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José Abrão
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José Abrão é jornalista e mestre em Performances Culturais pela Faculdade de Ciências Sociais da UFG / atendimento@aredacao.com.br

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‘O Agente Secreto’ destaca falta de memória do brasileiro

| 10.11.25 - 08:56 ‘O Agente Secreto’ destaca falta de memória do brasileiro Wagner Moura em "O Agente Secreto" (Foto: divulgação)O Agente Secreto é assim como o Brasil que ele representa: desigual, meio desconjuntado, mas ainda assim dotado de um charme cativante. Há o que gostar e o que desgostar no novo longa de Kleber Mendonça Filho quase em igual medida e muito pouco pode se dizer sem entregar muito da obra. O que é um problema: não porque ela tem muito o que contar, exatamente o contrário.
 
Mas vamos primeiro aos bons. Wagner Moura, sem surpresa, é a atuação mais forte do filme vivendo o assombrado Marcelo, um homem misterioso e perseguido que retorna ao Recife dos anos 1970 com um único objetivo: ir embora. O humor do filme, embora não case com o tom sério que a narrativa tenta adotar, também é muito bom e diverte, quebrando a tensão em vários momentos.
 
As cenas de ação e perseguição também são fortes, tensas e bem filmadas, estouros catárticos bem dosados em meio ao clima de gato e rato que o filme tenta manter. Mas o destaque principal, sem dúvida, está na direção de arte e cenografia: o Recife dos anos 1970 é impressionante, com uma caracterização impecável e cenas ousadas que misturam realidade, CGI e muito trabalho. Há várias cenas abertas no movimentado centro da capital pernambucana, cheia de gente e carros na rua, uma trabalheira danada que enche os olhos.
 
A centralidade do filme na verdade gira ao redor da memória, como faz Ainda Estou Aqui. Há um diálogo temático entre os filmes, também aproximados por sua repercussão internacional e burburinho. Se em Ainda Estou Aqui há uma luta pela preservação da memória, da verdade dos fatos, O Agente Secreto opta pelo caminho sombrio do esquecimento, o que é a escolha mais ousada do filme, que arrisca muito pouco ou quase nada nos demais frontes que enfrenta narrativamente.
 
A forma como esse esquecimento é trabalhado é a parte mais interessante do filme: desde o princípio, a própria audiência tem pouca informação sobre a história que só vai ficando mais esburacada conforme avança. O terceiro ato não traz um desenlace, respostas, esclarecimentos, resoluções: a memória, a verdade, a justiça, fica tudo apagado pelo tempo. A indignação da audiência por não ter as respostas que queria reflete a injustiça de quem viveu e vive esse apagamento na pele.
 
Mas se o filme de Walter Salles prima por uma abordagem mais sutil e delicada, Kleber é tão sutil quanto uma cadeirada. Quem for ver o filme vendido por sua promessa de um thriller ou de um drama político vai dar de cara com um melodrama básico, ordinário, com vilões comicamente vilanescos, o mesmo discurso político raso e didático dos filmes anteriores do diretor e uma acachapante falta de complexidade de personagens e da estória como um todo.
 
Quando se descobre a razão pela qual Marcelo é perseguido, ou pelo menos parte dela, é quase cômico: fica a dúvida se é um filme premiado em Cannes ou a novela das 6. Ao mesmo tempo em que Kleber insiste em tentar/querer dizer muito politicamente, sua formatação e entrega são simplistas, mastigando de forma muito não natural para sua audiência que, em grande parte, ele sabe ser composta por fãs.
 
Enfim, O Agente Secreto é isso: bom e ruim quase na mesma medida, com pontos muito fortes ao mesmo tempo em que possui fragilidades muito evidentes. Falta ousadia num filme com muito potencial e tantas pretensões.


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