Carla Lacerda
Goiânia - Getúlio esteve lá. Provavelmente, sua última aparição pública no Jockey Club de São Paulo (JCSP). O ano, 1954; o mês, janeiro – em agosto, o ex-presidente do Brasil “sairia da vida para entrar na história”. Mas...ainda no começo daqueles 365 dias, o rescaldo era de comemorações: réveillon e, em 24 de janeiro, o aniversário de 400 anos da cidade de São Paulo, oportunidade também em que as instalações do hipódromo em Cidade Jardim foram reinauguradas. Getúlio Vargas esteve lá. Mas isso é só um detalhe.
Nosso protagonista na coluna de hoje é o arquiteto francês Henri Sajous, o autor das intervenções que legitimaram o poderio econômico dos sócios do Jockey Club. Assim como Elisário Bahiana, o carioca que projetou primeiramente a nova sede, Sajous também era adepto da corrente Art Déco. Porém a linha de trabalho, possivelmente em razão de sua naturalidade e de sua formação artística francesa, era muito diferente.
Na escola de Sajous, glamour, requinte e sofisticação andavam de mãos dadas e não eram considerados redundância. Ele se inspirava na vertente neoclássica do Art Déco. Há, inclusive, uma construção que pode até ter servido como modelo para o arquiteto: o Palais Chaillot (Palácio de Exposição), que fica em Paris, e que foi reinaugurado também, mas um tempo antes do JCSP, em 1937. As aproximações estilísticas são encontradas em elementos construtivos como as pilastras, os grandes caixilhos de ferro, o frontão encurvado e as figuras escultóricas.
A pesquisadora Francine Trevisan Mancine faz um recorte da vida de Sajous entre 1930 e 1959 em sua dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP). No
trabalho são pontuadas as modificações feitas pelo francês no projeto original de Bahiana.

Esquadrias substituídas, revestimento em travertino italiano das empenas externas, com elementos estilizados, cozinhas reformadas e ampliadas foram alguns dos serviços realizados. “O salão social recebeu uma decoração suntuosa, com detalhes em gesso e piso ornamentado com inspiração no Palácio de Versalhes, além de um painel em laca da China”, descreve Mancine. “A entrada principal do clube foi refeita aos moldes de uma passarela em pé-direito duplo, protegida com amplas esquadrias de metal e vidro”, continua.
As intervenções foram tão marcantes que a dupla Jockey Club e Sajous pautaram, várias vezes, uma das principais revistas de arquitetura da época, a Acrópole. E não dá para deixar de mencionar que, para Sajous, “o trabalho de artesão é parte integrante da concepção do edifício”, como bem observa Mancine. Tanto que ele fez questão de encomendar altos-relevos e outras peças produzidas pelo escultor ítalo-brasileiro Victor Brecheret,
como já mostramos na coluna algumas edições atrás.

Edição da Revista Acrópole (1954) destaca grandiosidade
das cozinhas do Jockey Club de SP (Foto: Reprodução)
Iniciada em 1946, a reforma comandada pelo arquiteto francês foi entregue em 24 de janeiro de 1954. É essa a versão que passa atualmente por obras de restauro, comandadas pela Organização Social (OS) Elysium Sociedade Cultural. Os recursos captados junto ao Ministério do Turismo, por meio da Secretaria Especial da Cultura, totalizam mais de R$ 10 milhões e subsidiam seis etapas. A primeira foi concluída no final de 2020.