Augusto Diniz
Goiânia - Os artistas goianos Benedito Ferreira e Cássia Nunes participam da exposição virtual Cataploft. Mostra inaugurada no dia 23 de novembro no site
www.cataploft.art, as obras dos nove participantes da mostra ficarão disponíveis para visitação gratuita até 24 de fevereiro de 2022. O evento reúne artista de diferentes Estados brasileiros (Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Norte e Ceará) que trabalharam juntos remotamente, com início das atividades "num dos piores momentos da pandemia".
A exposição surgiu no programa de acompanhamento de artistas Imersões Poéticas, que é idealizado pela Escola Sem Sítio. A coordenação da Cataploft é de Tânia Queiroz e a curadoria de Pollyana Quintella, que é uma das tutoras das atividades, e os artistas visuais CADU e Efrain Almeida. O nome Cataploft, onomatopeia que dá nome à exposição, conecta os dois principais eixos do trabalho, que são o pós-utópico e a autorrepresentação, como explica o artista Thadeu Dias, um dos participantes da mostra virtual.
As obras expostas no site da mostra são dos goianos Benedito Ferreira e Cássia Nunes, de Anna Beatriz Machado (RJ), Bruno Ferreira (SP), Marcella Araújo (RJ), Lara Ovídio (RN/RJ), Mariana do Vale (RN), Luiz Sisinno (RJ) e Thadeu Dias (CE/RJ). A ideia, que surgiu de uma provocação da curadora Pollyana Quintella, vem da proposta de criar "um projeto impossível de arte".
O trabalho foi desenvolvido no programa Imersões Poéticas, no qual os artistas trocaram experiências e técnicas com profissionais, como críticos de artes e os próprios curadores, por meio de palestras e leitura individual dos portfólios de cada um dos participantes. Nos encontros virtuais, o grupo discutia o processo de criação de obras inéditas que partiram do questionamento d Quintella, mas propuseram novas perguntas.
Abrir o resultado da experiência artística ao público deu espaço à criação do site da exposição Cataploft, que apresenta o trabalho desenvolvido no primeiro semestre de 2021 pelos nomes que fazem parte da mostra. Para a goiana Cássia Nunes, "o ambiente on-line foi determinante para que pudéssemos nos reunir e criar laços, e, assim, propor, em meio ao mundo em pandemia, uma mostra de trabalhos que lidam com o impossível".
"É uma oportunidade de abrir o trabalho para outras pessoas e obter novas impressões e significados para nossas produções artísticas", observa a potiguar Lara Ovídio.
Obras
Mariana do Vale, que estava grávida de nove meses no momento do desenvolvimento do projeto, atira os pratos que ganhou da avó no vídeo "Sobrenome" como uma tentativa de romper os ciclos de violência de sua história familiar, como explica a própria artista. O goiano Benedito Ferreira "documenta o dia em que foi homenageado em sua pequena cidade natal", Itapuranga. De acordo com Benedito, o vídeo "A Homenagem" traz a reflexão a respeito das implicações de ser artista e do próprio sistema de arte.
"No eixo pós-utópico, o artista Bruno Ferreira apresenta um empreendimento futurístico que será levantado sobre uma ilha de plástico de dimensões continentais, enquanto a artista Marcella Araujo faz uma releitura de marcas conhecidas, propondo embalagens que revelam a destruição operada pelas multinacionais", anuncia o texto de divulgação da exposição Cataploft.
Assim como foi feito na abertura da mostra, o encerramento, no final de fevereiro, deve contar com uma live para concluir o período de exibição das obras que fazem parte da mostra virtual. "O coletivo de artistas decidiu encerrar o site um dia antes do carnaval de 2022, como um gesto simbólico de finalizar todos os processos que viveram virtualmente durante a pandemia para finalmente pensar em outras estratégias de seguir trabalhando juntos, agora de maneira presencial", explicam os participantes.
Leia abaixo o texto de apresentação da exposição Cataploft, que foi escrito pela curadora Pollyana Quintella:
"Misto de salto e tombo, glitch e auto ironia, essa exposição é fruto do encontro de um grupo de artistas no programa de acompanhamento crítico promovido pela Escola Sem Sítio no primeiro semestre de 2021. Apesar das dificuldades e limitações impostas pelo imperativo da tela (nossos encontros foram todos virtuais e só agora, pouco a pouco, nos encontramos pelas esquinas away from keyboard), foi possível construir relações, traçar paralelos e aproximações e produzir esse espaço de interação pública, no qual nove artistas de cinco estados brasileiros compartilham experiências das suas mais recentes pesquisas. Como você já deve ter notado, a navegação por este território virtual não está organizada em torno de noções lineares de início-meio-fim, e cada percurso é costurado a partir das escolhas de cada visitante.
A despeito das singularidades de cada um, gostaria de apontar dois grandes eixos de leitura. Em primeiro lugar, há trabalhos interessados aqui em perscrutar o estado de pós-utopia que entrelaça nossa relação com o presente e o futuro. Não é nenhuma novidade que os modelos civilizatórios do ocidente apresentam, com cada vez mais radicalidade, falências múltiplas. Se na época moderna o futuro era imaginado como metáfora do progresso, hoje desconfiamos dessa ideia. A perspectiva de futuro utópico, que traria respostas para os problemas e fracassos do presente, anda em crise. Nesta via, veremos pesquisas que rondam os traços de um real estilhaçado e às voltas consigo mesmo através de ficções especulativas diversas: um continente pós-humano em contexto degradado que promete estar imune ao aumento do nível do mar (Bruno Ferreira); um empreendimento distópico que só alcançará sua máxima performance quando a atmosfera — e a espécie humana — deixar de existir (Lara Ovídio); um produto que anuncia regular as emoções humanas e tratar o sofrimento psíquico na era neoliberal (Anna Beatriz Machado), bem como pinturas que expõem os pactos perversos entre lucro e devastação ambiental camuflados nos discursos bem intencionados das grandes corporações (Marcella Araujo).
Em segundo lugar, há um conjunto de trabalhos em torno das “escritas de si”, cujo cerne é a exploração da auto ficcionalização, da fabulação das identidades e da aproximação entre o individual e o coletivo; o íntimo e o público. Aqui, com mais ou menos ênfase, vemos a presença da primeira pessoa, em que se identificam aspectos de discurso autobiográfico. Não se trata, porém, de performar a autoficção para estabelecer uma identidade fixa e unívoca, ao contrário, o gesto se aproxima mais do reconhecimento de um outro — o estrangeiro, o estranho — no seio de si mesmo. Benedito Ferreira se debruça sobre os rituais que envolvem a sua participação como artista homenageado pela prefeitura de sua cidade natal no interior de Goiás, nos fazendo refletir a respeito dos códigos sócio-simbólicos que envolvem a ideia de arte no senso comum. Thadeu Dias também parte de experiências pessoais (especialmente amorosas) para engendrar uma paisagem impossível — parte registro de um acontecimento, parte especulação poética. Cássia Nunes cria um projeto irreal que pretende criar uma linha cítrica (composta por cascas de laranjas descascadas) entre as cidades de Goiânia e Rio de Janeiro, itinerário que compõe o percurso onde a artista nasceu e onde vive. Luiz Sisinno revisita a história de um tio-avô misterioso, enquanto Mariana do Vale quebra os pratos herdados da avó numa casa em ruínas, ambos buscando renegociar com as memórias e fatos do passado.
Por entre as nove apresentações, resta a sensação de certa impossibilidade de distinguir realidade e ficção. Não será possível optar por uma ou por outra, mas somente produzir outras negociações entre esses elementos antes de tudo indissociáveis. CATAPLOFT é um convite a rearranjar as relações entre viventes, extra-viventes, não-viventes, pós humanos, ciborgues e outros gêneros. Boa viagem.
Pollyana Quintella".
Serviço:
Exposição virutal Cataploft
Quando: até 24 de fevereiro de 2022
Visitação on-line: gratuita
Artistas: Anna Beatriz Machado (RJ), Bruno Ferreira (SP), Benedito Ferreira (GO), Cássia Nunes (GO), Marcella Araujo (RJ), Lara Ovídio (RN/RJ), Mariana do Vale (RN), Luiz Sisinno (RJ) e Thadeu Dias (CE/RJ)
Curadoria: Pollyana Quintella