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Fabrícia  Hamu
Fabrícia Hamu

Jornalista formada pela UFG e mestre em Relações Internacionais pela Université de Liège (Bélgica) / fabriciahamu@hotmail.com

Inspiração

Pedaço de mim

| 28.01.13 - 16:40
 
Goiânia - Jovens que perdem a vida sempre comovem muito. Quando a morte acontece numa situação trágica e violenta, como foi o caso do incêndio na boate Kiss, que matou 231 adolescentes em Santa Maria (RS), neste final de semana, o choque parece ser ainda maior. Foram muitos sonhos interrompidos precocemente, de uma única vez. 
 
Sonhos que não pertenciam apenas às vítimas, mas também aos seus familiares. Impossível não pensar nos 462 pais e mães que começaram o dia com a triste notícia de que seus filhos nunca mais voltarão para casa. Quartos vazios, roupas intocadas, fotos congeladas para sempre nas redes sociais. O som ensurdecedor do silêncio. 
 
Não sei como um ser humano pode resistir à perda de um filho. É antinatural, é cruel, é inexplicável. Quanto mais conheço gente que passou por isso, mais me dou conta da minha pequenez e do quanto é preciso ser realmente forte para, como dizia Drummond, ter “os ombros que suportam o mundo”.
 
É o tipo de sofrimento impossível de ser disfarçado ou relativizado. É, como me disse certa vez uma mãe que perdeu o filho com leucemia, “a dor de uma amputação. Você não tem mais aquela perna e aprenderá a caminhar sem ela. Mas a caminhada nunca mais será a mesma e, muitas vezes, o membro que não está lá vai latejar”. 
 
Ou então, como me disse uma mãe há um ano, num encontro que resultou no texto “Para não morrer de amor” (http://www.aredacao.com.br/colunas/8308/fabricia-hamu/para-nao-morrer-de-amor), é a dor sem nome. “Quem perde o marido fica viúva, quem perde a mãe fica órfã. Mas quem perde o filho fica o quê?”, me questionava ela, numa angústia que saltava aos olhos. 
 
Não sei que nome se dá a essa dor. Não sei o quê fazer dela, o que apreender dessa experiência. O que tenho presenciado no convívio com pais e mães que perderam seus filhos é que essa é a maior prova de desapego à qual podemos ser submetidos. Desapego não apenas do ser gerado, amado e acalentado, mas de uma vida que terá de ser completamente ressignificada, reinventada.
 
A dureza da vida que se conhecia até então, as pequenezas que nos faziam sofrer, os aborrecimentos que pareciam tão grandes e intransponíveis tornam-se todos, de repende, pequenos e irrisórios.  Há que se aprender que o amor não se encontra mais do lado de fora, no semblante do filho querido, mas do lado de dentro, no coração onde ele estará para sempre guardado. 
 
É preciso coragem redobrada para entregar à vida o pedaço que ela nos tomou de volta. É necessário ter força extrema para enfrentar a falta mais dolorida que existe, aquela que Chico Buarque cantou nos versos: “Oh, pedaço de mim/ Oh, metade arrancada de mim/ Leva o vulto teu/ Que a saudade é o revés de um parto/ A saudade é arrumar o quarto/ Do filho que já morreu...”.
 
Desde ontem tenho lido muita coisa sobre a tragédia de Santa Maria. Porém, creio que nada me tocou tanto quanto o último parágrafo do texto da repórter Bruna Scirea (http://www.jornaldebeltrao.com.br/geral/daquilo-que-doi-e-deixa-saudade-82367/), que estava no plantão do jornal Zero Hora quando a boate pegou fogo. “(...) Depois de mais de oito horas de cobertura, de adrenalina saindo pelos poros, um tweet vindo do colega Mauro Saraiva Jr., do Grupo RBS, arrancou o que restava de mim. O choro foi inevitável ao ler que um bombeiro apanhou um daqueles celulares que tremiam no chão. O aparelho registrava 104 chamadas. Na tela: MÃE.” 

Comentários

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  • 29.01.2013 17:51 Carla Cristina de Araújo

    Há mais de dois anos, minha vizinha e eu estavamos conversando sobre isto, a dor de perder um filho então ela me perguntou: quando se perde a mãe, fica orfã, marido morre você fica viuva e quando se perde um filho não tem nome né? Respondi - é não tem nome. Passado alguns dias ela perdeu um filho vitima de acidente de carro e, quando a encontrei e me aproximei para abraçá-la ela se lembrou e disse: é Carla você falou essa dor não tem nome. Posso testemunhar o quanto essa dor é imensurável.

  • 29.01.2013 17:24 Márcia Gomes

    Realmente é uma dor que não tem nome... É INSUPORTÁVEL!!! chorei viu menina jornalista goiana que até deve ser amiga de meu filho Felipie Furtado ou de minha nora Bárbara Lauria... que dor, que dorrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr

  • 29.01.2013 16:25 Eucione Maria de Oliveira

    Não tem comentários...Só tem dor na alma de MÃE!!!

  • 28.01.2013 21:59 Bia

    Tristeza!

  • 28.01.2013 19:59 Ednair Santana de Barros

    Excelente texto. Não sou mãe, não tenho pai e meu companheiro desencarnou há seis anos. Uma das minhas irmãs teve o desencarne de forma trágica. Quando vejo os olhos de minha mãezinha mirando o infinito todos os dias, fico a imaginar a dor daquele momento que se estende desde o ano de 1995, até os dias de hoje.Não há um só dia que ela não se lembre de minha saudosa maninha e a Dona Hosana ( minha mãe) diz: essa dor minha filha, a gente não sabe definir. é mesmo uma dor "sem nome". Fiquei emocionada com a narrativa, a condução, citações e sobretudo,com sua sensibilidade sem se deixar cair no "pieguismo". Parabéns!

  • 28.01.2013 18:08 Hellen Cristina

    O primeiro de todos os textos e reflexões que li e que acho que vale a pena compartilhar. Os outros são melodramáticos ou de uma revolta sem tamanho. Parabéns!

  • 28.01.2013 17:36 Cássia

    Realmente, Fabrícia. 104 chamadas. Na tela: Mãe. A síntese do desespero e da dor. Que o Brasil aprenda alguma coisa com uma tragédia dessas: mais responsabilidade com a vida, a lembrança de que o lucro não vem em primeiro lugar, não pode vir acima do cuidado com a vida.

  • 28.01.2013 17:20 ADRIANA S BORGES

    Doído, triste, foge ao entendimento da gente. Lindo texto, Fabricia!

  • 28.01.2013 17:09 Ana Cléia Souza

    Parabéns! Sempre é muito bom ler os seus textos, concordo plenamente com as suas palavras, não dá pra mensurar a perda de um filho.

  • 28.01.2013 17:08 Nádia Junqueira

    Já li esse trecho que encerra seu texto pelo menos cinco vezes hoje. E me arrepio e dá um nó na garganta toda vez que leio. Sinto a angústia. Eu também não consigo entender como pais superam morte de filhos. De tão anti-natural e doído, como a moça do seu texto disse, não há nem nome para quem perde os filhos. Lindo, Fabrícia. Beijo!

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Fabrícia Hamu

Jornalista formada pela UFG e mestre em Relações Internacionais pela Université de Liège (Bélgica) / fabriciahamu@hotmail.com

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