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Pedro Novaes
Pedro Novaes

Diretor de Cinema e Cientista Ambiental. Sócio da Sertão Filmes. Doutorando em Ciências Ambientais pela UFG. / pedro@sertaofilmes.com

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O Horror do Poder sem Limites

| 31.10.23 - 15:19 O Horror do Poder sem Limites Foto: David G. Silvers/Wikimedia

Liberdade de expressão é aquele direito cuja importância a gente só entende quando falta. Só isso explica nosso desdém pela situação de Julian Assange.
 
Editor-chefe do Wikileaks, o australiano Assange foi responsável pelo maior vazamento de dados sigilosos do governo americano na história, envolvendo documentos sobre a Guerra do Iraque, a Prisão de Guantánamo e comunicados de embaixadas no mundo todo. Informações preciosas que trouxeram à luz ações ilegais e mentiras dos Estados Unidos e seus aliados, incluindo um ataque a civis e jornalistas no Iraque, as torturas após o 11 de setembro, detenções e extrações ilegais de prisioneiros, entre outras.
 
A perseguição e a prisão de Assange revelam todo o lado sombrio dos governos e sua falta de escrúpulos não apenas para silenciar Assange, mas para fazer de seu caso uma ameaça velada a jornalistas e whistleblowers em todo o mundo.
 
Assange está preso na Inglaterra, numa cadeia de segurança máxima, há mais de dois anos, sem que haja uma condenação contra ele. E essa é apenas a etapa atual de uma sequência de absurdos jurídicos e políticos que deixam entrever os riscos do poder estatal opaco à luz da opinião pública. Por isso, voltemos no tempo para resgatar sua via crucis.
 
Em 2010, o Wikileaks publicou uma série de documentos sigilosos do governo dos EUA vazados por Chelsea Manning, analista de inteligência do Exército Americano, posteriormente condenada a 35 anos de prisão depois de ser presa e torturada na Base de Quantico, na Virgínia. Em 2016, Manning recebeu perdão presidencial de Barack Obama - cujo governo a condenara e iniciara a perseguição a Assange - e foi finalmente posta em liberdade em 2017.
 
Ainda em 2010, surgiu na Suécia uma acusação de estupro contra Assange, posteriormente arquivada, em 2017, por falta de provas. Ele negou as acusações e se entregou à polícia londrina, pois sabia que, se pisasse em solo sueco, seria extraditado para os EUA. 
 
Em 2012, entretanto, sem sucesso na contestação do pedido de extradição na Inglaterra, decidiu violar os termos da liberdade condicional que obtivera na justiça britânica e buscar asilo na Embaixada do Equador em Londres, onde permaneceu até 2019. Com a saída de Rafael Correa da presidência equatoriana e a posse de Lenín Moreno, que se reaproximou dos EUA, o Equador revogou seu asilo político e autorizou que a Polícia Metropolitana de Londres o prendesse na própria embaixada.
 
Julgado pela violação dos termos de sua liberdade condicional em 2012, Assange foi condenado a 50 semanas e encarcerado no Presídio de Segurança Máxima de Belmarsh. Essa pena terminou de ser cumprida ainda em 2020. Julian Assange está, portanto, preso há mais de dois anos sem qualquer condenação. Na prática, entre o asilo na Embaixada e o tempo na prisão, ele já está encarcerado há quase 12 anos, num processo que foi comparado à tortura por Nils Melzer, o relator especial da ONU para a tortura.
 
Os Estados Unidos seguem tentando sua extradição, que foi inicialmente negada, em 2021, pela justiça britânica, em função da deterioração do estado mental de Assange e do risco de que ele viesse a cometer suicídio em uma prisão americana. Nas palavras da juíza responsável: "A impressão geral é de um homem deprimido e às vezes desesperado, temeroso por seu futuro."
 
Se extraditado, as acusações que pesam sobre Julian nos EUA podem levar a uma pena de 175 anos de prisão.
 
Na palavras da jornalista Natália Viana, da Agência Pública, "é um abuso de poder inacreditável e transnacional, envolvendo pelo menos quatro países para destruir um ser humano."
 
Vale lembrar, nesse sentido, que o presidente Lula, em seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU, no último mês de setembro, defendeu Assange, dizendo que um "profissional não pode ser punido por informar a sociedade de maneira transparente". Ele não se manifestou, entretanto, em relação à carta, com mais de 2,5 mil assinaturas encabeçada pela SBPC, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, pedindo que o Brasil conceda asilo ao jornalista.
 
Se Bolsonaro não pode concluir seus intentos autoritários foi, em larga medida, graças à relativa solidez da liberdade de expressão em nosso país e à existência de uma imprensa livre. Não foram poucos, entretanto, os jornalistas e comunicadores que pagaram alto preço - perseguição, ameaças, danos à saúde mental - por suas perguntas, críticas e denúncias. Há duas semanas, foi revelado o monitoramento ilegal pela ABIN, a Agência Brasileira de Inteligência, de adversários do governo Bolsonaro, incluindo políticos, jornalistas e funcionários públicos. Quando a liberdade de expressão é ameaçada, as sombras se espalham.
 
Sou de uma geração que cresceu sob as luzes trazidas pela Constituição de 1988. Talvez encaremos com excessivo descuido a liberdade de expressão que ela nos deu, como se fosse um componente natural de toda e qualquer vida política. Mas, como explicava, com sabedoria, o saudoso jurista Dalmo Dallari, falecido no ano passado, nós ganhamos muito com a Constituição de 1988, mas há forças poderosas no Brasil que saíram perdendo, em função da condição política única daquele momento. Essas forças não desapareceram com a promulgação da Carta Magna. Elas apenas se recolheram às sombras e estão sempre aí à espreita esperando a hora de ressurgir à luz do dia.
 
A lenta destruição de Julian Assange nos deixa entrever o horror do poder não confrontado e o quanto a liberdade de expressão é danosa para seus intentos totalitários.

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