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Fabrícia  Hamu
Fabrícia Hamu

Jornalista formada pela UFG e mestre em Relações Internacionais pela Université de Liège (Bélgica) / fabriciahamu@hotmail.com

Inspiração

Obrigada por me sacanear

Pense no traste da sua vida | 07.11.11 - 11:32

Abro a caixa de e-mails e vejo um convite de casamento. É de uma amiga querida, que mora em Brasília e está muito feliz. Se brincar, estou mais que a noiva. Felicidade merecidíssima, para quem levou uma bela rasteira da vida e fez do limão uma limonada. Suíça e com muito, muito gelo.

Minha amiga é advogada e filha de família bastante humilde. Moça de valor, ralou para se formar, conseguir o primeiro emprego e se destacar na profissão. Há três anos, trabalhava o dia todo num escritório de advocacia, fazia pós à noite e namorava um rapaz. Ele tinha apenas o ensino médio, odiava estudar e vivia de bicos.

Com um ciúme doentio, o moço privava minha amiga da companhia da turma e até da família. Um belo dia, ela recebe um telefonema. Do outro lado, uma jovem diz que está grávida do namorado dela e pede para ela não procurá-lo nunca mais. Diz que os dois vão se casar e que ela agora é carta fora do baralho. 

Na hora, além do choque da traição, minha amiga pensou na conta conjunta que tinha com o namorado no banco. Correu para o caixa eletrônico e não deu outra: ele havia sacado os R$ 40 mil que ela, com o suor de muitos dias de trabalho, havia depositado para dar entrada num apartamento para os dois.

Sem namorado, sem dinheiro e com a autoestima no chão, minha amiga respirou fundo. Juntou os cacos, vendeu o carro e foi embora para Brasília. Decidiu que ia estudar para concurso até passar. Depois de dois anos, passou. Hoje é funcionária pública federal e ganha um salário de R$ 15 mil por mês.

Pouco tempo depois de assumir o cargo, ela se apaixonou pelo chefe. Homem fino, culto, inteligente e íntegro. Paixão recíproca, namoro iniciado, noivado desejado e casamento dos sonhos. Mais madura e, ao lado dele, hoje ela sabe o que é uma relação feita de respeito, cuidado e amor de verdade.

No final do e-mail, minha amiga escreve: “P.S - E de pensar que nada disso teria acontecido se meu ex não tivesse me sacaneado, hein?! Amiga, você pode até achar que eu sou doida, mas hoje é sou é muito grata a ele”. Sábias palavras. De louca ela não tem nada. 

Toda mulher já teve um traste que passou por sua vida e fez estragos. A única coisa que as difere é a maneira como lidam com isso. Se, ao chegar ao fundo do poço, a mulher tem complexo de vítima, encontra um ralo. Por outro lado, se percebe que as pessoas só fazem com a gente o que gente deixa, encontra uma mola.

O amor acolhe, aquece e estimula. Mas é a dor que a tira a gente da zona de conforto. É a humilhação, a tristeza de ser enganada e ter os sentimentos tão pisoteados que nos fazem ter autocrítica suficiente para olhar no espelho e dizer: “Muito prazer, meu lado negro. Nunca imaginei que eu fosse tão boba e precisasse crescer tanto”. 

No começo, você quer mudar por vingança e orgulho ferido. Quer que o traste te veja feliz e vitoriosa, para sentir na pele o que perdeu. Mas, com o passar do tempo, uma estranha alquimia acontece, e você passa a querer ficar bem para agradar uma pessoa muito mais importante: você mesma.

A dor do abandono e das mentiras te obriga a ter mais autoestima, a querer ficar bonita, ter foco na profissão, valorizar quem gosta de você de verdade. A dor de se ver tão pequena e insignificante diante de alguém que você amava tanto te obriga a tirar forças lá do fundo e buscar o seu (grande) valor.

Eu poderia usar a máxima do Nietzsche, que diz que tudo aquilo que não mata, fortalece. Mas prefiro algo menos óbvio. Uso, então, o tema de uma linda crônica do autor Rubem Alves, e que deu origem ao livro de mesmo título, chamada “Ostra feliz não dá pérola”.
Rubem Alves explica que as ostras só produzem pérolas porque são atormentadas por uma imensa dor, provocada por grãos de areia que se infiltram no seu interior. E, numa metáfora interessante, compara as ostras aos humanos, mostrando que podemos fazer coisas belas e raras com a nossa própria dor.

Longe de mim promover apologia ao sofrimento e querer que você coloque num altar a foto do traste da sua vida. Entretanto, acredito que, para quem quer entender de verdade as lições da vida, um pingo é letra. E, mesmo se tiver sido pintado por aquele seu ex muito sacana, não pode deixar de ser lido e compreendido.

Se colocar a dor para trabalhar a seu favor e decidir dar o pulo do gato (aquele, que você vinha adiando há meses ou anos), você verá que as pessoas só pisam na gente quando a gente se faz de tapete. E como você não nasceu para ficar no chão, vai se levantar pelas próprias pernas e aprender a ser apreciada, não pisada. 

Agora que você já deu a volta por cima e encontrou o grande amor da sua vida (essa carinha linda, que se reflete a cada instante que você olha no espelho), que descobriu que dignidade não tem preço nem idade, feche os olhos. Pense no traste da sua vida e repita baixinho, com um sorriso nos lábios: “Obrigada por me sacanear”.  

Comentários

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  • 09.08.2012 06:18 Huli

    Me caso em 27/10/12 porque depois de alguns trastes, encontrei meu amor feinho, que estava ao meu lado, e eu só não o via porque estava preocupada demais, tentando criar um mundo, ou mudar o mundo que já existe. O mundo já está feito, só precisamos encontrar nosso lugar. Eu encontrei o meu lugar! não precisamos mudar para merecer alguém. Só precisamos encontrar aquela pessoa que nos completa. Eu acredito que os opostos que se atraem são aqueles que se complementam, e não aqueles que nos repelem de tão diferentes que são. Que eu veja no outro aquilo que admiro e não encontro em mim. Adorei o texto!.

  • 11.11.2011 11:39 Ana Carolina Castro

    Sou dessas gratas ao pé na bunda que o ex deu, porque se não tivesse sido isso, estaria em uma relação frustrada com alguém totalmente diferente de mim, inclusive em valores (e a paixão não me deixava ver isso), não teria feito o intercâmbio que foi a melhor coisa que já aconteceu na minha vida, não teria olhado pro lado e visto o cara que tá comigo hoje e que tem muito mais a ver com o que eu quero pra minha vida!

  • 10.11.2011 04:48 Suely

    Texto excelente!

  • 10.11.2011 11:25

  • 10.11.2011 10:07 tatyane geraldine

    perfeito demais. Eu uso muito Nietzsche na minha vida, e a história contada descreve perfeitamente a realidade, a superaçãp foi explendida. parabens. serviu pra mim..rsrs

  • 09.11.2011 06:25 Fabrícia Hamu

    Thais e Bia, obrigada pelo carinho de sempre! Beijos

  • 09.11.2011 05:00 bia tahan

    Concordo com a Thais, seus textos são poderosos. E acrescento: viciantes. beijocas

  • 08.11.2011 02:45 Thais Fleury

    Fabricia! Seus textos sao poderosos!!!! Amei. Apesar de nao conhecer a sua amiga, tambem estou muito feliz por ela!!!!

  • 08.11.2011 08:59 Carol Magalhães

    Como dizia Henry Ford: "O insucesso é apenas uma oportunidade para recomeçar com mais inteligência". Mais uma vez, parabéns pela "inspiração". Seus textos são excelentes oportunidades de reflexão e otimismo. A Martha Medeiros que se cuide! (rs)

  • 07.11.2011 02:21 luana

    Seu comentário

  • 07.11.2011 02:02 Sarah

    Amei!!! Fabricia seus textos são d+!!!! rs

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Fabrícia  Hamu
Fabrícia Hamu

Jornalista formada pela UFG e mestre em Relações Internacionais pela Université de Liège (Bélgica) / fabriciahamu@hotmail.com

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