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Declieux Crispim
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Declieux Crispim é jornalista, cinéfilo inveterado, apreciador de música de qualidade e tudo o que se relaciona à arte. / declieuxcrispim@hotmail.com

Cine Qua Non

Ao Mestre com Carinho

| 30.01.17 - 09:15
 
Goiânia - Ecos de Douglas Sirk, mestre do melodrama na acepção mais austera e nada pejorativa, reverberam na obra de Todd Haynes e se faz presente com realce e pujança inacreditáveis em Carol (2015), provavelmente o ápice da carreira artística deste diretor. A verve cinéfila de Haynes é notada logo no princípio da película quando a personagem Therese (Rooney Mara) assiste acompanhada por amigos ao genial Crepúsculo dos Deuses, do aclamado Billy Wilder.
 
A história se passa em Nova York, no início da década de 50. Therese trabalha em uma loja de departamento de Manhattan e fotógrafa nas horas vagas. Ela almeja uma vida mais digna quando conhece Carol Aird (Cate Blanchett), uma linda e etérea mulher presa em um casamento fracassado. O desejo ardente entre as duas nasce e perpassa por toda a projeção, mas é bloqueado por receios devido a uma sociedade trancafiada em seus dogmas pré-estabelecidos e que ferem o amor e a paixão verdadeiros.
 
Baseado no livro The Price of Salt, que Patricia Highsmith lançou em 1952 sob o pseudônimo Claire Morgan, o filme apresenta a atmosfera esmerada dos anos 1950: chapéus, casacos de pele, carros conversíveis e muito champanhe. As cores desvanecidas com as quais o fotógrafo Edward Lachman trabalha incorporadas à direção hábil de Todd Haynes conferem uma sinergia impressionante e reforça o clima de sofisticação da obra. 
 
Na trama, há o conflito entre mundos tão díspares aos quais cada personagem pertence e que se desenvolve em paralelo até o momento de convergência quando os sentimentos latentes irrompem e se entrecruzam, promovendo um embate à medida que a ânsia de amar ganha contornos nevrálgicos através de simples olhares e gestos que são trabalhados com maestria singular pelo diretor, o não dito representa mais do que quaisquer palavras. O simples toque no ombro remete a Desencanto (1945) - um dos grandes filmes de David Lean -, e parece profetizar o fim de um amor impossível, corroído por uma sociedade, fundamentalmente, preconceituosa. 
 
Quando é escancarado a mulher oprimida pela sociedade, a estética de Haynes flerta com a de Mizoguchi e evidencia um ponto de contato entre ambas, uma vez que o genial diretor japonês soube trabalhar como ninguém a mulher e seus dissabores de lutar contra algo que parece ser intransponível, visto que o peso do conservadorismo e do moralismo são muito presentes não somente na cultura japonesa, mas também na americana, sobretudo, na década de 50. Estabelecer regras e predizer o que se deve ou não fazer em relação ao amor é uma atitude tacanha e as palavras de Machado de Assis são cada vez mais contundentes: “Cada qual sabe amar a seu modo; o modo, pouco importa; o essencial é que saiba amar.”

Comentários

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  • 08.02.2017 14:26 micaele

    '' provavelmente o ápice da carreira artística deste diretor'' concordo muito. ótimo texto!

  • 01.02.2017 17:24 Vinícius

    Parabéns, Declieux. Você sempre cumpre com louvor o papel do crítico de arte, que é transcender o espaço (aparentemente) circunscrito por determinada obra.

  • 30.01.2017 22:37 Carmen Baiocchi

    Através da descrição pude "enxergar" a fotografia, os dilemas e o "modus vivendis" dos anos 50. Filme para ver e rever. Texto espetacular!

  • 30.01.2017 17:38 Jackelline de Castro

    Excelente texto como sempre. Adorei o filme e a crítica!

  • 30.01.2017 15:43 VANESSA VITORINO DE OLIVA

    "O conflito entre mundos tão díspares" de Douglas Sirk, Todd Haynes, Billy Wilder David Lean Mizoguchi e Machado de Assis só poderiam fazer sentido quando se fala sobre o amor e as suas várias facetas. É surpreendente ler um texto onde quem o escreve enxerga de forma clara a mulher como amante e seus conflitos externos e internos. Parabéns pelo texto!

  • 30.01.2017 12:11 FLAVIA BOSSO

    Incrível texto como sempre, mostra a mulher na sociedade e os dogmas, como ela enfrenta uma batalha diária, belíssimo texto, adorei!

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Declieux Crispim é jornalista, cinéfilo inveterado, apreciador de música de qualidade e tudo o que se relaciona à arte. / declieuxcrispim@hotmail.com

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