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Literatura

Especialistas analisam sucesso de Machado de Assis no exterior

Vídeo sobre o escritor viralizou no Tik Tok | 04.06.24 - 09:33 Especialistas analisam sucesso de Machado de Assis no exterior Machado de Assis (Imagem: reprodução)José Abrão
 
Goiânia – O imortal escritor brasileiro Machado de Assis chamou a atenção do cenário literário internacional e especialmente dos Estados Unidos após uma influenciadora cobrir de elogios uma edição em inglês da obra-prima Memórias Póstumas de Brás Cubas. Os comentários foram feitos em um vídeo no Tik Tok e partiram de Courtney Henning Novak, que mantém um perfil dedicado à literatura mundial.


@courtneyhenningnovak I have a hundred pages left of The Posthumous Memoirs of Bras Cubas by Machado de Assis and this is already my favorite book. End of discussion. I do not care if the last hundred pages is just the word “banana” printed 10,000 times. Best. Book. EVER. #readaroundtheworld #booktok ? original sound - Courtney Henning Novak

 
O efeito foi imediato: nos dias seguintes, a obra alcançou o primeiro lugar entre as mais vendidas da Amazon na categoria ''Literatura Latino-Americana e Caribenha". E a repercussão não se resumiu aos Estados Unidos, impactando, inclusive, as vendas no Brasil: uma edição em capa dura de Brás Cubas está em 10º lugar entre os mais vendidos da Amazon brasileira. Mas o que Machado de Assis tem de tão especial para conseguir conquistar tantos leitores em outro idioma e mais de um século depois de sua morte?
 
Para Eugênia Fraietta, professora de literatura e que fez sua dissertação de mestrado sobre a obra machadiana, “são inúmeros os aspectos potentes do livro Memórias". A especialista, no entanto, destaca um ponto. "Destaco comportamento do protagonista narrador como exemplo acabado e atual do comportamento da nossa elite social e política, egoísta, voluntariosa e irresponsável”.
 
Assim, há algo de atemporal. “O Brás é um debochado, um playboy do século XIX, que pode usar pessoas, lavar as mãos sistematicamente e seguir tranquilo, se vangloriando de não deixar nada que preste como legado. Além disso, que é imenso, tem a linguagem extremamente bem elaborada, divertida, irônica, com imagens ousadas e ágeis”.
 
Para Wolney Unes, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e doutor em Literatura, se Machado de Assis estivesse inserido nos centros do capitalismo, ele, sem dúvida, seria muito mais conhecido mundialmente e estaria no cânone internacional ao lado de nomes como Victor Hugo, Virginia Woolf e James Joyce. “Machado de Assis é conhecido há quase 200 anos, não só conhecido, mas admirado, não só no Brasil, mas fora dele, por vários críticos e historiadores da literatura. Mas, como contraponto disso, já tem um crítico paulista que dizia que se Machado de Assis estivesse escrito em inglês, entraria no topo das listas”.
 
Unes comenta que a cultura pop segue nos dias atuais outras regras após o rompimento com uma tradição clássica e que quando algo é apresentado, assim como foi, nas redes sociais, gera um burburinho. “As pessoas ficam: por que eu nunca ouvi falar disso? E aí ficam maravilhadas”.
 
A província e a metrópole
O professor Wolney Unes, porém, chama atenção para uma característica infeliz deste fenômeno: a de que o Brasil ainda permanece com um pensamento provinciano do ponto de vista cultural em relação às metrópoles do centro capitalista. “Continuamos uma grande província manifestada na sua característica principal de que a província não consegue reconhecer a si própria. Preciso que alguém chegue da metrópole e diga: ‘isso é bom’. É preciso vir uma senhora americana, que ninguém nunca ouviu falar, pra dizer que algo nosso é muito bom”, pondera.
 
“Então, por um lado ficamos felizes com este novo reconhecimento, mas por outro é uma tristeza muito grande. Se alguém redescobrir Shakespeare no Tik Tok, [os ingleses] vão ficar maravilhados assim?”, questiona.
 
A professora Fraietta tem uma visão diferente e avalia que, independentemente da plataforma de divulgação, a obra de Machado requer esforço e parabeniza o trabalho da influenciadora que começou a tendência. “A Courtney Novak é uma leitora adulta, formada, experiente e curiosa que se impressionou com a obra, isso só foi possível porque ela se dedicou, se debruçou, se empenhou, e isso requer esforço e maturidade”.
 
“O que quero dizer é que ler clássicos como Machado, Dostoievski, Shakespeare, pede empenho, concentração, curiosidade, que são fatores escassos hoje em dia para a maioria de nós. São tempos muito rápidos, de leituras muito breves, resumidas e, de preferência, facilitadas, que já tragam a moral da história. Definitivamente Machado não se enquadra”, avalia.
 
Mas então, como engajar novamente esses jovens leitores? Como preencher essa lacuna entre os clássicos e esses tempos cheios de pressa? Para Fraietta é, sobretudo, uma questão política que passa pela escola. "Não se criam leitores críticos e exigentes sem políticas públicas que estimulem a leitura, o acesso ao livro e que valorizem o professor. Um professor sozinho não faz verão”.
 
“São necessárias medidas nacionais de grande impacto para tanto, medidas que pudessem fazer com que a leitura obrigatória fosse realmente uma obrigação da escola. Eu, como professora, foco na escola, lugar que conheço, lugar privilegiado para formar leitores, valorizar o conhecimento, a leitura. É preciso pensar a escola para além do Enem”, finaliza a educadora.
 
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