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Nádia  Junqueira
Nádia Junqueira

Nádia Junqueira é jornalista e mestre em Filosofia Política (UFG). / njunqueiraribeiro@gmail.com

Ora, pois!

Frio que estimula a saudade

O inverno chega e aperta o coração | 09.12.11 - 22:42
Quem é nascido e criado em Goiânia, como eu, pouca experiência tem com o frio. Esse com F maiúsculo. Na verdade a gente não sabe o que são quatro estações no ano e nem o que isso significa. Vivemos a ansiedade de parar de chover e depois esperamos por chover logo, para cessar o calor e a sequidão de matar. Quatro ou duas estações, me apetece o fato do ser humano se animalizar ou naturalizar mais com as mudanças de clima e simplesmente tudo mudar. Seus hábitos, seus sentimentos, seus gostos.

Bragança é conhecida como terra quente, terra fria. Quando é frio, é frio mesmo. Quando é quente, quente pra valer. Se olhar no mapa, logo verá que está acima de cidades como Madri e Roma e, portanto, é mais fria que essas capitais. Ainda mais porque estamos nos Trás-Os-Montes, ou seja, região de montanhas. Quando cá cheguei, o sol estava de matar. Andei muito de shortinho por aí, ainda que já estivesse na hora de esfriar. Esse ano o frio demorou a chegar e agora vem o inverno de vez. O outono, contemplei. Mas o inverno que vem chegando começa a mexer comigo coincidindo com os dias no calendário que marcam a segunda metade da minha experiência por aqui.

A verdade é que caminhei junto com as estações. Toda a euforia de início de vida nova, cidade nova, amigos novos, lugares novos, tudo novo estava no auge do fim do verão. A sobriedade, o chamar-te depressa de realidade, a rotina estabelecida, amizades se afinando, primeiras viagens vieram com o sossego do outono. E agora esse inverno vem junto com aquilo que aperta e a gente, que fala essa língua portuguesa, chama de saudade.

O clima parece sacanear. Um dia dessa semana mesmo acordei para ir à aula e quando olho pela sacada: tudo nublado, um frio de dar medo de sair do quarto. O caminho de casa até a faculdade parece ter triplicado e os meus passos sempre tão apressados parecem ter perdido ritmo. Não, não dá para pensar em festa. Em cerveja, na balada de mais à noite ou qualquer coisa assim, para cima. Esse clima foi feito para sentir saudade. Os 20 minutos que levo caminhando até a aula pareceram três horas: deu tempo de pensar em tudo que faz meu coração apertar.

Não, não há sofrimento. Não é aquela saudade do cantor que amarga que nem jiló. Ela é doce, é saudável, é necessária. E talvez seja um dos maiores presentes que um intercâmbio te oferece: ele te proporciona emoções que te fazem descobrir, de fato, o que você ama. Aliás, eu descobri onde reside a simplicidade da saudade: a mera ausência do que se ama. Quando senti isso pela primeira vez, no meu intercâmbio para Nova Zelândia há cinco anos, eu tinha saudade de boteco nas esquinas: de ver gente
falando alto, rindo e bebendo em mesas e cadeiras de plástico. E senti saudade de carro gritando “olha a pamonha!”.

Porque esse sentimento mistura coração com sentidos: o pão de queijo com os colegas da manhã. As coxinhas e risoles de milhos com os da tarde. A feijoada da minha mãe com amigos e família no fim de semana. O biscoito de queijo da vovó com o café passado na hora. O suco de maracujá com cara de almoço de todo dia contando do meu dia para meus pais. Aí a saudade passa para o toque e tudo que queria era ver TV com velhas mãos conhecidas fazendo cafuné. Sobe para os ouvidos e lembro de passos conhecidos no corredor de casa. Quando me vejo estou no youtube procurando o vídeo do meu irmão tocando viola. Revendo os do Passarinhos do Cerrado e batucando na perna.

Procuro as músicas que divido voz com a minha irmã e canto sozinha. E de repente pedi para minha mãe cantar para mim no skype. E foi o dia em que chorei. Ela me contou que estava cantando Caçador de Mim num domingo se lembrando de mim. No mesmo dia eu dirigia de Madri para Bragança cantando a mesma música, me lembrando dela. E a falta da velha mania brasileira de música para tudo: cozinhar, estudar, lavar roupa, conversar ou fazer qualquer coisa.

A gente tem muito tempo para sentir saudade. O sol chega tarde e vai embora cedo. Nesse intervalo é possível lembrar das amigas de infância, do pastel na feira depois das aulas de quinta à tarde no terceiro ano. Na rua, alguém passa ao meu lado e fica me olhando como se fosse louca. Estou rindo para o nada: são lembranças tão bem guardadas que o frio resgata. E dá saudade do que não vivi também. Do filho que ainda não tive. Dos lugares que ainda não pisei. Dos sonhos individuais e coletivos que ainda não realizei.

Aí a modernidade inventou vários meios de amenizar a saudade. E descubro que, na verdade, sou uma velha. Ou insaciável. Não há telefone ou skype que me satisfaça. Aliás, eles tiram é a graça de tudo. Eu quero compartilhar o que vivo presencialmente, tomando um chope ou uma Coca. E, se não dá, eu gosto mesmo é de escrever. Não quero ter pressa em contar nada, não quero falar tudo, mas não quero deixar passar um detalhe besta que no telefone ou skype sempre passa batido. Se carta chegasse um pouco mais rápido, a ela preferiria. E faço questão de mandar postais. Não há emoção para mim que se iguale a um carteiro na sua porta, uma carta ou encomenda em sua cama.

E por isso degusto a mudança de estações. Aprecio eu me mudar com elas. E me felicito em ver o inverno chegar, em me recolher, sentir frio, saudade e descobrir o que amo. Desfruto do vento gelado na cara que bate e me faz lembrar do que era esquecido. Olho para os lados e penso que, tão logo, tudo isso será passado. E no calor, dentro de pouco tempo, sentirei saudade do que cá vivi.

Comentários

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  • 13.12.2011 08:00 Daniel Sphor

    Lembro até hoje do dia que saí de casa, da primeira vez. Fui morar num lugar que ficava a 15 minutos da minha casa. Quando estava saindo a minha mãe perguntou se eu iria sentir saudades, e eu respondi que não. E no início não sentia mesmo... 4 anos depois me vejo a um oceano de distância e percebo como eu estava errado...

  • 13.12.2011 06:30 Rafaella Pessoa

    Que texto lindo! Cheio de amor e emoção. Você é um dos seres humanos que mais admiro nessa vida!

  • 12.12.2011 05:50 Concordo plenamente!!! Bem justificado o artigo!

    Seu comentário

  • 12.12.2011 10:16 Mayra

    Sinto saudades de tudo que marcou a minha vida. Quando vejo retratos, quando sinto cheiros, quando escuto uma voz, quando me lembro do passado, eu sinto saudades... Sinto saudades de amigos que nunca mais vi, de pessoas com quem não mais falei ou cruzei... Sinto saudades da minha infância, do meu primeiro amor, do meu segundo, do terceiro, do penúltimo e daqueles que ainda vou ter, se Deus quiser... Sinto saudades do presente, que não aproveitei de todo, lembrando do passado e apostando no futuro... Sinto saudades do futuro, que se idealizado, provavelmente não será do jeito que eu penso que vai ser... Sinto saudades de quem me deixou e de quem eu deixei! De quem disse que viria e nem apareceu; de quem apareceu correndo, sem me conhecer direito, de quem nunca vou ter a oportunidade de conhecer. Sinto saudades dos que se foram e de quem não me despedi direito! Daqueles que não tiveram como me dizer adeus; de gente que passou na calçada contrária da minha vida e que só enxerguei de vislumbre! Sinto saudades de coisas que tive e de outras que não tive mas quis muito ter! Sinto saudades de coisas que nem sei se existiram. Sinto saudades de coisas sérias, de coisas hilariantes, de casos, de experiências... Sinto saudades do cachorrinho que eu tive um dia e que me amava fielmente, como só os cães são capazes de fazer! Sinto saudades dos livros que li e que me fizeram viajar! Sinto saudades dos discos que ouvi e que me fizeram sonhar, Sinto saudades das coisas que vivi e das que deixei passar, sem curtir na totalidade. Quantas vezes tenho vontade de encontrar não sei o que... não sei onde... para resgatar alguma coisa que nem sei o que é e nem onde perdi... Vejo o mundo girando e penso que poderia estar sentindo saudades Em japonês, em russo, em italiano, em inglês... mas que minha saudade, por eu ter nascido no Brasil, só fala português, embora, lá no fundo, possa ser poliglota. Aliás, dizem que costuma-se usar sempre a língua pátria, espontaneamente quando estamos desesperados... para contar dinheiro... fazer amor... declarar sentimentos fortes... seja lá em que lugar do mundo estejamos. Eu acredito que um simples "I miss you" ou seja lá como possamos traduzir saudade em outra língua, nunca terá a mesma força e significado da nossa palavrinha. Talvez não exprima corretamente a imensa falta que sentimos de coisas ou pessoas queridas. E é por isso que eu tenho mais saudades... Porque encontrei uma palavra para usar todas as vezes em que sinto este aperto no peito, meio nostálgico, meio gostoso, mas que funciona melhor do que um sinal vital quando se quer falar de vida e de sentimentos. Ela é a prova inequívoca de que somos sensíveis! De que amamos muito o que tivemos e lamentamos as coisas boas que perdemos ao longo da nossa existência... Clarice Lispector

  • 10.12.2011 06:28 taiane nazaré

    Sobra tanta falta. E, como a gente vai sentir falta de tudo isso. Como diz Lenine, o lindinho demaaaais: saudade de um tempo que ainda não passou.. Texto doce;Sem mais, tai.

  • 10.12.2011 01:01 Bruna

    Muitas saudades dessa melhor amiga, irmã, companheira e grande referência na minha vida. Amo você!

  • 09.12.2011 11:36 Cecília Ivi

    Você transporta a gente através das palavras,mara....

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Nádia Junqueira é jornalista e mestre em Filosofia Política (UFG). / njunqueiraribeiro@gmail.com

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