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José Abrão
José Abrão

José Abrão é jornalista e mestre em Performances Culturais pela Faculdade de Ciências Sociais da UFG / atendimento@aredacao.com.br

Meia Palavra

Desterro

| 10.01.23 - 10:50 A velhice é um desterro. Fui visitar meu avô. Dele tenho o nome, os traços e o nariz. Nosso sangue veio do Líbano. Com uma audiência diferente, pensei que se daria a contar seus casos. Meu avô tem uma década favorita: os anos 1950.
 
Sempre contou muito sobre como viajou pelo oco do mundo na boleia de caminhões Ford caindo aos pedaços, assim como do seu maior feito: a construção da Belém-Brasília, sobre ter conhecido JK e Bernardo Sayão e sobre ter sido o primeiro a entrar de jipe na capital paraense ao lado do irmão, Gaúcho, que de gaúcho tinha nada.
 
Mas dessa vez, não foi disso que ouvi meu avô falar. Em voz baixa e frases desconexas, ele falou de dias de abandono e sobre o deserto de ser sozinho, mesmo rodeado de gente.
 
Falou sobre morar em um mundo que não é dele, lugares, pessoas, que ele não reconhece. Seu passaporte traz o carimbo indelével de um país ao qual não pode regressar: o passado.
 
Seu passatempo é assistir canais de notícia na tv. E é tudo estranho. Tão estranho. Poderia ser um canal gringo. Falam do Tocantins mas no seu país do passado Tocantins não há. Os idos da sua separação nos anos 80 parecem recentes, tão recentes. Já resolveram aquela história do césio?
 
Meu avô se senta no alpendre para tomar uma fresca e reclama do corpo que o traiu, a pele que já não lhe serve, a carne que não é mais dele, o rosto que não é seu o encarando de volta pelo espelho.
 
Foi mecânico até depois dos 70. Se orgulhava de saber montar e desmontar um carro inteiro, mas estes carros deste seu novo país de exílio também são outros carros.
 
E dormir dói, é incômodo, mas ficar acordado é tedioso e é um negócio de ir ao banheiro o tempo todo, três, quatro vezes por noite. Um inconveniente.
 
E neste desterro há ainda que tolerar os estrangeiros: esses estranhos netos, bisnetos, que falam coisas sem sentido, se vestem sem sentido. Seus aparelhos são incoerentes, até o que comem é esquisito. Parecem alienígenas de filme antigo branco e preto que ele via lá no Centro vez ou outra.
 
Sem saber falar aquele idioma, se cala. E questiona: o alienígena sou eu?

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