Jales Naves
Especial para o jornal A Redação
Goiânia - Os caminhos de Goiás foram construídos sem um planejamento, avançaram sem uma orientação e tiveram como objetivo permitir o acesso ao seu território, da forma como era possível alcançar esses espaços naqueles tempos. É o que se pode extrair dos relatos daqueles que, por diversas razões, percorreram e registraram caminhos pelos quais transitaram “por distintos Goyazes (de ontem e de hoje)”; mesmo quando cronologicamente coincidindo anos ou períodos das viagens, proporcionaram relatos e registros variados, decorrentes das diferentes perspectivas a que se detinham.
A observação é dos organizadores do quarto volume da coleção “Goiás +300”, “Cronistas e Viajantes”, arquiteta Lenora de Castro Barbo e professor doutor João Guilherme da Trindade Curado, lançado pelo Instituto Histórico e Geográfico de Goiás (IHGG), Instituto Cultural e Educacional Bernardo Élis para os Povos do Cerrado (Icebe) e Sociedade Goiana de História da Agricultura, e já sendo comercializado pelas três entidades.
O recorte temporal dos textos apresentados, conforme explicaram, “é amplo, contemplando trajetórias que cruzaram as terras goianas em intervalo de quase dois séculos, de 1722 a 1896”. Abarca contextos múltiplos em relação às questões administrativas no Brasil, perpassando a clássica divisão política – Colônia, Império e República –, em que os interesses em adentrar, conhecer e/ou ocupar o interior, “o sertão”, correspondiam a projetos específicos de cada período, e que são esboçados ou refletidos no livro a partir de estudos sobre esses personagens.
Amputações territoriais
Goiás se separou da Capitania de São Paulo em 1744, mas somente em 1748, pela Provisão Régia de 2 de agosto, é que foram definidos seus limites, e o conde dos Arcos, dom Marcos de Noronha, primeiro governador da nova Capitania. Os organizadores da obra alertaram para o fato de que alguns dos relatos são anteriores à delimitação do que viria a ser Goiás, o que contribui para a compreensão da dinâmica territorial que foi sendo gestada no transcorrer do tempo, conforme Antônio Teixeira Neto. Ele afirmou que Goiás iria “conhecer ao longo de sua história amputações territoriais tão grandes que, hoje, os quase um milhão de quilômetros quadrados que possuía se reduziram a cerca de um terço, ou seja, 350 mil quilômetros quadrados”.
Outro fator de extrema importância durante significativo tempo foi que “Goiás importava em função da rede de circulação comercial colonial”, o que acabou por propiciar a manutenção de estradas que possibilitaram o trânsito de mercadorias e de pessoas, dentre as quais, também, de viajantes e de cronistas, cujas anotações cuidavam de “mapear” os trajetos que preservam informações preciosas sobre Goiás.
Ao longo da “estrada alva e torta que levava para qualquer parte do mundo” – conforme escreveu Bernardo Élis –, Goiás era transposto e os itinerários existentes ou criados pelo território goiano, descritos, o que possibilita perceber o desaparecimento de núcleos populacionais surgidos em função do período aurífero, enquanto outros surgiam de outras atividades; a manutenção ou alteração dos topônimos, o que facilita ou dificulta interpretações históricas ou geográficas em períodos distintos, mas que, por meio dos diários e mapas herdados, torna possível estabelecer conexões espaço-temporais para a compreensão sobre Goiás em diferentes momentos e por perspectivas diversas.
“Quase sempre havia um rio no caminho, antes utilizado para a mineração e, posteriormente, à beira do qual se acampava de modo improvisado, no intuito de produzir alimentação, descansar a tropa e os que nela se faziam presentes; em momentos de chuva e de cheias, esperar a volta do curso normal das águas para que pudessem transpor as margens e continuar o percurso”, anotaram Lenora e João Guilherme. As paradas em função dos rios, geralmente, são expostas nos relatos, com indicações dos melhores locais para se fazer a transposição, que podia ser o afastamento de uma outra Capitania para se adentrar à de Goiás, ou pelo interior goiano. Era às margens dos rios que a Coroa cobrava impostos diversos, geralmente o de “travessia”, que nem sempre era realizada com êxito, conforme relatos de “barcos que emborcam”.
Arquiteta Lenora Barbo, uma das organizadoras (Foto: Nilson Jaine)
Vários olhares
O livro destaca alguns dentre os vários olhares que tiveram por foco Goiás naquele período. Considerando que grande parte dos cronistas e dos viajantes passou por trechos ou caminhos recorrentes – conforme explicaram – torna-se possível a percepção do mesmo sítio por ângulos diferentes, uma vez que cada um deles compreende o espaço visitado dentro de suas singularidades, tanto de vida quanto de formação intelectual ou profissional.
“O que permite, por exemplo, que dois relatos de botânicos sobre um mesmo arraial não sejam repetitivos ou limitados em relação às informações neles contidas, mas ampliados pelas experiências e vivências de quem os produziu textualmente”, esclareceram.