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José Abrão
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José Abrão é jornalista e mestre em Performances Culturais pela Faculdade de Ciências Sociais da UFG / atendimento@aredacao.com.br

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'Oppenheimer' é filmão, mas evita revelar os horrores da bomba

| 26.07.23 - 09:16 'Oppenheimer' é filmão, mas evita revelar os horrores da bomba (Foto: divulgação)Finalmente chegou ao cinema Oppenheimer, novo longa de Christopher Nolan sobre a vida do físico J. Robert Oppenheimer, “inventor” da bomba atômica, livremente inspirado na biografia American Prometheus, de Kai Bird e Martin J. Sherwin. Boto entre aspas porque o próprio filme deixa claro, apesar do protagonismo de ‘Oppie’, como era chamado por amigos,  como o projeto Manhattan e os testes em Los Alamos sugaram o tempo, a energia e a saúde de centenas de pessoas.
 
Ao longo de suas três horas de duração, Oppenheimer tenta contar e ser muitas coisas. Os maneirismos de Nolan retornam com força, com flashes e entradas da trilha sonora de forma invasiva, repentina e constante. O tom grandiloquente do diretor está presente em quase todas as cenas, muitas delas recheadas de escaladas que raramente são recompensadas. Enfim, o filme está impregnado com o estilo marcante do diretor e ele parece querer deixar isto muito claro.
 
Por outro lado, parece haver um esforço consciente por parte de Nolan de se afastar da receita de bolo mais do que se espera de uma cinebiografia. O dramalhão e o melodrama como um todo são evitados: a personalidade hermética e as numerosas falhas de caráter do personagem título são constantemente evidenciadas (mulherengo, narcisista, hipócrita). A narrativa é fragmentada e contada fora de ordem, saltando constantemente entre diferentes fases da vida do físico: a juventude, a vida após a bomba e o desenvolvimento da bomba. É possível notar alguns paralelos estéticos pequenos e temáticos em relação a outra cinebiografia sobre a época: O Jogo da Imitação, também abordando um grande cientista visto como herói durante a guerra apenas para cair em desgraça e ser perseguido logo depois.
 
Nolan também tenta ser visualmente mais experimental, no que seriam suas investidas menos sutis: visões e outras intervenções que são esteticamente instigantes, mas meio cafonas. Dito isso, destaca-se, naturalmente, o elenco. Não digo só Cillian Murphy, Emily Blunt, Florence Pugh, Matt Damon e Robert Downey Jr, que estão nos papéis principais, mas todo mundo: o filme é recheado, quase constantemente, por nomes enormes do cinema fazendo pontas e papéis minúsculos (e ainda assim todos mandam bem), quase uma forma de Nolan esbanjar os seus contatos hollywoodianos.
 
Outro destaque fica para Ludwig Göransson, responsável por uma trilha sonora excepcional e assombrosa que invade, perturba e incomoda a maioria das cenas. O compositor, conhecido pelas trilhas da franquia Creed e pela maravilhosa trilha de The Mandalorian, rapidamente se destaca como um dos grandes a se prestar atenção: uma premiação é inevitável. Aliás, temos oficialmente o primeiro “Oscar bait” do ano. Apesar de disfarçar, Nolan claramente está de olho em várias estatuetas: direção, filme, trilha, fotografia, e, claro, melhores atores. Sua abordagem não convencional tenta disfarçar suas pretensões, mas não bem o suficiente.
 
A principal crítica é que, ao tentar evitar o melodrama, a narrativa pós-bomba parece mutada, o que não é bom. O filme tenta constrastar o arroubo de patriotismo dos americanos com a reação pessoal de trauma e arrependimento de Oppenheimer, mas isso não é o suficiente. O filme não mostra o horror e a destruição da bomba. Não ilustra com riqueza o grau de medo e paranoia que ela irradiou pelas décadas seguintes. Para nós que já crescemos mais de 50 anos depois, o fantasma da bomba e seu impacto psicológico já não foram sentidos como então, e o filme não consegue transmitir isso.

Essa parte é sutil, e não devia ser: na minha visão, o patriotismo e mesmo o chauvinismo americano da época são ilustrados em algumas cenas chave, mas nada parece se opor a isso com força necessária o suficiente para ser notada pelo público: especialmente pelo público americano, muitas vezes já dado a sentimentos de excepcionalismo.

Comentários

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  • 28.07.2023 08:01 Luísa Gomes

    Ótima crítica. Senti o mesmo incômodo. Parece que o diretor deixou o próprio filme ser à semelhança do personagem: arrependido pero no mucho. Mas é um filmão hehe

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José Abrão é jornalista e mestre em Performances Culturais pela Faculdade de Ciências Sociais da UFG / atendimento@aredacao.com.br

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