não ajuda nem ao gay nem aos pais. Usar o artificio de pessoas hetero serem piores que o determinado gay não muda a situação. O gay pode ser honesto, integro, bom cidadão etc, mas o fato de ser gay fechara portas e aos pais, serão sempre os pais do viadinho...

  • 23.10.2012 13:30 Elissander dos Santos Mendes

    É estranho para mim, vivo na mesma casa que minha mãe, mas, mesmo assim vivemos distantes um do outro. Temos muitas coisas que nos faz viver separados um do outro. Ela não comenta nada, mas mesmo assim sei que minha opção sexual é o principal fator pra que isso aconteça. Depois que ela teve certeza deste fato nosso laço diminuiu ainda mais. Por algumas vezes até tentei, mas é algo que não sei controlar, pois sou muito ignorante e sem paciência, assim como ela. Com isso fica mais difícil ainda. Por muitas vezes ficamos sem nos falar, quando voltamos a conversar nossa relação fica uma maravilha mais isso é ainda pior, por que ficamos por pouco tempo assim, e logo em seguida tudo volta como sempre. Com isso estou sem conversar com ela por um longo período.Não sei se assim é melhor, mas ao menos estou tentando provocar brigas.

  • 11.10.2012 17:03 Luyz Karlos Marin

    Descobri que sou gay aos 60 anos de idade. Sinto tesão por garotões lindos e bem dotados. Tenho 2 filhos. Devo contar a eles ?

  • 15.07.2012 05:07 Carlos Beto

    Texto referência. Parabéns!.

  • 26.06.2012 11:48 Lucas Soares

    Patrícia, achei que seu texto faz uma síntese incrível do olhar homossexual através do olhar heterossexual jamais visto antes. Você foi feliz na escolha de todas as palavras e citações que utilizou no texto, tornando-o de uma leveza e autentencidade ímpares. Parabéns pelo material. um beijo e um abraço!.

  • 20.06.2012 10:24 Rosana

    Maravilhoso texto. Bem, comigo não aconteceu nada disso! mãe sempre sabe, mas procura se enganar. Sei lá! a família passou por um período de preparação, (para aceitar a ideia), mas no final aceitou. Hoje meu filho se relaciona melhor com a família e o seu namorado é muito querido. Nós o chamamos de fofo. É o meu segundo filho.

  • 14.06.2012 04:59 KiDITrgIzrRiWn

    Lamento, mas este meu comente1rio diz repteiso ao 'log' anterior -'especialista', 12 setembro. Devo ter saltado sem dar por isso. Gostaria que o publicasse no 'seu' contexto. Muito obrigada.

  • 11.06.2012 10:06 Marly Ferreira Dejane

    Parabéns fabrícia por pesquisar e levar ao público elucidações e questionamentos tão importantes e necessários aos pais e a sociedade em geral que por ignorância discrimina tudo que acha diferente. aos pais o que digo sempre sobre a homossexualidade é que amem seus filhos e os apoiem sempre sobre as suas escolhas, como esta que é uma opção tão difícil por ser discriminada, então eles não a escolheriam se não estivesse nas suas almas e admire-os por se respeitarem e serem fiéis aos seus sentimentos e serem tão fortes e corajosos de se assumirem principalmente perante aos pais e aos amigos. o apoio dos pais é fundamental para o filho que necessita de aceitação para seu equilíbrio na vida. .

  • 31.05.2012 10:57 Angie

    Fantástico o texto. Parabéns pela escolha do tema e pela iniciativa em falar abertamente sobre um assunto que ainda é tabu na nossa sociedade.

  • 31.05.2012 09:39 marli franco

    Amei o texto. Fico triste sabendo q tantos homossexuais estão sofrendo por serem assim. Mas ser assim é normal. Tenho vontade de acolher a todos. São seres humanos. Pessoas normais q precisam da compreensão das pessoas. Dos familiares. Precisam viver. E com essa angustia de esconder acabam vivendo sufocados. Q vida é essa.

  • 31.05.2012 09:38 marli franco

    Amei o texto. Fico triste sabendo q tantos homossexuais estão sofrendo por serem assim. Mas ser assim é normal. Tenho vontade de acolher a todos. São seres humanos. Pessoas normais q precisam da compreensão das pessoas. Dos familiares. Precisam viver. E com essa angustia de esconder acabam vivendo sufocados. Q vida é essa.

  • 30.05.2012 08:43 Joana dArc Campos

    Maravilhoso a vida é como ela é sem preconceito.

  • 30.05.2012 11:59 75%Jesus

    Olha o comentário da maria lúcia: "mil vezes filhos gay, que viciados ou bandidos". Ou seja: já que não são heterossexuais, pelo menos não são viciados ou bandidos.

  • 30.05.2012 09:20 Marina

    Olá, gostaria de te parabenizar pelo texto maravilhoso! essa é uma realidade que eu vivo em casa, uma vez que meu pai não me aceitou nem à minha companheira. Infelizmente, no momento, eu vivo uma realidade dupla, onde eu só posso ser quem realmente sou fora da minha casa. E mais ou menos, até, porque sou católica e na igreja as coisas não são muito diferentes. As pessoas acham que somos menos filhos de deus, menos honestos, menos católicos, menos filhos, mas na verdade, somos menos hipócritas, tentando viver honestamente e não promiscuamente. quem sabe um dia possamos chegar a uma realidade diferente, em que realmente vai importar somente o que temos dentro do peito. espero que seu texto realmente chegue aos pais!.

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