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A luta para preservar a memória do escritor | 22.05.21 - 08:00
Edição de 2000 feita por Wolney Unes (Foto:Adriana Marinelli) José Abrão
Goiânia – Pioneiro do regionalismo, apreciado por Monteiro Lobato e Mário de Andrade e autor inaugural da prosa moderna de Goiás, o escritor goiano Hugo de Carvalho Ramos permanece, para muitos, infelizmente, um ilustre desconhecido. Isso mesmo depois de cem anos de sua morte, completados no último dia 12 de maio.
“Quando você fala em Hugo de Carvalho Ramos, a primeira coisa que vem à mente de algumas pessoas é uma escola na capital”, reflete o professor Rogério Canedo, da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás (FL-UFG). “As pessoas conhecem muito pouco, muita gente não conhece detalhes nem sobre a Cora [Coralina]. Soma-se a isso o fato de que as escolas, que são os principais locais de formação, têm um currículo que privilegia um cânone nacional que raras vezes passa pelo local”.
Hugo de Carvalho Ramos, natural da Cidade de Goiás, publicou o seu único livro de contos, Tropas e Boiadas, em 1917: um ano antes de Urupês, obra-prima de Monteiro Lobato, e décadas antes de obras e autores que viriam a compor o mencionado cânone nacional regionalista: Graciliano Ramos, Erico Veríssimo, Jorge Amado e Guimarães Rosa. A obra Tropas, inclusive, foi editada pelo próprio Lobato.
Uma das poucas fotos conhecidas de Hugo de Carvalho Ramos (Foto: reprodução)
Ainda assim, o centenário de morte de Hugo de Carvalho Ramos passou, para muitos, "batido", da mesma forma que o autor passa pelos livros escolares e pela memória da literatura nacional. Tanto que sua obra seminal, Tropas e Boiadas, passou a maior parte deste século esgotadíssima.
Um dos resgastes mais recentes dessa memória ocorreu em 2000. Foi realizada uma enquete com críticos, professores e literatos para definir os 10 livros goianos mais importantes do século XX. A produção Tropas e Boiadas ficou em primeiro lugar. “Fomos procurar esses livros e a gente se assustou porque a gente viu que ao menos três ou quatro estavam esgotados”, relata o professor Wolney Unes, da Editora UFG. “Pensamos: se estes são os livros mais importantes, todo mundo precisa conhecer. Decidimos republicá-los”.
Dessa missão nasceu a Biblioteca de Clássicos Goianos da qual o livro Tropas é o primeiro volume. Foram publicados 4 mil exemplares que foram distribuídos em dois conjuntos em cada escola do Estado. De lá pra cá, ele chegou a ter novas tiragens pela Editora Lacerda em 2003 e pela Kelps em 2018. Mais tarde, em 2017, centenário de publicação do livro, a Editora UFG fez uma nova edição, a mais recente e ainda disponível, que é especial e expandida, com prefácio, posfácio e apêndices. Mas nunca por uma editora comercial de porte nacional.
“A UFG já fez umas três edições dele. Isso é um sinal da importância da obra. Por um lado, é bom que a gente tenha tantas obras importantes na região, mas é triste que elas sejam pouco conhecidas, não tinha nem edição, pô!”, comenta Wolney. “A gente perde muito do nosso patrimônio cultural. A gente cuida pouco da nossa cultura”, acrescenta.
Edição de 2017 (Foto: José Abrão)
Mas afinal, o que Tropas e Boiadas tem de tão especial? Segundo Rogério Canedo, a obra possui valor pelo estilo regionalista assim como documento histórico por apresentar a realidade do sertão central brasileiro, mas há, também, enorme valor estético. “Há um trabalho com a linguagem que não é meramente uma cópia do campo ou da vida sertaneja, mas é uma linguagem com um tom poético muito importante e muito bem trabalhado”.
Para Canedo, ler Hugo de Carvalho Ramos talvez seja mais urgente do que há algumas décadas porque “é ler a História brasileira. Se faz urgente buscar uma compreensão da história nacional e de como a vida brasileira foi se configurando ao longo dos anos”.
Canedo também esclarece que, embora pouca gente saiba, em 1950 foi publicada uma coletânea de poemas do autor, que se aproxima muito do simbolismo. Porém, além de menos conhecida, essa faceta do autor é ainda mais esgotada e difícil de encontrar do que seu livro de contos.
De toda forma, Canedo conta que a UFG tem lutado contra essa "maré do esquecimento", encorajando e incentivando dissertações de mestrado e teses de doutorado sobre autores goianos: não só sobre Hugo de Carvalho Ramos, mas sobre Miguel Jorge, Bernardo Élis, Carmo Bernardes, entre outros.
“Acho que o papel da universidade e a pesquisa universitária é se posicionar de maneira crítica em relação a essas obras de grande valor estético que circulam pouco. É um primeiro caminho para que estas obras venham a público”, avalia. “A universidade tem esse papel de levantar esses autores até que ganhem alguma notoriedade na academia”, finaliza.
Confira a homenagem publicada pela Prefeitura de Goiás: