Goiânia - É tão difícil descrever um gênio. E eis que Chico Buarque chegou aos 70 anos. O cara que cantou a liberdade e enfrentou os canhões da opressão com poesia. O cara que cantou o povo com os acordes do samba.
O cara que cantou o amor sem pieguice. O cara que... Não, eu não consigo descrever Chico Buarque, por isso passeei por algumas de suas músicas para reforçar ainda mais minha admiração por este imenso artista brasileiro.
Tentei buscar nas suas próprias poesias a marca de sua genialidade.
Quando nasci veio um anjo safado, o chato dum querubim, e decretou que eu tava predestinado a ser errado assim. Já de saída a minha estrada entortou, mas vou até o fim.
Minha mãe embrulhou-me num manto. Mas por não se lembrar de acalantos, a pobre mulher me ninava cantando cantigas de cabaré.
O meu pai era paulista, meu avô pernambucano, o meu bisavô mineiro, meu tataravô baiano. Sou artista brasileiro.
Corro atrás do tempo. Vim de não sei onde. Devagar é que não se vai longe. Eu semeio o vento na minha cidade, vou pra rua e bebo a tempestade.
Eu faço samba e amor até mais tarde. E tenho muito sono de manhã.
Não se afobe não que nada é pra já! O amor não tem pressa. Ele pode esperar em silêncio. Num fundo de armário. Na posta-restante. Milênios, milênios. No ar.
Minha mãe sempre diz: Não há dor que dure para sempre! Tudo é vário. Temporário. Efêmero. Nunca somos, sempre estamos.
Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu. A gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu. A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar. Mas eis que chega a roda-viva e carrega o destino pra lá. Roda mundo, roda-gigante, roda-moinho, roda pião. O tempo rodou num instante nas voltas do meu coração.
Porém ainda é melhor sofrer em dó menor do que sofrer calado.
Mesmo com o todavia. Com todo dia. Com todo ia. Todo não ia. A gente vai levando.
Inda pago pra ver o jardim florescer, qual você não queria. Você vai se amargar vendo o dia raiar, sem lhe pedir licença. E eu vou morrer de rir, que esse dia há de vir antes do que você pensa. Amanhã há de ser outro dia.
Sonhar um sonho impossível. Lutar, onde é fácil ceder. Vencer o inimigo invencível. Negar quando a regra é vender. Romper a incabível prisão. Voar no limite improvável. Tocar o inacessível chão! É minha lei, é minha questão, guiar este mundo, cravar este chão.
E pela minha lei a gente era obrigado a ser feliz.
Meu Deus vem olhar. Vem ver de perto uma cidade a cantar. A evolução da liberdade. Até o dia clarear.
No palco, na praça, no circo, num banco de jardim, correndo no escuro, pichado no muro... Você vai saber de mim.
Ave, Chico!