Goiânia - Sordidez é uma palavra que pode ser designada a descrever o cinema de Paul Verhoeven. Uma viagem em uma espiral labiríntica da psique humana levada aos mais espúrios sentimentos conflitantes que destoam de modo inigualável do que é tolerável socialmente. A mente humana é repleta dos mais inquietantes dilemas e dos atos mais inesperados. Seu lado controverso eclode de modo abissal em Elle (2016), seu mais recente longa-metragem, o melhor filme recente (empatado com Toni Erdmann) em cartaz na décima edição da mostra O Amor, a Morte e as Paixões.
Antes de mais nada, não há como imaginar este filme nas mãos de outrem ou sem a magnífica Isabelle Hupert. Uma parceria entre diretor e atriz cosmopolitas tal como o mestre Max Ophüls. Verhoeven é holandês, dirigiu seus primeiros longas em sua terra natal, conquistou Hollywood e, recentemente, seu novo filme é uma co-produção entre Alemanha, Bélgica e França. Huppert é francesa e esteve presente em filmes de sua origem, além de ter trabalho com grandes diretores de outras nacionalidades como Michael Cimino, Sang-soo Hong, Marco Bellocchio e o próprio Paul Verhoven.
Um grito exasperante emerge logo no início da película. O palco: a casa de Michèle Leblanc (Isabelle Hupert), uma executiva-chefe de uma empresa de videogames extremamente controladora e rígida. Um homem de preto encapuzado em cima dela, o horror de um ato vil perpetrado diante de uma fortaleza que, posteriormente, parecia intransponível. A câmera voyeur nos torna cúmplices do estupro envolvida em uma paleta de cores das mais nebulosas que provoca um efeito desconfortável. Apesar da violência sofrida, Michèle insiste em não perder a compostura e o controle, seu comportamento é impossível de ser desvendado.
A violência dos games que a protagonista trabalha se insere na vida real de modo hiper-realista nos deixa atônitos diante dos atos mais ignóbeis originários da mente humana, ora capaz dos atos mais sublimes, ora dos mais repugnantes e comprova a ideia de que a violência do mundo real é muito mais chocante do que a da ficção, tal como ocorre em Na Mira da Morte (1968), de Peter Bogdanovich.
A força descomunal do roteiro intrincado, com o qual se desenvolve a trama, proporciona múltiplas camadas de leituras, interpretações e texturas que nos incomodam, inquietam-nos e que parecem impossíveis de desnudar os mistérios inerentes ao longa. É uma fita extremamente complexa, corajosa, imersa em crueldade movida a uma coragem raramente encontrada, reforçando o cárater misantropo peculiar ao diretor. A raça humana como no final pessimista de Ran (1985), de Akira Kurosawa, quando um personagem cego fica à beira de um precipício, demonstrando que não há escapatória a qualquer pessoa. Para Verhoeven, também parece não haver qualquer fresta de esperança.
Confira os dias e horários de exibição do filme na mostra O Amor, a Morte e as Paixões, em Goiânia:
- 24/02 - 17h50
- 25/02 - 12h55
- 01/03 - 19h45
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