Goiânia - À certa altura da película Frantz (2016), novo longa-metragem do irregular e talentoso diretor francês François Ozon, a personagem Anna (Paula Beer), em interpretação magistral, caminha, lentamente, extasiada por frustrações e pela desesperança em direção ao lago para se suicidar, numa cena que emula o memorável suicídio de Anju (Kyôko Kagawa), em O Intendente Sansho (1954), uma obra-prima de Kenji Mizoguchi. Ela submerge no local, mas, ao contrário da personagem do longa japonês, Anna é salva por um transeunte que presenciou o evento ocorrido.
O enredo se passa durante o ano de 1919 em uma pequena cidade alemã. Anna vivencia um período tenebroso após perder seu noivo durante a primeira guerra mundial. Adrien (Pierre Niney), um jovem francês, é flagrado por ela no cemitério deixando flores sobre o túmulo de Frantz, seu falecido noivo. No princípio, há uma rejeição, mas logo este encontro desencadeará uma amizade entre eles e a família do noivo.
A belíssima fotografia em branco e preto é preponderante, e o colorido emerge em passagens marcantes, como a que acontece na casa dos pais do falecido e na presença de Anna, quando Adrien interpreta uma bela canção de Chopin com o violino e a contagia para tocar piano juntamente, uma centelha de esperança, em meio aos cacos pelos quais a personagem principal está submetida, é alumiada. O jogo entre o branco e preto e o colorido jaz intimamente ligado ao estado de espírito dos personagens e retornará em outro instante crucial.
A composição por meio planos e travellings elegantes à Max Ophüls e Rainer Werner Fassbinder revelam como a relação afetuosa entre os personagens é estremecida à media que a verdade vem à tona. Adrien carrega um fardo pelo que de fato ocorreu, mas que, em determinado momento, contará a Anna para tentar aplacar um pouco sua dor por ter sido o responsável pela morte de seu noivo. Há o dilema bem delineado resultante da verdade inconveniente que provocará um conflito existencial. Uma história que urge da necessidade em retornar ao classicismo cada vez mais relegado por boa parte dos diretores do cinema atual. Um mergulho no âmago do que há de melhor na acuidade intrinsecamente relacionada a grandes mestres.
A obscuridade de uma guerra bárbara deixa marcas inapagáveis impressas como tatuagem na memória de quem experenciou a truculência advinda de um conflito ignóbil. Nem mesmo o tempo é capaz de suprimi-las, mas de amainá-las. O perdão e o amor diante de tal conflito espúrio nascem para corroborar a necessidade de dizimar os dissabores inerentes a ele. Seguir em frente, viver a vida sem deixar a memória se apagar, brilhar em meio a sombras, valer-se de forças singulares para trilhar novos caminhos, esta incrível capacidade humana de se adaptar e de sobreviver mesmo diante de tanto sofrimento preenchendo o ecrã com cores vívidas. Perdoar e amar são as chaves que desatam nós e rompem certas amarras.