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Sobre o Colunista
José Abrão
José Abrão é jornalista e mestre em Performances Culturais pela Faculdade de Ciências Sociais da UFG / atendimento@aredacao.com.br
(Foto: divulgação)Concluí nesta semana a leitura da Trilogia Lembrança da Terra do Passado, de Cixin Liu. Seus livros - O Problema dos Três Corpos, A Floresta Sombria e O Fim da Morte têm causado um grande burburinho desde que foram lançados, sendo considerados a melhor e mais importante obra de ficção-científica contemporânea. O trabalho também foi repetidamente comprado à Trilogia da Fundação, de Isaac Asimov, livros que, por sua vez, Liu admitiu terem sido a principal inspiração para o seu trabalho.
Depois de matutar alguns dias, sou obrigado a concordar: os livros de Liu são leitura obrigatória. Assim como os livros de Asimov - e não apenas Fundação - , seus méritos estão no tema e no panorama geral que ele constrói com suas histórias, e não exatamente em seus personagens e na narrativa em si.
A trama acompanha mais de 300 anos da história humana, pouco tempo tanto no grande esquema das coisas quanto em comparação, outra vez, às transições milenares presentes nas obras de grandes nomes do gênero, como Clarke, Herbert ou o próprio Asimov. E começa de forma brutal: com execuções públicas e injustas durante a Revolução Cultural chinesa.
Esqueci de mencionar este detalhe: Liu é chinês e foi o primeiro asiático a vencer o prêmio Hugo, um dos mais prestigiosos da ficção-científica mundial. Considerado hard science, sua trilogia está mais preocupada em levantar questionamentos e fazer reflexões sobre a condição humana do que em contar uma história. E o resultado é fenomenal.
É difícil falar sobre os livros sem dar spoilers, então recorrerei à casuística. Asimov, de novo, disse várias vezes em entrevistas que Fundação foi inspirado na queda do Império Romano. Ele se dizia fascinado pela ideia de uma civilização que foi a mais poderosa do mundo em um dado momento apenas para ser erradicada no seguinte. Ou melhor, conforme ele mesmo refletiu, transformada: a queda do Império Romano não foi realmente uma queda, mas o pontapé inicial de uma série de eventos que reverberaram pelo mundo todo.
A trilogia de Liu trabalha com uma ideia semelhante e o começo sangrento na Revolução Cultural não é um acaso. Os três livros refletem principalmente sobre a capacidade humana de recomeçar e do recomeço como progresso: como as coisas surgem, atingem um ápice, pioram, acabam e então se tornam outra coisa, inteiramente diferente daquilo que era no começo.
É até mesmo possível notar, mesmo que de forma sutil, tal reflexão sobre a própria China: por séculos um reino fragmentado em conflito; então, o maior e mais avançado Império da Ásia; depois, o país mais pobre do mundo após a Segunda Guerra Mundial; hoje, a maior economia do mundo, prestes a ultrapassar os EUA. O mesmo país, o mesmo povo, em séculos, vivenciando realidades completamente diferentes.
Há algo poderosíssimo intrínseco nesta obra de Liu que vale a leitura e que apresenta, de forma inesperada, uma reflexão muito importante sobre o que é ser humano em uma época tão conturbada, incerta e recheada de questionamentos sobre o futuro.