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Pedro Novaes
Pedro Novaes

Diretor de Cinema e Cientista Ambiental. Sócio da Sertão Filmes. Doutorando em Ciências Ambientais pela UFG. / pedro@sertaofilmes.com

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Ansiedade humana, serenidade felina

| 12.08.25 - 07:43 Ansiedade humana, serenidade felina Nix e Apolo XI, os dois novos membros da família (Foto: arquivo pessoal)
A família tem dois novos membros: Nix e Apolo XI. As crianças pediam, desde sempre, um cachorro ou um gato. Eu gosto muito de bichos, mas o trabalho, o custo e a responsabilidade nos fizeram resistir durante muitos anos. Não sei bem o que aconteceu. Talvez seja a idade e o gosto cada vez maior por esse lugar estranho que se chama casa — que ganha algo a mais de casa com dois gatinhos para tropeçar.
 
Gosto de cachorros também, mas não tenho paciência pra carência e pra demanda constante. E sempre gostei de gatos, mas, de um tempo para cá, a coisa parece ter virado uma paixão. O feed do meu Instagram basicamente se divide agora entre notícias do Flamengo e vídeos de gatinhos.
 
Outro motivo, penso, pra termos resistido por tanto tempo foi a preguiça diante da verdadeira doença em que se tornou a relação entre seres humanos e animais em geral, especialmente os domésticos.
 
Acho, sim, fundamental o debate ético sobre nossa postura em relação a outros seres vivos. Por mais que tenhamos evoluído ao longo de centenas de milênios caçando e comendo carne, é difícil não ver algo de errado na industrialização da morte de animais. Aliás, considero o argumento moral muito melhor resolvido para a opção pelo vegetarianismo ou pelo veganismo do que o da saúde, altamente controverso e com fortes evidências hoje em favor de uma alimentação com alto teor de proteína animal.
 
No que diz respeito a criar animais de companhia, a humanização dos bichos há muito cruzou uma linha de exageros e deformações. Se a indústria da carne é moralmente questionável, o que dizer da indústria dos pets, num mundo em que mais de 700 milhões de pessoas — quase 10% da humanidade — passam fome? Segundo dados do Euromonitor, o mercado em torno dos animais domésticos movimenta cerca de 200 bilhões de dólares por ano. Esse dinheiro não resolveria toda a fome do planeta, mas daria um bom empurrão. Sem contar o imenso impacto ambiental que a população de cachorros e gatos tem hoje. Só no Brasil, estamos falando de 74 milhões de indivíduos das duas espécies, que consomem, geram dejetos e emitem gases de efeito estufa.
 
Como em tudo na vida, a despeito de nosso desejo por pureza e verdades absolutas, a condição humana nos exige escolhas difíceis e parciais. Afirmações morais categóricas quase sempre servem para disfarçar nosso mal-estar, porque, no fundo, sabemos que as escolhas têm esse preço.
 
Como carne, mas sei que essa escolha contribui para as mudanças climáticas e impõe sofrimento aos animais. Tenho agora dois gatos, mas mesmo assim não me agrada o discurso moral da proteção aos animais, nem sua humanização. Decidi tê-los pelos benefícios pessoais e pela alegria das crianças, mas ciente dos impactos dessa decisão.
 
Acho que, cada vez mais, vejo nos gatos o oposto do que sou e, quem sabe, um antídoto para minha condição ansiosa. Vivo sempre alguns minutos à frente do presente, sinto-me sempre atrasado; as ambições vaidosas e os ideais me puxam para o futuro e me impedem de viver cem por cento o momento. Igualmente, minha preocupação com a autoimagem e o olhar alheio me levam a escolhas erradas, fazem-me fazer coisas que não quero em busca da ilusória aprovação.
 
Os gatos são o contrário de tudo isso. Nix e Apolo XI não têm ambições e não desejam chegar a lugar algum imaginado. Vivem em função de otimizar seu gasto de energia e seu bem-estar. Dormem sempre que podem e buscam nossa companhia quando precisam de água, comida ou conforto. Eles não se preocupam comigo.
 
Acho que quem me convenceu a adotar gatos, no fim das contas, foi o filósofo britânico John Gray que, em seu Filosofia Felina, lembra que “a fonte da filosofia é a ansiedade, e os gatos não sofrem de ansiedade, a menos que sejam ameaçados ou se encontrem num lugar desconhecido. (...) Os gatos não precisam da filosofia. Obedientes à sua natureza, eles se contentam com a vida que esta lhes oferece. (...) a felicidade é seu estado natural, desde que não haja ameaças ao seu bem-estar. Talvez seja essa a razão principal pela qual muitos de nós amam os gatos. Eles detêm o direito inato à felicidade que os humanos geralmente fracassam em sentir.”
 
No fundo, espero, ao admirar Nix e Apolo XI em seu banhos de sol preguiçosos e seus passeios elegantes pela casa, absorver um pouco de sua paz e, quem sabe, aprender a viver mais no presente.
 

Comentários

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  • 12.08.2025 11:56 mara moreira

    Um encanto essa proposta de busca. Encaminhei seu artigo para a Cora Ronai, mãe, melhor amiga e dona de muitos gatos, todos cheios de personalidade. Caminho longo te espera. Vai, aos poucos, se pacientar com Nix e Apolo XI. Aliás, quem escolheu esses nomes?

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