Estou ouvindo muito Ultraje a Rigor recentemente. Tudo graças às maravilhas da tecnologia. Eu estava fuçando nos aplicativos disponíveis na Apple, quando me deparei com um da banda de Roger Rocha Moreira. É um programinha onde toda discografia dos caras está disponível para audição. Que baita ideia! Abro lá, escolho um disco e deixo rodar. Passei por uma fase Gilberto Gil pelo mesmo motivo. Agora é a vez do Ultraje.
Com essa sequência de audição, me lembrei de algo que já pensava há alguns anos mas nunca havia escrito sobre isso ainda: ninguém entendeu melhor o sexo na música brasileira do que o compositor do Ultraje, Roger. Ele já anunciou sua perspectiva libertária perante o sexo no primeiro disco, Nós vamos invadir sua praia. Na música Independente Futebol Clube, ele já colocava um relacionamento sem compromisso, sem as amarras convencionais. Apesar dessa postura mais avançada, ele mostrava também dilemas nesse mesmo álbum. Em Cíumes, Roger demonstra que a perspectiva comportamental arcaica conflitava com a posição liberal e moderna.
No segundo disco, sua percepção junto ao sexo amadurece e pega uma conotação mais inteligente, mais ousda. O álbum se chama, veja você, Sexo! e a faixa título mostra um discernimento interessante sobre a educação sexual e o falso moralismo envolvendo o assunto no Brasil.
“E não tem nada demais se a gente nasceu com uma vontade que nunca se satisfaz
Verdadeiro perigo na mente dos boçais
(...)
Bom! Vá lá, vai ver que é pelas crianças
Mas quem essa besta pensa que é pra decidir?
Depois aprende por aí que nem eu aprendi
Tão distorcido que é uma sorte eu não ser pervertido”
Mas essa ainda não é a faixa que ele pega na veia. Em Eu gosto de mulher, Roger traduz com perfeição a motivação de um homem comum que levanta cedo, trabalha oito horas, aguenta patrão pé no saco, ganha pouco, sofre no trânsito ou no ônibus: o interesse pelo sexo oposto. A primeira estrofe da música já define tudo:
“Vou te contar o que me faz andar
Se não é por mulher não saio nem do lugar
Eu já não tento nem disfarçar
Que tudo que eu me meto é só pra impressionar”
Me desculpe você que por um acaso se sinta ofendida ou coisa assim, é exatamente isso que todo homem pensa. Repito: todo. Incluso aí seu pai, avô, irmão, namorado, marido e até mesmo amigo gay, mudando só a questão da preferência. Mas a motivação é sempre a mesma. Mais uma vez, perdão por destruir sua ideia de príncipe encantado construída com tantos filmes de princesa da Disney. Alguém precisava fazer isso e eu assumo a responsabilidade do serviço sujo.
No quarto disco de músicas inéditas, chamado Ó!, são mais duas músicas que descrevem a questão sexual sob a perspectiva masculina primorosas: Acontece toda vez que eu fico apaixonado e Ah, seu fosse homem. Na primeira, ele descreve os momentos de bobeira do homem por causa de uma mulher que o encanta. Não tem como não concordar:
“Existe uma parte da anatomia da gente
que os médicos chamam de corpo cavernoso
É um tecido erétil que quando tá cheio de sangue
fica logo visível, fica mais volumoso
Mas parece que o sangue que enche o tal do tecido
vem logo do cérebro que fica um pouco perdido
Nem raciocina mais, o tecido agora é quem dita
e a gente começa agir de forma esquisita
O primeiro sintoma é uma leve bobeira
no momento seguinte cê já tá fazendo besteira”
Contudo, a obra prima da reflexão sobre o sexo de Roger é em Ah, seu fosse homem. Nessa música ele expõe a incapacidade masculina de entender a mulher como alguém que sente desejos sexuais exatamente iguais e de mesma intensidade como o próprio. Essa impossibilidade de compreensão do homem é que gera tantos problemas de relacionamento. A forma como o autor coloca isso é magistral:
“Ah, se eu fosse homem de aguentar que uma mulher é como um homem
e também pensa como um homem e quer sair com outros homens
E apesar de todas as explicações antropológicas,
na prática não tem explicação para o tesão
e aí, meu chapa, cê só pode reclamar pro bispo”.
No último álbum de inéditas do Ultraje, Os Invisíveis, existe mais uma pérola abordando a questão sentimental que é digna de destaque. A música se chama A gente é tudo igual e é uma variação da bela reflexão de Ah, se eu fosse homem:
“De todas as mulheres que eu já tive acho que só duas ou três
Que eu não desejei foi que sumissem logo depois da primeira vez
Será que acontece só comigo, acho que não isso deve ser normal
Eu já perguntei pros meus amigos e eles me confirmaram
Homem é tudo igual!
De todas as mulheres que eu já tive acho que só duas ou três
Que não foram ciscar noutro terreiro nem que fosse só uma vez
Será que acontece só comigo, acho que não isso deve ser normal
Eu já perguntei pros meus amigos e eles me confirmaram
Mulher é tudo igual!”
Não sei para você, mas o que percebo é que ninguém traduziu o sexo com tanta veemência, sinceridade e acuidade de raciocínio do que Roger. Concorda? Caso não, diga aí quem mandou melhor!