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Pedro Novaes
Pedro Novaes

Diretor de Cinema e Cientista Ambiental. Sócio da Sertão Filmes. Doutorando em Ciências Ambientais pela UFG. / pedro@sertaofilmes.com

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O fantasma da antipolítica

| 11.06.24 - 08:21 O fantasma da antipolítica Manifestantes ocuparam o Congresso Nacional em 2013 (Foto: reprodução/Mídia Ninja)
É muito comum ouvir o clichê que compara políticos a ratos. Não raro, ele se faz seguir por outro clichê associado que diz que os ratos não merecem tal comparação.
 
O paralelo é evidentemente compreensível, e não de todo inadequado, mas a cada vez que pessoas bem intencionadas generalizam esse tipo de desvalorização absoluta da política, corremos mais risco de escancarar as portas para o autoritarismo.
 
O Brasil é de fato um país tremendamente corrupto, onde, em larga medida, uma classe política da pior qualidade se sustenta às custas da manutenção de enorme pobreza e desigualdade. Não logramos superar o legado do genocídio indígena e da escravidão e seguimos uma sociedade de homens e mulheres cordiais, no sentido mal compreendido do conceito de Sérgio Buarque de Holanda - somos um país sem esfera pública verdadeira, onde todas as relações se regem pelos afetos e por interesses de ordem privada.
 
Todavia, parece necessário recuperar algum nível de sutileza e complexidade em nossa maneira de olharmos para a política sob pena de jogarmos fora o bebê com a água da bacia.
 
Um dos aspectos mais complicados da democracia reside em ser um sistema político forjado contra o primado dos ideais. Sua engenharia sutil tem por objetivo justamente evitar que, em nome de ideais, minorias venham a ser oprimidas pelas maiorias. Por isso, ela se sustenta sobre um conjunto pequeno de princípios erigidos para estabelecer limites ao poder da maioria e do Estado por ela controlado. Essas barreiras são o direito inalienável de todo indivíduo de não sofrer ameaça ou violência, o direito à  liberdade de expressão, à privacidade, ao voto e à igualdade perante a lei.
 
A democracia não estabelece um ponto de chegada, não tem metas futuras a serem atingidas e não se funda em utopias. Ela é apenas um meio - que a história mostrou ser o mais eficiente - para chegarmos mais próximos de fins desejados como justiça, igualdade econômica, desenvolvimento, felicidade e bem comum.
 
Reconhecidamente, vivemos uma crise das democracias em todo o mundo, e essa crise se enraiza na insatisfação de boa parte dos cidadãos em relação a "suas promessas não cumpridas", como se tornou comum dizer. A persistência das desigualdades, o acúmulo desproporcional de riquezas e especialmente a chaga da corrupção levam as pessoas a questionarem a eficácia do sistema político. Além disso, quanto mais nos afastamos no tempo de experiências autoritárias que evidenciaram os problemas de outros tipos de solução, mais as novas gerações tendem a atenuar seus efeitos nocivos.
 
Nesse contexto, duas observações parecem relevantes. Em primeiro lugar, toda a evidência das Ciências Sociais, e sobretudo da Economia do Desenvolvimento e das Instituições, mostra que o foco no combate à corrupção não é a maneira mais eficaz para melhorar a qualidade da gestão e do gasto público e promover desenvolvimento. 
 
Evidentemente, a corrupção deve ser combatida, mas  é o aperfeiçoamento dos investimentos em educação, saúde, ciência e tecnologia que promove resultados sociais duradouros e de longo prazo, inclusive na diminuição da corrupção. Isso ocorre porque esses avanços se traduzem em mais cidadania, mais participação política e, consequentemente, em instituições públicas mais transparentes e sólidas. O foco excessivo na corrupção tende, em direção oposta, a solapar as instituições democráticas, torna menos pujante a vida cidadã e retroalimenta a falta de confiança na política em um círculo vicioso de degradação da esfera pública. 
 
Desde 2013, testemunhamos uma dinâmica exatamente dessa natureza no Brasil. A revolta pública com a corrupção abriu caminho para a Operação Lava Jato. Ainda que os métodos altamente questionáveis de seus agentes tenham revelado as entranhas corruptas do sistema político brasileiro, os resultados em termos institucionais e de saúde democrática estão aí para serem vistos. Valeu a pena? 
 
Reitero que a corrupção tem que ser combatida de todas as formas, mas o que testemunhamos, neste momento, depois de todo o desmonte do sistema político promovido pela Operação? 
 
Esse mesmo sistema político, substituídos apenas alguns de seus protagonistas, com renovado vigor, trata de desfazer os poucos avanços reais logrados pela própria Operação, como os acordos de leniência firmados por grandes empresas. Lembrando que tais acordos não foram feitos com base em evidências das investigações, cujos processos poderiam ser questionados, mas a partir de confissões de culpa das próprias empresas.
 
Não obstante, em segundo lugar, cabe sobretudo lembrar que, apesar de todos os problemas, o Brasil caminhou para a frente com a Nova República - e nossos grandes avanços aconteceram por causa da política e da democracia, e não a despeito delas.
 
Há inúmeros exemplos nesse sentido, mas o maior deles é evidentemente o da própria Constituição de 1988. Com todos os seus defeitos, faltas e excessos, nossa Carta Magna foi resultado de um processo vigoroso de diálogo e articulação política - e ela garantiu um amplo conjunto de direitos e avanços republicanos e sociais. 
 
Nasceu ali o Sistema Único de Saúde que, mesmo com todos os problemas e ataques sofridos ao longo do tempo, mostrou seu vigor e importância durante a Pandemia da Covid-19. A Constituição significou também, por exemplo, para os indígenas, a guinada entre o caminho certo do desaparecimento e a gradual possibilidade de manutenção de suas culturas e direitos; seu Capítulo de Meio Ambiente também trouxe princípios abrangentes para a preservação da natureza, que depois desaguaram em outras instituições importantes, como a Lei de Crimes Ambientais e a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, entre outras.
 
O Plano Real, em 1994, que mudou as vidas de todos nós, não foi fruto de nada além de boa política democrática. Desenhado por um conjunto de gestores públicos bem formados e inteligentes, foi negociado com o Congresso por um presidente que ascendera ao Planalto num processo democrático de impeachment do titular da cadeira. O Real pôs fim à inflação que castigava sobretudo os mais pobres, criando uma moeda confiável e sólida após mais de cem anos de uma república eternamente imersa em crises econômicas.
 
Não foi diferente nos oito anos de Governo Lula, com um conjunto amplo de políticas sociais que retirou milhões da pobreza. Foram a eleição de um presidente impulsionada pelo desejo popular de mudanças sociais ainda mais profundas, o conhecimento produzido pelas experiências do PT e partidos aliados em muitas cidades e estados, e a habilidade de Lula para construir politicamente consensos que possibilitaram as mudanças ocorridas. Não foi a vontade de um líder autoritário, não foram utopias aplicadas sobre a realidade. Foi boa política possibilitada por instituições democráticas - com todos os seus defeitos.
 
O furacão da antipolítica que se abateu sobre nós desde 2013, entretanto, teima em não amainar. Não deixa de ser verdade que a classe política plantou essa tempestade e continua, de forma suicida, a alimentá-la. Bolsonaro e os seus são a antipolítica encarnada. Servem-se das sombras da democracia para fazer seus negócios enquanto serram seus pilares.
 
Precisamos de mais política, não menos.
 

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