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Ele falou nas comemorações dos 90 anos do IHGG | 08.10.22 - 16:07
(Foto: Fatima Paraguassu) Jales Naves Especial para o AR
Goiânia - Mais do que documentos e fontes “é preciso que tenhamos todos a abertura para novas ideias e novas concepções”, defendeu o professor Nasr Fayad Chaul, doutor em História pela Universidade de São Paulo, ao falar sobre “Caminhos da historiografia goiana” nas comemorações dos 90 anos do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, na sexta-feira, dia 7, na sede do IHGG. “É necessário vislumbrar com mais propriedade a história cultural, a onda transformadora das mentalidades, e nos desgarrarmos um pouco das nossas gloriosas concepções econômicas capazes que foram, um dia, de explicar o mundo em sua “última instância”.
Para isso, citou fontes importantes como os arquivos cartoriais e eclesiásticos, a memória coletada do que passou a se chamar micro história, dos arquivos de importantes jornais, vários deles já transformados em CD-Roms e dos guardiães da memória, a exemplo do IHGG, “completando sua exuberância na Casa Rosada onde repousam excelentes fontes de pesquisa nesse local de produtividade fundamental para o exercício da pesquisa e da ampliação do conhecimento”. A gestão de Jales Mendonça e equipe proporciona “o ambiente acolhedor e a certeza de que a documentação existente, assim como a preservação do espaço físico, está à altura de sua importância de acervo de História e Memória dos goianos”.
Mesa diretora dos debates no IHGG (Foto: Fatima Paraguassu)
Estudar as cidades
Estudar as cidades goianas tem sido fundamental para ampliar o conhecimento do processo histórico. Como ressaltou, desde os anos de 1970/80 do século XX os estudos históricos debruçam-se em uma crescente produção de variados temas cujas pesquisas formam uma dialética de possibilidades em que novos estudos estimulam outros tantos e os vários se edificam em “maior compreensão de nossa história, memória e identidade”. Disse que boa parte desses estudos “centram-se na recuperação do processo histórico de nossas cidades na busca de um mapa cartográfico que venha a descortinar novos horizontes, novas fronteiras”.
Os primeiros estudos científicos, acadêmicos, sobre a história de Goiás começaram pelos primeiros descobrimentos, a mineração, os primeiros arraiais. Tratava-se de decodificar o ainda inexplorado Goiás do passado. “Passado o tempo, depois de muitas produções historiográficas, voltamos às origens, a novas origens”, enfatizou. Vários estudos tiveram como tema as cidades. “A história de cada uma, como tudo, começou no seu pequeno lugarejo, no seu interior apaixonado, na sua cidade que, somadas a tantas outras, constitui um Estado, dividido quase ao meio em meados dos anos 80 do século passado e hoje necessita de ser mais bem compreendido, vislumbrado, historiado, entendido historicamente entre cidades e encantamentos”.
Arraiais, vilas
As cidades goianas nasceram arraiais, viraram vilas, depois ganharam formas, com o tempo, de abrigo de pessoas e sedes administrativas e/ou políticas. “Umas sim, outras não”. Geralmente começavam com uma ou outra casa ou casebre. Uma pequena praça, uma tímida igreja. “Por vezes, uma fazenda dava início a uma localidade, que crescia em sua volta e, ao longo do tempo, virava um Arraial, uma Vila e, tempos depois, uma Cidade, dessas do interior de Goiás que, às vezes, só cresce dentro de nós”, anotou.
As mais significativas – esclareceu – nasceram com o ouro, tornaram-se sedes de governo, entreposto comercial, a exemplo de Vila Boa de Goiás e Meia Ponte, “eternas rivais que viraram a Goiás Patrimônio da Humanidade e a turística Pirenópolis”. Para reforçar sua tese, citou o escritor Luiz Palacin, para quem “Goiás entra na História como as Minas dos Goyazes”. Dentro da divisão do trabalho no império português este é o título de sua existência e identidade durante quase um século.
Os primeiros anos são de uma atividade febril. Pouco depois de seu retorno Bartolomeu Bueno da Silva funda solenemente o primeiro arraial, Sant’Anna, numa quebrada no sopé da Serra Dourada, muito próximo das nascentes do rio Vermelho; a nova povoação – que deveria converter-se 12 anos depois em vila e tornar-se capital – geograficamente se encontra deslocada, como centro de operações no território goiano, e climaticamente exposta aos rigores de uma insolação concentrada, sem ventilação. “Mas a urgência do momento não admite dilações. Há ouro e água. Isto basta. Este será o critério com que irão surgindo os demais arraiais”, escreveu Palacin.
Mineração
A formação do espaço goiano começa com o ouro, como ressaltam os historiadores. Os descobertos auríferos em Goiás pertencem à longa série de determinismos geológicos. “Na falha geológica havia o descoberto do ouro e ali, pela necessidade de teto, plantava-se o Arraial. Pau a pique, taipa e cobertura de palhas”. De 1725 a 1727 faziam-se os descobertos dos rios Vermelho, Claro e Pilões. Em 29 erigia-se Santa Cruz no caminho de São Paulo e em 27 Meia Ponte abria os caminhos do Norte. Seguem-se Minas do Tocantins. Em 1730 Maranhão, 30 ou 31 Água Quente, 35 Traíras e São José ... Razoável distância parece existir entre a descoberta das lavras e a fixação definitiva dos arraiais”, sublinhou o escritor Paulo Bertran.
O tempo da formação dos arraiais, das vilas e das cidades tem ajudado a compreender através da história. Em meio a estudos diversos, “estamos desenvolvendo uma maior compreensão dos caminhos da historiografia goiana. Os olhares dos historiadores, antropólogos, cientistas em geral, voltam-se hoje também para um maior entendimento da herança cultural dos povos originários, aos quais devemos mais do que nomes de cidades, rios ou palavras que nosso cotidiano repete sem a necessária tradução”.
Os estudos da arquitetura, principalmente sobre a capital do sertão, Goiânia, ampliam o conhecimento histórico acerca dos urbanistas, arquitetos, projetos e influências internacionais “de nossa rica e sofrida art déco”. Trabalhos como “Identidade Art Déco de Goiânia”, de Wolney Unes, “Goiânia – Cidade Pré-Moderna do Cerrado, 1922-1938”, de Jacira Rosa Pires, “Goiânia Uma Concepção Urbana, Moderna e Contemporânea: Um Certo Olhar”, de Celina Fernandes Almeida Manso, “Goiânia Cidade de Pedras e de Palavras”, de Márcia Metran de Mello, e “Goiânia Uma utopia européia no Brasil”, de Tânia Daher, são alguns exemplos.
Goiás Provincial e Colonial
No contexto do século XIX, conforme Chaul, não há separação entre campo e cidade no Goiás Provincial. Luís Palacin Gomez, mestre, intelectual brilhante, padre jesuíta e historiador, compreendeu desde o início que, para entender Goiás, o princípio era a sociedade mineradora. Sua pesquisa com base científica, análise crítica apurada e métodos específicos ao tratar o objeto de estudo e conhecimento teórico, inaugurou o caminho que USP e Universidade Federal de Goiás abriram ao instalar o Mestrado em História nos anos 70. O trabalho dele não foi o primeiro de cunho histórico, mas o precursor ao tratar a história de Goiás cientificamente. “Goiás 1722-1822” trouxe um marco para a historiografia que hoje é chamado de regional e abriu caminho para toda uma geração de pesquisadores que passaram a produzir seus trabalhos com preocupações regionais.
Para a primeira geração de historiadores era necessário descobrir Goiás e os primeiros estudos de cunho acadêmico foram elaborados nesse campo. Era necessário desvendar o Goiás Colonial, sua vida administrativa, sua economia, sua política, o ouro e a vida goiana no século XVIII, índios, bandeirantes, colonização, miscigenação etc. Seguiram-se preocupações com as comunicações fluviais, o Araguaia e o Tocantins (Dalísia Doles), a escravidão em Goiás (Gilka Vasconcelos), o povoamento do Sul de Goiás (Maria França), as colônias de povoamento (Eliane Dayrell), entre tantos outros, até chegar ao rico período da Primeira República, com estudos centrados principalmente no coronelismo.
“Havia um começo, mas um começo problemático, já que o salto por sobre o Império criava uma espécie de buraco negro difícil de ser superado pelas gerações posteriores. Sérgio Paulo Moreyra esboçou uma grande viagem, legada aos estudiosos em recentes e importantes trabalhos, pelo Goiás Imperial e através da compreensão das relações de trabalho escravo no campo”, afirmou Chaul. “Maria Amélia Alencar tratou das estruturas fundiárias, mas nada ao nível do número de trabalhos que temos sobre o Goiás Colonial e Republicano”.
Coronelismo
A Primeira República passou a liderar – afirmou – o referencial de estudos e “nos legou um dos melhores momentos sobre o que estamos tratando de revisitação historiográfica em Goiás, ou seja, para a historiografia goiana, o Coronelismo tem se constituído em tema atuante e repleto de divergências interpretativas, capaz de empreender buscas e resgatar interpretações diferenciadas entre as ciências sociais e a história”.
Desde “História de uma Oligarquia: Os Bulhões”, de Maria Augusta de San’Anna Moraes, passando por Dalísia Doles e Lena Castelo Branco, até o clássico “Coronelismo em Goiás”, de Francisco Itami Campos, caminhando pelo “Coronelismo no Extremo Norte de Goiás”, de Luís Palacin Gomez, “temos visto multiplicidades de análises e estudos sobre o tema coronelismo, com algumas nuances interpretativas, mas quase sempre sobre o mesmo tom analítico aos moldes dos estudos mais freqüentes que as ciências sociais proferiram desde o clássico texto de Maria Isaura Pereira de Queiroz”. Em “Caminhos de Goiás: da construção da decadência aos limites da modernidade”, Chaul se propôs a desconstruir a ideia de “atraso” para a análise do coronelismo em Goiás ao longo da Primeira República. Neste livro, publicado em 1997, defendeu a ideia de que não é, historicamente sustentável, a teoria de que as oligarquias dominantes em Goiás na Primeira República de tudo fizeram para manter o Estado atrasado como forma de continuidade de seu poder político. “Para nós, foi a época em que, economicamente, Goiás mais se desenvolveu, fruto dos trilhos da estrada de ferro, além de que, politicamente, foi o período em que, por duas vezes, nos vimos representados em nível federal pelos Bulhões, ocupando a pasta da Fazenda em dois dos governos federais”. Chama a atenção também para o fato de que o que levou as oligarquias, em alguns momentos, a serem contra os trilhos da estrada de ferro, não significava serem adeptas da teoria do atraso e sim pelo seu vínculo com projetos de navegação fluvial.
Rediscutir a história “A Sociedade Agrária em Goiás na Literatura de Hugo de Carvalho Ramos”, de Maria Sônia França, abria uma perspectiva de análise que envolvia literatura e história, “mas que nosso ortodoxismo marxista dos anos 8O não permitiu que o víssemos a contento. Transportes ferroviários e rodoviários vieram a se somar à Revolução de 1930 e as preocupações com a construção de Goiânia e a transferência da Capital, possibilitando uma boa análise sobre o rico processo histórico dos anos 20 ao Estado Novo. Seguiram-se estudos sobre o Governo Mauro Borges, o Golpe de 64 e o Governo Iris Rezende, mas ainda esparsos e carentes de uma maior produção reflexiva”, afirmou Chaul.
“De volta ao começo, carecemos de um repensar sobre tudo o que dissemos. Acreditamos que o manancial de suportes aos estudos realizados foi edificado sobre pilastras básicas de decadência, atraso e modernidade, com necessárias reflexões sobre seus marcos fundamentais de análise. Os estudos sobre as cidades podem nos ajudar a refletir melhor sobre estas questões. Assim como os trabalhos de Lena Castelo Branco sobre “Poder e Paixão – A saga dos Caiado” e a “Invenção de Goiânia – O Outro Lado da Mudança”, de Jales Guedes Coelho Mendonça, nos ajudam a compreender e a rediscutir histórias antes consagradas”, completou.