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Leticia Borges
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Leticia Borges é especialista em Língua Portuguesa, jornalista, professora e palestrante. / leticia.textos@gmail.com

Língua e letra

Sobre bulas e alienistas

Adaptação de Machado de Assis é desastrosa | 19.05.14 - 20:39
Goiânia - Desde que lançou sua mais recente obra, a escritora Patrícia Secco tem passado por maus bocados. A ideia de “simplificar” um texto de Machado de Assis, O Alienista, caiu como uma bomba no meio acadêmico e provocou reações indignadas de toda a sociedade – inclusive uma petição com mais de seis mil assinaturas contra a realização desse tipo de iniciativa. (Para ler o livro, clique aqui).

Patrícia argumentou que o projeto – que captou mais de R$ 1 milhão pela Lei Rouanet – seria uma forma de levar Machado a quem nunca teve acesso a essa leitura. Como ela mesma argumenta, aos faxineiros, aos eletricistas, aos manobristas. Enfim, aos trabalhadores que têm pouco domínio da língua culta.

A intenção pode ter sido boa, mas o resultado foi desastroso. O trabalho será distribuído gratuitamente para a população, mas isso não justifica a falta de cuidado, de preparo e de estudo na hora de realizá-lo.

 A adaptação do conto está cheia de equívocos e carente de estilo. Para ficar em um exemplo, a conjunção conquanto (concessiva, sinônima de embora) foi substituída pela conjunção enquanto (que pode ser de tempo, proporção ou conformidade).

O que merece reflexão nesta história é a verdade incontestável de que grande parte da população não é capaz de decodificar um texto mais complexo. Isso é resultado da falta de leitura e de contato com a própria língua.

Embora a literatura seja de grande valor na formação do indivíduo, influenciando seus caminhos, suas atitudes e suas escolhas, há algo mais grave nesta história que não conseguir entender uma narrativa de ficção.

Não compreender um texto pode levar o cidadão a desconhecer seus direitos. A consumir um medicamento de forma errada. A estragar um eletrodoméstico no momento da instalação.

Isso porque os textos jurídicos, as bulas de remédios e os manuais de instrução, que deveriam ser objeto de simplificação da linguagem, estão aí, com aquelas letras miúdas, aquelas palavras estranhas, aquelas orientações técnicas difíceis de entender.
Embora norma da Anvisa determine que as bulas devam ter letras maiores e informações compreensíveis, a linguagem continua sendo uma barreira para o entendimento.

Em sites como o Yahoo respostas, dezenas de pessoas já enviaram perguntas desesperadas querendo saber o significado de palavras como posologia e constipação. E, por ser um site em que qualquer pessoa pode escrever qualquer coisa, é possível imaginar que algumas respostas não foram satisfatórias.

Muitos cidadãos não conseguem entender o que expressa uma lei. O texto, muito formal, não atinge o leitor menos letrado.

Seria louvável prestar serviços para que as pessoas tivessem mais compreensão de seu mundo, das coisas cotidianas e urgentes, simplificando textos técnicos e jurídicos. Para esses, a meu ver, o estilo, a poesia, o ritmo e a beleza não são tão essenciais como a necessidade de serem compreendidos.

Quanto ao projeto quixotesco de retocar um texto machadiano, devo dizer que foi uma ideia dantesca.

Comentários

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  • 22.05.2014 11:38 Wesley Trigueiro

    Bela reflexão. Penso que uma coisa que afasta muitas crianças e adolescentes da leitura são as amarras impostas pela escola, impondo quase sempre os livros literários mais usados em vestibulares (quase nenhum adolescente de 14 anos gosta de ler Machado de Assis, José de Alencar, ou Euclides da Cunha). Puxa! se o menino gosta de Harry Potter, deixe ele ler Harry Potter. Deixemos que esse jovem primeiro descubra por si mesmo como o hábito de ler pode ser agradável. Penso que devemos primeiro mostrar o quanto uma leitura pode aprazer a pessoa, para depois exigir leituras mais direcionadas ou mais "difíceis". Se a gente começa por onde não gosta, fica muito difícil desenvolver um hábito.

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