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Nádia  Junqueira
Nádia Junqueira

Nádia Junqueira é jornalista e mestre em Filosofia Política (UFG). / njunqueiraribeiro@gmail.com

Ora, pois!

Brazilian x European Way of life

Refletindo sobre nossa forma de levar a vida | 12.01.12 - 21:57 Brazilian x European   Way of life Nádia Junqueira
Desde que cheguei em Bragança, desacelerei. Claro, é uma cidade de 30 mil habitantes, onde tudo se faz a pé: ir para faculdade, supermercado, balada, lanchonete. Já vi por aí um ou outro ônibus, sempre carregando idosos ou crianças. Bom, no mais, não sei mais o que é trânsito e posso atravessar faixa de pedestres de olho fechado, sempre param a metros de distância. Se precisar de um supermercado, tenho que ficar esperta porque depois das 20h não encontro mais nenhum aberto. E se tiver fome de madrugada e não tiver nada em casa, paciência. Espera o dia amanhecer.

Tudo abre, no mínimo, às 9 horas e fecha para almoço. Acho que só restaurante que não, no mais, tudo. Não existe Mc’Donalds por aqui e as pessoas se encontram em cafés - não em points de fast food ou shopping center. Este é lugar para fazer compras mesmo, só. E nunca vi a praça de alimentações cheia. E aí que você acaba entrando no ritmo da cidade mas, mais do que isso, a essa altura do intercâmbio, estou crítica em relação ao nosso 'brazilian rushing way of life'. Por que, nessas andanças, descobri que esse ritmo não vem só de Bragança: é predominante na Europa. Até Paris, Madrid, Berlin, tudo funciona mais ou menos nesse ritmo menos frenético que vivemos. Foi aí que me dei conta do quanto somos influenciados pelo 'american way of life'.  

Já imaginou que absurdo não achar nada para comer depois da meia noite? Não existir supermercado 24hs? Aliás, como cresce esse mercado de 24hs no Brasil. E como não? Estamos trabalhando e estudando durante todo o tempo comercial. Quando vamos comer? Consumir? Eu não consigo imaginar tudo fechado para almoço no Brasil. É meu único tempo de “resolver a vida”. Pagar conta, comprar um CD virgem, devolver o DVD na locadora, comprar o presente de aniversário da amiga e até ir ao médico.

E aí que esse brazilian (american) way of life acaba indo além: nas ambições, nas ansiedades e uma infinda vontade de ter mais, agora, o quanto antes, pelo menos. Troféu de vencedor é entrar o quanto antes na universidade. Mais ainda, sair dela com pouca idade. 'Loser' é aquele que acabou trancando ou mudou de curso. Não importa a confusão e imaturidade que representa alguém prestar, ao mesmo tempo, para engenharia, enfermagem e design. Importa
ela entrar logo, formar em pouco tempo (e que absurdo perder um ano fazendo intercâmbio) e começa a ganhar dinheiro rápido.

O que sabe da vida alguém aos 16 anos de idade? O que viveu pra decidir o que vai fazer pelo resto da vida? Por isso admiro a forma como lidam com o futuro e juventude por aqui. Aos 18 ou 19 anos é que finalizam Ensino Médio, um ano mais tarde que a gente. E aí vão direto para universidade, né? Não, muitos tiram um ano para si: viajar, trabalhar, estudar coisas diferentes, se preparar para o portfólio que apresentarão à Universidade que pretendem entrar. Provavelmente alguém aos 19 ou 20 anos, depois de ter viajado bastante, trabalhado ou, no mínimo, ter vivido experiências diferentes fora das asas dos pais, tem mais maturidade para escolher o que quer da vida.

Se eu não tivesse entrado na universidade imediatamente depois do terceiro ano do Ensino Médio, poderia dizer que seria impossível fazer um vestibular um ano depois. Teria esquecido tudo. Mas a admissão em nossas universidades é um outro problema (grave, por sinal). A ambição aqui é sair da casa dos pais assim que terminam o Ensino Médio. Ter um flat sozinho ou dividir com amigos. Ninguém aqui entende como eu posso ainda morar com meus pais, ainda mais formada! E meu pai também não entende porque eu quero sair de casa morando na mesma cidade que ele. Acontece que, aqui, entra outro ponto muito importante que diferencia nossos ways of life, um mero problema de: transporte!

Parece simples, ou mesmo irrisório, não? Não. Como isso muda completamente a noção de liberdade, de escolhas, de modo de vida. Assim que a gente forma e começa a ganhar um dinheiro no Brasil, a prioridade (depois de pagar as próprias contas) é ter carro. Por necessidade ou por status. Aqui, de longe a prioridade é essa.

Primeiro, porque não é necessário. Liberdade é poder ir e vir para onde quiser, quando quiser. Linhas de metrô por todos os lados, que chegam rápido e na hora, ônibus funcionando pela madrugada, trens que ligam todas as cidades, países. Na Alemanha, se é estudante, paga-se 200 euros por semestre e tem-se o direito de se locomover em todo seu estado, de graça. Isso mesmo: imagine alguém que morasse em Goiânia, família em Itumbiara e pudesse todo fim de semana visitar seus pais de graça, de trem? Não perder a festa da avó porque não tem dinheiro para passagem?

Agora imaginem o impacto desse transporte de qualidade em tudo o mais: o trânsito fluindo melhor, o clima de estresse reduzido assim como a poluição. Poder sair para qualquer festa ou bar sem se preocupar com dirigir depois de ter bebido, correndo risco de acidentes ou de cair numa blitz. E eis aqui minha crítica à lei seca no Brasil: são rígidos, mas não oferecessem uma alternativa pública de qualidade. Táxi é para poucos. Liberdade: é isso que transporte público de alto nível significa.

E continuo minha crítica ao nosso way of life. Acredito que a gente se “adultize” muito rápido no Brasil. Formar logo, comprar logo um carro, apartamento, casar e arrumar filhos. Se não arrumou um pretendente ainda, acelere. Não há, necessariamente, essa ansiedade aqui. Claro, as vontades existem, e no fim são as mesmas. Estou falando de cobrança: pessoal, familiar e social. E, claro, há quem queira de verdade, no Brasil, seguir essa ordem por vontade, amor e não por cobrança. Aqui as pessoas admiram que, aos 22 anos, já seja formada e trabalhe. O que é muito comum por aí. No Brasil, há quem já esteja me cobrando um noivo.

Antes de terminar, mais uma última crítica. Na Alemanha, conversando com uma garota que faz Antropologia na Holanda, me disse. “Ouvi falar maravilhas do Brasil, só uma coisa ruim, queria saber se é verdade: vocês dão atenção demais para aparência não é? Ouvi falar que é o país que mais faz cirurgias plásticas”. Sim, é verdade. A gente dá mesmo mais importância para aparência. As pessoas aqui se vestem bem, tem estilo, mas não tem toda essa preocupação que temos, como com o culto ao corpo. Essa coisa de academia e salão de beleza, por exemplo. Uma breve e simples comparação fiz ao ver na timeline do meu Facebook todo mundo impecável no Ano Novo e Natal, enquanto na Alemanha as pessoas estavam de pantufas ou meias.  

Ter tempo de ver o novo filme do Almodóvar ou o Sherlock Holmes mesmo. Chegar do trabalho e ir ao teatro, ler um livro legal ou tocar um instrumento. Encontrar os amigos, jantar num lugar bacana, jogar futebol, correr. E se preparar para, no próximo verão, visitar um lugar diferente. Pequenos hábitos que uma não-correria proporciona. Para mim, isso é ser chique e onde a Europa me encantou. Não é gastar seus euros nas galerias Lafayette, Chanel ou Louis Vitton. Tenho orgulho de nossa cultura (acho mesmo que não exista igual), de nosso povo, alegria, riquezas, belezas e do crescimento que salta aos olhos do mundo todo. Mas podemos levar uma vida melhor ainda.




Comentários

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  • 13.02.2012 10:59 Ana

    O texto é bom, mas meu comentário segue direcionado para os outros leitores que comentaram aqui. American Way of life não é uma coisa ruim. E sim o "brazilian way of life". É ruim o modo que o Brasil aderiu à ideia. Nos Estados Unidos, nas grandes cidades, o transporte público funciona muito bem. Há belíssimos parques e inúmeras opções culturais gratuitas. As pessoas vivem muito bem e aproveitam bastante o que a cidade tem a oferecer. Sim, há muitas lojas abertas 24h, mas pq isso é algo maléfico? É deixar que cada um viva seu ritmo e deixar que cada um faça seu horário também. E outra... a cultura do consumo americana não é tão cruel como a brasileira.

  • 13.02.2012 10:58 Ana

    O texto é bom, mas meu comentário segue direcionado para os outros leitores que comentaram aqui. American Way of life não é uma coisa ruim. E sim o "brazilian way of life". É ruim o modo que o Brasil aderiu à ideia. Nos Estados Unidos, nas grandes cidades, o transporte público funciona muito bem. Há belíssimos parques e inúmeras opções culturais gratuitas. As pessoas vivem muito bem e aproveitam bastante o que a cidade tem a oferecer. Sim, há muitas lojas abertas 24h, mas pq isso é algo maléfico? É deixar que cada um viva seu ritmo e deixar que cada um faça seu horário também. E outra... a cultura do consumo americana não é tão cruel como a brasileira. Sim, lá há uma infinidade de novos produtos, tecnologias, roupas e incentivo às compras. A diferença é que as pessoas CONSEGUEM consumir, sem que isso signifique se enrolar na fatura do cartão de crédito. É a cultura do consumir sim, mas as pessoas podem bancar isso com o poder de compra inifitamente maior que o brasileiro. Aqui nosso capitalismo é cruel, seguimos esse modelo, mas não conseguimos bancá-lo.

  • 20.01.2012 08:57 Lisa Tôrres

    Nádia, penso que já está cansada de <ler> os elogios sobre sua maneira de escrever...eu mesma já registrei isto aqui antes. Mas, menina... como se não bastasse a leveza da sua forma de texto e tudo o mais, tem excelente percepção para o que nos parece diferente (e , de fato, o é). Lendo você novamente, depois de uns meses <out>, vi-me aí, a observar as mesmíssimas coisas que você. (rs) Outro dia, vi-me fazendo comparações, de novo, de novo. (ai, ceus! quando isso vai passar?) Prepare-se: se tiver de pegar auto-carro pro Campus da UFG...já adianto-lhe: para além dos atrasos, estão imundos! ps: quando voltei cá, a primeira coisa que me chocou foram os <bilhetes> no chão - e, detalhe: ao lado da maquininha de colocar o tal nosso passe, uma lixeira! abraço pra voce e parabéns pelo artigo.

  • 18.01.2012 10:21 rodrigo

    poix poix

  • 16.01.2012 09:32 Ana Carolina Castro

    Só quando estive aí é que percebi o TANTO que somos influenciados pelo american way of life, e o pior: pegamos de exemplo justamente a pior parte. Eu acho LINDO isso das coisas fecharem às 8 da noite por aí, e abrirem 9 da manhã. Sério, isso é qualidade de vida pros funcionários, é obrigar a pessoa a se planejar melhor e usar o tempo em que tudo tá "fechado" pra curtir família e amigos, não pra ficar procurando mais coisa pra fazer. Sinto tanta falta desse ritmo menos acelerado, dessa LIBERDADE que eu sentia de ir e vir, mesmo não tendo carro (coisa que eu nem de longe sinto aqui, e sim, eu tenho carro por aqui, mas trocaria mil vezes por um modelo eficiente de transporte público+segurança). Admiro como as pessoas aí dão pouca moral pra futilidades, tão imprescindíveis aqui. "Não fez a unha essa semana? Nossa, que absurdo!!" - bradam as brasileiras, como se todo mundo fosse obrigado a gostar de perder tempo no salão fazendo isso toda semana. Ok, quem gosta gosta, mas quem não gosta precisa mesmo ficar ouvindo esse tipo de coisa? Enfim. Sinto muita falta do european way of life, depois do meu intercâmbio detesto ainda mais o "american way of life" e toda essa influência negativa e degradante. Ufa, desabafei, haha. Mas é que eu sei exatamente do que você tá falando. Beijos Nadinha!

  • 13.01.2012 06:38 Nádia Junqueira

    É isso, gente. Compartilhei cada nova informação que vocês acrescentaram, que concordo plenamente. João, é exatamente isso. Outra coisa que não disse: aqui não há esse desespero para ir para cidades grandes. Se há vida boa, emprego, faculdade em cidades pequenas, para que ir para as grandes? E no Brasil não há nenhuma política de manter as pessoas em suas cidades. Vide problema de saúde em Goiânia, por exemplo. Rodrigo também concordo com essa necessidade de lazer estar ligado ao consumo. Sabe o que fiz no dia 25 de dezembro? Fui caminhar com a família do meu amigo pela cidade, jardim botânico, parques. Não gastei 1 euro sequer nesse dia. As pessoas no verão vão para os parques, esticam suas cangas, lêem livros. Tb admiro justamente isso: o lazer não se identifica, necessariamente, com o consumo. Anna, também sentia exatamente o mesmo com Goiânia x Goiás Velho ou Piri. Tomara que a gente aprenda alguma coisa voltando, apesar de nadar contra maré, né? Dani, também conheci um italiano que disse exatamente o mesmo. Disse que deve acabar indo para o leste Europeu. rs.

  • 13.01.2012 06:24 Rodrigo Lopes

    Por que precisamos trocar de carro todo ano? Por que precisamos morar em casas gigantes em condominios fechados? Estas estão entre as principais diferenças dos eupopeus com nos "americanos" A diversão em Goiania gira em torno de locais privados é preciso sentar em algum local e consumir algo, enquanto na europa os locais públicos como praças e parques sao comuns entre os cidadãos. por isso tanta correria...sociedade emergente onde o "TER" é mais importante do que o "SER". #VAMOACORDAPESSOAL

  • 13.01.2012 01:38 Daniel Sphor

    Conversei com um italiano que mora em Porto, e ele me disse que já havia pensado em, depois de formado, tentar carreira no Brasil. Mas ele disse que desistiu depois de refletir um pouco. A conclusão dele foi que ele conseguiria fazer mais dinheiro no Brasil, mas não sobraria tempo para "viver". Nem todas as cidades seguem esse ritmo acelerado no Brasil, mas certamente se ele fosse trabalhar no nosso país, seria em alguma capital.

  • 13.01.2012 10:56 Anna Luiza Magalhães

    Nádia, concordo e assino embaixo deste seu texto. Estava outro dia comentando sobre isso: que quando eu sair de Bragança e voltar para Belo Horizonte eu vou sentir um baque de estilo de vida. E olha que eu adoro a minha capital mineira e adoro o ritmo de vida por lá, mas o stress no trânsito, a falta de transportes públicos decentes, a cobrança e o esquema "workaholic" de viver, não são mesmo exemplares. Eu já percebia a diferença de quando eu passava um final de semana em Ouro Preto (onde fazia tudo a pé, comia com calma, subia e descia os morros devargarzinho, etc) pra quando eu voltava pra BH... ficava 5 minutos parada no carro no sinal de trânsito e já queria largar a direção. Eu confesso que sinto a falta de um carrinho pra carregar minhas compras do supermercado aqui em Bragança, mas eu adoro esse modo de vida "andante" que temos aqui... conhecemos cada cantinho da cidade, desfrutamos de cada esquina, parede, folha no chão que ela tem pra nos oferecer.. encontramos as pessoas pelas ruas, ao invés de encontrar dentro do shopping, reunimos na cantina para um almoço divertido e sem muita pressa a maioria das vezes, a gente desacelera mesmo... perceptivelmente.. o Brasil é um lugar maravilhoso: lindo, tropical, quente (nunca mais falo que BH faz frio depois do frio que to passando aqui, hahaha), riquíssimo culturalmente, um povo espetacular, trabalhador, cheio de qualidades... mas para crescer ainda mais precisa-se consertar muita coisa e talvez, mudar esse ritmo que você apontou de "american way of life"... que, de fato, mata as pessoas... todo mundo corre pra viver, mas no fundo, acaba esquecendo-se de viver de fato... bom texto, pra variar.... valeu nádia!

  • 13.01.2012 10:28 Rodrigo Lopes

    Concordo com Nadia! nossa Cultura é otima, mas prefiro o modelo de vida Europeu ao Norte Americano, que infelismente tem cada vez mais influencia sobre as terras tupiniquins.

  • 13.01.2012 08:21 João

    Olá Nádia. Achei bem parecido com o ritmo de algumas cidades do interior de Goiás. Interessante é saber que na Europa, o ritmo de algumas cidades é bem parecido com o do interior do nosso estado! Quer dizer, o exemplo de cidade ideal se espelha nas cidades menores. É uma tese defendida por muitos urbanistas, que vêem dificuldade em se administrar cidades com mais de 800.000 habitantes.

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