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Pedro Novaes
Pedro Novaes

Diretor de Cinema e Cientista Ambiental. Sócio da Sertão Filmes. Doutorando em Ciências Ambientais pela UFG. / pedro@sertaofilmes.com

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O pacto da piscina gelada

| 07.10.25 - 08:17 O pacto da piscina gelada (Foto: Thomas Park, Unsplash)
 
Voltei a nadar depois de muitos anos distante das piscinas. Sempre fiz muita atividade física, mas não posso dizer que gosto. Já corri provas de longa distância, competi em natação, fiz longas pedaladas, joguei futebol, tentei também o tênis e escalei. A sensação é quase sempre a mesma: a vida é uma luta ingrata contra o corpo — e a atividade física, uma tentativa inglória de submetê-lo. 
 
Afinal, qual é a grande fonte de nossas angústias, se não o corpo? 
 
É ele a fonte de desejos que não entendemos e nos assustam, o lugar da dor que apavora, o objeto do julgamento do olhar alheio, a evidência cotidiana de que, a qualquer momento, encerraremos nossa viagem estranha por este planeta. E, por isso, é preciso fazer esporte — pra ter saúde, pra ver se o corpo não nos sacaneia tão cedo. Desconfio, que, no fundo, o que nos impele à atividade física é a vontade de nos vingarmos desse parceiro traiçoeiro que é o corpo.
 
Pular na piscina fria antes das sete da manhã e passar uma hora me submetendo à sensação de que o fôlego vai faltar e vou me afogar na próxima virada não parece vir de uma motivação saudável — e, no entanto, quando você ler essa coluna, eu terei, mais uma vez, passado voluntariamente por essa tortura.
 
Não venha me dizer que, quando acaba, a sensação é maravilhosa — exatamente: quando acaba. Nessa hora, o alívio pelo fim misturado à hiperoxigenação do cérebro produz uma sensação que deve ser parecida com a da heroína ou da morfina, de leveza e desconexão com o mundo — mas isso dura menos de cinco minutos.
 
Essa busca por submissão e superação do corpo, ainda que efêmeras, não é uma invenção moderna. Theodore Roosevelt, um político conhecido pela "diplomacia do porrete", transformou essa convicção em uma doutrina pessoal para lidar com grandes derrotas. Foi assim quando perdeu, em 1884, no mesmo dia, a mãe e a primeira mulher.  Buscou então refúgio na vida da fronteira, tocando gado e perseguindo bandidos; ou, em 1909, após deixar seu segundo mandato como presidente, quando partiu para uma longa expedição à África; ou ainda em 1914, depois de perder as eleições como candidato independente e se juntar ao Marechal Rondon na expedição pelo então desconhecido Rio da Dúvida — hoje, Rio Roosevelt.
 
Havia, claro, nessas empreitadas quase suicidas, um ideal de macheza e a busca por juntar os cacos de um enorme ego despedaçado. Mas o que é a macheza se não exatamente uma luta contra um corpo que teima em se mostrar fraco e frágil?
 
O robusto Roosevelt, aliás, sobreviveu por pouco à malária e a uma infecção na perna durante os 60 dias de descida do então desconhecido afluente do Rio Aripuanã, nos estados atuais de Rondônia, Mato Grosso e Amazonas. Em contrapartida, o franzino e diminuto Rondon nunca pareceu afetado pelos desafios físicos, pela falta de comida e pela ameaça constante de ataques dos temidos Cinta-Larga. 
 
Do americano, a expedição cobrou um alto preço. Até sua morte, pouco menos de cinco anos depois, a saúde nunca mais foi a mesma. Ele se referia aos problemas e sintomas que nunca mais o abandonaram como “meu velho problema brasileiro”.
 
Talvez, no fundo, minha motivação não seja então muito diferente daquela do Legendário que se lança ao Cerrado já não tão selvagem assim de Goiás e tolera humilhações e privações, durante o sábado e o domingo, em busca da masculinidade perdida. Só ainda não encontrei, nas minhas manhãs de terça e quinta no clube dos servidores da Caixa, aquele tipo de epifania que leva às lágrimas.
 
Mas é a renovação cotidiana de um pacto só meu e dele — a cada dia, acordo e digo: “se você me prometer que não morre, vou lá e pulo na água gelada”.
 

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