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‘Colóquios Primordiais’

Historiador defende a obra de Bernardo Élis para se conhecer mais a cultura

Nilson Jaime ministrou palestra on-line | 23.04.20 - 15:05 Historiador defende a obra de Bernardo Élis para se conhecer mais a cultura (Foto: divulgação)
Jales Naves
Especial para o jornal A Redação

O melhor conhecimento da obra de Bernardo Élis e a descoberta do mundo que cria em seus escritos, estimulando a leitura e a busca da cultura goiana que tanto valorizou e estimulou em seus livros foram defendidos pelo historiador Nilson Jaime, presidente da Academia Palmeirense de Letras, Artes, Música e Ciências (Aplamc) e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás (IHGG). Ele foi um dos palestrantes da primeira edição do projeto ‘Colóquios Primordiais, virtual, promovido pelo Instituto Cultural e Educacional Bernardo Élis para os povos do Cerrado (Icebe), no dia 13 deste mês.

Analisou um dos vinte contos que compuseram seu livro de estreia “Ermos e Gerais — Contos Goianos”, premiado pela Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos, da Prefeitura de Goiânia, em 1944: ‘Nhola dos Anjos e a cheia do Corumbá’, que considera um dos mais marcantes e mereceu publicação em seletas e antologias. Foi reproduzido no livro “Literatura Comentada — Bernardo Élis”, organizado por Benjamin Abdala Júnior, para a Editora Abril, e também na “Antologia do Conto Goiano”, organizado pelas professoras Darcy França Denófrio e Vera Maria Tietzmann Silva.


 
Os elogios dos críticos
Dentre as dezenas de menções elogiosas, o historiador citou Tristão de Athayde, codinome de Alceu de Amoroso Lima, para quem Bernardo Élis construiu “… obra de verdade social impressionante e uma criação linguística de uma beleza e de uma originalidade singulares”. “O estudo de seu estilo já está em ponto de merecer uma análise linguística científica, tal a sutileza da sua oralidade”, defendeu. A literatura de Bernardo Élis, frisa o crítico carioca, “é uma fusão rara entre o falar culto e o falar popular”. “Essa análise linguística científica requerida por Amoroso Lima vem sendo desenvolvida, com o passar dos anos, por diversos autores”, afirmou Nilson.

Para o crítico literário Antonio Candido, “na literatura brasileira poucos podem gabar-se de ter encontrado uma fórmula narrativa tão eficiente”. Sua impressão é corroborada por Mário de Andrade, que assevera a Bernardo Élis: “Você tem a qualidade principal para quem se aplica à ficção: o dom de impor na gente, de evidenciar a ‘sua’ realidade, pouco importando que esta ‘sua’ realidade seja ou não o relato da vida real”.

O professor e doutor em literatura José Fernandes sublinha que a ficção produzida em Goiás teve como precursor Hugo de Carvalho Ramos, que gerou três vertentes, sendo que “a primeira, tendente para o regionalismo e, conseguintemente, para a visão sociológica do homem e do meio, passa por Pedro Gomes, Eli Brasiliense, Bernardo Élis e desemboca em Carmo Bernardes e Bariani Ortencio”. A segunda, de acordo com José Fernandes, é de cunho fantástico, praticada por Bariani Ortencio e Maximiano da Mata Teixeira. Sendo a terceira — de matiz existencialista, uma “ficção do absurdo” — levada a lume por José J. Veiga, Miguel Jorge e Roberto Fleury Curado.

A escritora e crítica literária Moema de Castro e Silva Olival postula que o livro “Ermos e Gerais” é “estranho, fascinante e doloroso”, sendo o precursor da obra bernardiana que, “depois dos largos horizontes da revolução de 1930 e da penetração, no Brasil, das ideias socialistas, quando sua literatura já experimentava outras formas da técnica realista e naturalista, mesclando ideologia e realidade — o neorrealismo, o realismo crítico — atinge a dimensão de José Américo de Almeida, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, e, noutra linha, Guimarães Rosa: os mais expressivos prosadores do século vinte”.

Gilberto Mendonça Teles escreveu que Bernardo Élis, o introdutor do Modernismo em Goiás, “…narra como se estivesse contando oralmente o que acabara de ouvir. Por trás de cada conto de “Ermos e Gerais” está, pode-se dizer, a estrutura de uma estória ou de um ‘causo’, quando não de uma lenda ou de um mito”. Para o poeta, professor e crítico literário goiano, “é uma estrutura simples que suporta uma fábula (no sentido dos formalistas russos) também simples e por isso contada com técnicas de narrativa oral”.
Nelly Alves de Almeida, analisando o conto ‘A Enxada, presente no livro “Veranico de Janeiro”, que veio a lume 21 anos após a publicação de “Ermos e Gerais”, apresenta algumas características que também se fizeram presentes no livro de estreia de Bernardo Élis e, particularmente, no conto ‘Nhola dos Anjos…’: as várias manifestações das metáforas, das onomatopeias e das expressões idiomáticas populares, dentre outras.
 
Palavras e expressões regionais
A narrativa em ‘Nhola dos Anjos’ – conforme disse Nilson, que transformou sua exposição em artigo, que publicou no “Jornal Opção” – é rica em expressões coloquiais regionais, usadas cotidianamente no meio rural, e nas cidades interioranas de Goiás: “Qué vê espia — e apontou com o dedo para fora do rancho” (par. 2°, p. 78). O menino desafia Nhola a “ver com os próprios olhos”, a fim de realçar que está dizendo a verdade, enfim, que é fidedigno em seu testemunho.

– Já em seu livro de estreia Bernardo Élis utilizou um recurso linguístico que se repetiria em todos os seus trabalhos: a designação descuidada dos nomes de suas personagens, escrevendo-as tal qual se fala popularmente, modificando, acrescentando ou suprimindo fonemas a esses nomes. Assim, o filho de Nhola dos Anjos, Clemente, vira, por prótese (um metaplasmo de adição de fonema no início do vocábulo), ‘Quelemente’, da mesma forma que o Cabo Silvério seria conhecido como ‘Cabo Sulivero’ no conto ‘Ontem, como hoje, como amanhã, como depois’, popularizado nas telas do cinema pelo ator Nuno Leal Maia, no do filme “Índia — A Filha do Sol” (1982), roteirizado por Marco Altberg, Bubi Leite Garcia, Eduardo Coutinho e também pelo diretor, Fábio Barreto. De forma análoga, Cipriano de ‘A Enxada’ se transformaria em ‘Supriano’, ou ‘Piano’, por fortição[17] e aférese, respectivamente.


A técnica da corruptela, por metaplasmos de nomes de pessoas, teria se originado — no escopo da literatura goiana — em Pedro Gomes (1882-1955), que em seu livro “Na Cidade e na Roça” (1924) criou a personagem “Joaquim Pandiló”, corruptela de Joaquim Pão-de-Ló. O mesmo autor deu voz a “Manezinho da Colodina” — pronúncia “desmazelada” de Claudina —, personagem que morava com sua mãe na zona rural de Leopoldo de Bulhões, no Estado de Goiás, no conto ‘Voando… de caminhão’, parte do livro “Pito Aceso” (1942). Assim, caberia a Pedro Gomes a primazia da inovação desse artifício vocabular, já que Hugo de Carvalho Ramos (1895-1921) não o utilizou em sua obra?

Posteriormente, outros regionalistas fizeram uso dessa ferramenta: Carmo Bernardes (1915-1996) com “Zecaria”/Zacarias (“Vida Mundo”, 1966) e “Ermira”/Elmíria (“Jurubatuba”, 1972); Bariani Ortencio (nascido em 1923) em “Força da Terra” (1974) criou “Agnel”/Agnelo; e José J. Veiga (1915-1999) (“Aquele Mundo de Vasabarros”, 1982) deu vida a “Mognólia”/Magnólia e “Gregóvio”/Gregório; dentre outros. Ninguém, contudo, utilizou-se mais dessa técnica, que acrescenta empatia à personagem, que Bernardo Élis.

Outras palavras de cunho popular, como “entrevada” e “estrupiada” (pessoa com deficiência física, que anda com dificuldade), são utilizadas, na narrativa deste conto, para indicar que Nhola padece de “ar de estupor”, ou seja, é uma “estuporada”: “Havia 20 anos apanhara um ar de estupor e desde então nunca mais se valera das pernas, que murcharam e se estorceram” (par. 4°, p. 78). E ainda: “O menino chorava aos berros, tratando de subir pelos ombros da estuporada e alcançar o teto” (par. 26°, p. 81).

Nilson mostrou que o autor utiliza bastante as expressões e palavras coloquiais, corriqueiras no interior goiano: “ensopadinho da silva” (par. 6°, p. 78); “se Deus ajudá” (frase que denota fé na onipotência divina, a dirigir os destinos humanos) e “nois se muda”. Também termos como “biruzinho” (criança doente de amarelão), “perrengado” (enfraquecido, doente), “terreiro” (quintal), “sirga” (corda para puxar a embarcação), “atilhos” (cordões de amarração), “aflissurada” (horrorizada), “vadear” (atravessar a vau, rio etc.), e “perambeira” (lugar escarpado, precipício), são vocábulos utilizados no conto.


Comentários

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  • 23.04.2020 19:30 BENJAMIM PEREIRA VILELA

    O professor Nilson está correto, a obra do Bernardo é a memória viva da cultura goiana.

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