Quando eu deixei a Nova Zelândia em 2006, estava estudando no terceiro ano do segundo grau e fiquei tão encantada em estar mergulhada em uma cultura que pensei, por um tempo, em conhecer outras mais, ir mais a fundo e prestar vestibular para antropologia. Prestei, passei, mas acabei ficando com a filosofia mesmo e depois jornalismo. Quase seis anos depois, meu encanto por conhecer culturas continua. Quando viajo, gosto de conhecer gente, histórias, perceber os jeitos, as diferenças e acho que a graça de rodar por aí reside justamente nisso. Para o recesso de fim de ano, optei por conhecer de perto a cultura alemã. Depois de uns dias em Berlim, fui ao encontro do meu amigo alemão em Osnabrück (que viveu no Brasil) e aí, sim, tenho vivido dias germânicos, de fato.
Antes de mais nada, eu queria aqui falar da simpatia desse povo. Isso mesmo, simpatia. Nós brasileiros, desde sempre, temos uma mania de chamar os alemães de frios. Claro, de fato, não há povo mais alegre e hospitaleiro que o nosso. E também é claro que eles são mais contidos, sérios, e não tem essa coisa de abraçar e beijar o tempo todo como nós. Mas fiquei muito feliz e surpresa como fui bem recebida por onde passei: em cada jantar, numa roda de amigos, numa simples carona – sempre atenciosos, comunicativos e receptivos. Se você quer ficar quieto, sem conversar, eles deixam. Se quer conversar, conversam. Em particular, gosto de duas coisas nessa cultura: a noção de liberdade que eles têm e o apreço por viajar bastante e conhecer o mundo. Quando falo em liberdade, falo nos pais que deixam os filhos irem fazer intercâmbio por um ano aos 16, 15 ou até 14 anos. Falo de pais menos corujas, que não sofrem em deixar os filhos saírem das asas, aliás, incentivam. E falo também em saírem com suas garrafas de cerveja no metrô ou ruas, mas sem que isso cause algum problema.
Das pessoas que conheci, todas visitaram ao menos um país fora da Europa Ocidental, o que é bem diferente, por exemplo, de Portugal, onde as pessoas não viajam tanto para fora. E diferentemente da gente, eles não poupam e ganham dinheiro para ter quatro imóveis e trocar de carro todo ano, mas para viajar. Tenho percebido, cada vez mais, nosso american way of life no que diz respeito a isso. Mas quero falar mesmo é da comida! Não quero dizer culinária, em si, mas de tudo que gira em torno dessa coisa que é comer: as preocupações, os gostos, as formas de relacionar, de festejar. Poderia começar falando do início mesmo: o café da manhã. Eles levam muito a sério, mesmo porque o almoço não é protagonista. Os pães mais deliciosos que já comi na vida, com todo tipo de queijo, salsicha, salame, geléias, chá e tudo o que se tem direito. E aí os jantares: muito compromisso gastronômico nesses dias.
Depois de um jantar bem alemão com batata e salsicha, veio a ceia de Natal. As diferenças começam pela árvore: um pinheiro de verdade, elegantemente decorado com poucos enfeites (eles acham ‘uó’ árvore exagerada), presentes embaixo (e ninguém abriu antes da hora) e acendi as velinhas do pinheiro. Ao invés de 30 pessoas, como de costume, éramos quatro pessoas. Não tinha frango, leitão e peru. Só filé de atum, com um acompanhamento e uma salada, além da sopa de entrada e sobremesa. Depois, a gente ainda precisa do almoço no dia seguinte para tentar acabar com a comida do dia anterior. A gente vive a culinária dos exageros: no número de pratos, na quantidade, no tanto de gente que vai participar. E come até encher! E bebe também enquanto o fígado não pedir arrego. Juro que comi e bebi somente o suficiente nesse Natal, bem germânica.
E o pior é que sofro: sempre acho que não vai dar. Que a quantidade vai ser pouca. Aí meu amigo alemão Max sempre me corta: vai dar, Nádia! Ontem resolvi me calar na discussão da ceia do Réveillon. Eu e seis alemães decidindo o que jantar. Sopa de entrada (tem isso também, sempre há entradas!), um frango recheado com verduras e arroz. "Gente, eu sei fazer um salpicão também e blá blá blá", me cortaram. "Então uma salada de batata com rúcula, azeitona" e cortaram de novo. "Já há verduras no frango e não precisa de batata, não vai ter arroz?" Gente, mas Natal e Réveillon não é hora de exceder? - pensei. Desisti e fiquei quietinha. Hoje no supermercado convenci, pelo menos, a comprar uma rúcula e uns tomatinhos pra uma salada, né?
Acho engraçado também a preocupação em sentar, todos juntos, para comer. Nessas ocasiões assim, onde há muita gente, senta onde dá. Uns aqui na mesa, outros ali no sofá, uns nos barquinhos ali. Aqui, não. Até no jantar de encontro de amigos do Ensino Médio do Max, todos sentadinhos jantando. Achei que com os jovens seria menos formal, mas não. E quando falam que vai ter jantar para encontrar a turma, é jantar mesmo, com entrada, sobremesa e tudo mais. Não é só um pretexto para encontrar e beber, como nossos churrascos sem carne. E se é para jantar, é para jantar. Meu amigo estava p* da vida que ninguém queria dançar: "ai, são muito alemães, cada coisa no seu lugar, que saco!", deixava seu lado brasileiro falar. Mas depois de umas bebidinhas aqui e ali, o pessoal ficou mais alegre e dançante.
Bom, mas na verdade, no fim das contas, nesse fim de ano a gente quer a mesma coisa, no Brasil, Alemanha ou onde for: comer e beber bem, reunir as pessoas que a gente gosta, celebrar as coisas boas que passou e desejar que o ano que chega guarde bons momentos e alegrias. Sem lentilhas, vestir branco, calcinha nova, pular ondinhas ou qualquer superstição que não guardam muito aqui, viro esse ano festejando o lindo 2011 que se encerra e desejando um 2012 especial para todos que estão perto e longe de mim. Feliz ano novo para você e vai agora tomar uma cerveja e se preparar para comilança!