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Análise

As Aventuras de Pi e algumas reflexões sobre o ato de ir ao cinema

Longa parece filme zen-filosófico | 24.02.13 - 14:26 As Aventuras de Pi e algumas reflexões sobre o ato de ir ao cinema As Aventuras de Pi aborda a fé com fantasia em longa dirigido por Ang Lee (Foto: divulgação)
Por Fabrício Cordeiro

Eu teria escrito sobre As Aventuras de Pi se a sessão em que tentei assisti-lo não estivesse dominada por idiotas. Era começo de tarde, meio de semana, sessão das 14h10. Cinemark, este complexo que, curiosamente, tende a atrair o pior tipo de público, acima de quaisquer outros cinemas de shopping que já vi. Ao menos aqui em Goiânia. Nem acredito que seja culpa da empresa. É apenas algo que observo. Tem a ver também com localização e perfil dos shoppings, acesso a eles, essas coisas.

Bom,15 minutos de filme e eu já estava especialmente enfurecido com um sujeito sentado três poltronas ao lado. Falava aos cotovelos e aos calcanhares. A pescoçadas. Esmurrava o ar com comentários para sua companheira, altos, como se estivesse em casa. Dizia o nome de todos os bichos que apareciam na tela. As Aventuras de Pi tem muitos bichos.

Firme, porém educadamente, pedi que fizesse silêncio. Olhei nos olhos. Falei "por favor" no começo e "por gentileza" no final. Superestimei a cidadania e a educação do meu... semelhante. Sempre superestimo. O homem, um estúpido completo, moleque por volta de 40 anos, me mandou mudar de lugar e tomar naquele meio (ou ir à m*****, não lembro; algo relacionado a traseiros, isto é certo).

Basicamente, são duas as opções para este cenário: a primeira é entrar no jogo neandertal de troca de ofensas e babaquices, atrapalhando a sessão por completo. Eu cogitei. Meu vocabulário ofensivo é bom e ele certamente merecia. Ainda me arrependo de não tê-lo chamado de moleque, na frente da esposa ou o que quer que fosse.

A outra alternativa, mais civilizada, é chamar um funcionário, esperando que ofensas numa sala de cinema não sejam toleradas e, assim, alguém que não saiba se comportar seja colocado para fora.

Fui atrás do funcionário. O funcionário me seguiu, atencioso. Apontei o dedo na cara do babaca. O funcionário pediu compreensão e que eles fizessem silêncio. Ninguém foi expulso da sala, algo que lamentei. Eu poderia ter insistido. Não insisti. De algum modo, eu me preocupava com a possibilidade de me envolver em agressões físicas.

A sessão estava destruída. As outras pessoas também não paravam de falar, de fazer barulho, de acender luzinhas de celulares. Zoológico.

Smartphones, aliás, são o novo inimigo do cinema. Silenciosos, eles brilham no escuro, cheios de si, como se aquilo não incomodasse quem está atrás. Ao que parece, com outras imagens na palma da mão, duas horas se tornaram um tempo longo demais para se dedicar somente àquelas imagens gigantes nossa frente.

Incrível como, nessas situações mais tensas, em frações de segundo você começa a se perder em pensamentos sobre a educação (geral) do Brasil, em como é um país açoitado nesse aspecto. Começa a pensar na educação do público goianiense, na Goiânia que tanto carece de políticas cinematográficas (o que não é um desprivilégio nosso, eu sei), de cinemas de rua e de valorização da crítica, uma série de elementos que sempre estiveram relacionados com o ato de educar para o cinema, que não é apenas ver filmes, nem mesmo quando sozinhos em casa, ao invés de pensá-los somente como mais alguma coisa a se fazer no shopping.

O que faço aqui não é uma espécie de elegia às salas de rua. Tampouco uma "publicação de ódio" dirigida aos cinemas de shopping e multiplexes, embora seja, muito indiretamente, às políticas de distribuição vigentes no Brasil, que permitem o descontrole e favorecem uma invasão de mesmacoisice nessas salas, em que capitais menores vêem suas opções ainda mais afuniladas, e o grande público pouco sabe de outros cinemas feitos, e, se pouco sabe, como poderia ter a chance de se importar? É mais complexo, mas é por aí.

Isso é treta antiga. Não falo nada de novo e gente mais graúda já disse mais de uma vez. O Inácio Araújo mesmo, há alguns dias. Pior que o eventual desconforto com os cinemas de shopping é a maneira com que os filmes são encarados ali. Por todos, inclusive por nós, espectadores. E não falo de "classe emergente" (porque hoje qualquer pessoa se sente à vontade pra colocar as culpas na classe emergente); isso seria banalizar a questão e, definitivamente, não tem nada a ver.

Em Goiânia, apesar dos muitos problemas de projeção que já testemunhei nos cines Lumière, é importante observar sua abertura para outros filmes, que já foi mais eficiente, mas ainda existe e, desde o ano passado, tem voltado seu interesse para o retorno da Mostra O Amor, a Morte e as Paixões nas salas do shopping Bougainville. A Mostra é uma repescagem do que é exibido no Rio e em São Paulo, meses antes. Tudo num shopping, ao lado da praça de alimentação. E parece que finalmente vão arrumar aquele isolamento acústico, que mal chega a existir.

A rede Cinemark costumava reservar um horário da semana para filmes mais alternativos. Não lembro o nome da iniciativa, mas era a sessão das 15h. Cada semana, um longa. Vi A Espiã, de Paul Verhoeven, lá. São sessões, espaços infiltrados, que não existem mais. Questões de lucro, claro. Quem, andando pelo shopping, vai querer ver balde de excrementos caindo sobre uma mulher (nua?) e depois levar a família pra comer na Subway ou no Burger King ?

Hoje, na cidade, a grande responsabilidade educativa de cinema reside sobre o Cine Cultura, muito bem localizado na praça central, a Praça Cívica. Barato, acessível, popular, mas na constante briga pela popularidade, já que exibe "filmes para poucos", obras "impopulares". Mas já não há espaços demais para os "filmes para muitos"? Por isso me importa destacar que, ao lado do acesso aos filmes, exista essa noção de acesso a uma relação com o cinema.

Bom, e As Aventuras de Pi?

Do que consegui prestar atenção, me pareceu um filme zen-filosófico repleto de auto-importância, sobretudo nas cenas em que a versão mais adulta do personagem Pi (Irrfan Khan, muito bom) aparece narrando - ou inventando - sua história.

Em resumo, a tal "vida de Pi" (título original e do livro homônimo) tem como destaque o seu naufrágio ao lado de alguns animais de zoológico. Por fim, sobram o jovem Pi e um tigre chamado Richard Parker dividindo um pequeno barco, espaço metafórico dos mais bonitos e que gera algum interesse de imagem e tecnologia em Ang Lee, cineasta de robusta sensibilidade.

Lee é capaz de encontrar delicadeza e literariedade até onde inicialmente não se espera (Hulk seria o melhor exemplo, das épocas que adaptações Marvel eram pensadas com algo de cinema no meio, e não lançados como lancheiras em série, padronizadas), então fica aquela impressão de um longa colocado em seu colo, "aos cuidados de". Uma cena com uma baleia é mais fascinante do que eu consegui perceber, isso eu pude sentir, por exemplo.

O que mais me interessou aqui foi o envolvimento com o poder narrativo, o "contar histórias" e seu enriquecimento, suas dúvidas. Interessa ao próprio filme, tanto que é finalizado com esta questão. Até lá, porém, mergulha em boas intenções de mercearia, entregues a nós como pães quentinhos dentro do saco.

A noção de múltiplas crenças, ou melhor, de fascínio religioso, em seu sentido mais amplo, tem a força para ser levado a sério, ao invés de simplesmente ser grifado como "humanamente importante"? É um tipo de compreensão espiritual que Lee parece se esforçar para fazer funcionar, e o filme sugere claramente uma jornada de amadurecimento. Nesse sentido, seu horizonte é mais sofisticado que o do primeiro O Hobbit, exibido na sala ao lado, muito embora o tom "caderno de ensinamentos", quase constante a partir de certo ponto, incomode.

De qualquer forma, este é um relato falho. Gosto de Lee e me interesso pelo filme, a ser revisto em outra oportunidade.


Comentários

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  • 08.06.2013 13:07 tayuane lais de lima vieira

    não entendo o que o senho disse onte minha ti passou esse filme para agente assiste e fazer uma redação ela disse que não ia fazer prova por que a nossa prova vai se a redação do que entendeu do filme so isso

  • 27.02.2013 11:57 alexandre dimas machado

    Minha experiencia ao assistir o filme As Aventuras de Pi, na sla Kinoplex do Shopinng Goiania, foi muito parecida, um publico ruidoso que vão ao cinema para cmer pipoca, por que sera que não vão para um szoologico, cheguei a ficar irritado com um casal na minha frente e tambem fui ofendido

  • 27.02.2013 11:57 Túlio Moreira

    Este é realmente o maior pesadelo dos cinéfilos - no sentido mais puro da palavra: quem tem paixão pelo ato de ir ao cinema e apreciar um filme. Não é exclusividade de Goiânia, mas certamente é algo que se torna mais acentuado aqui, diante da ausência de cinemas que são "tomados", democraticamente, por um público mais selecionado. Moro no Rio há 3 anos e lá há diversas salas, principalmente de cinemas de rua (o bairro de Botafogo é o paraíso dos cinéfilos), que são frequentadas por pessoas compromissadas com o que está sendo exibido na tela. O que preocupa aqui em Goiânia é que o único cinema de rua seja mantido por uma política governamental, e não haja exemplos de modelos da iniciativa privada que consigam se manter sem esse tipo de ajuda. Isso porque qualquer mudança na estratégia de um governo, ou na transição para outro, pode comprometer a permanência dessa opção cultural. Não que o Cine Cultura não faça um belo trabalho, mas é de se lamentar que ele reine sozinho, sem qualquer concorrência.

  • 27.02.2013 11:53 alexandre dimas machado

    Minha experiencia ao assistir As Aventuras de PI, foram muito semelhantes, tb. cheguei a ficar irritado com o comportamento da plateis e as centenas de Ifones o tempo todo sendo ligados

  • 27.02.2013 11:13 Julio Goes

    A idiotice nas salas de cinema não é coisa nova. Conhece "home theater". Não há coisa melhor, porque mesmo o Lumiere e os locais de exibição de filmes alternativos estão infestados de babacas. Antes de ir ao cinema é preciso se revestir de pré-disposição para enfrentar "semelhantes" desrespeitosos e inconscientes. Ontem, no show do Borghetti e Orquestra no Teatro Sesi tinha muita gente que não tinha a mínima noção de comportamento. Infelizmente precisamos de muito investimento sério na educação para que o quadro mude.

  • 27.02.2013 09:22 daniel henrique

    meu amor pelo ritual de ir ao cinema é maior do que a imbecilidade dos frequentares, mas confesso que deixo de ir quando vejo que o cinema estará lotado e o lumiere é uma boa pedida porque geralmente não esta repleto de babacas que acham que estão na sala de casa e pode até ser 'síndrome de underground', um pensamento egoísta mas eu espero que o cine cultura não se popularize

  • 24.02.2013 17:56 Eduardo Aquino Timoteo

    Engraçado, também passei por essa situação no Cinemark a pouco tempo atrás... Acho que aquela sensação de impunidade e que nada vai te acontecer aquece o espírito de porco de alguns idiotas. Nunca vi alguém ser expulso por incomodar outra pessoa no cinema.. sempre ficam naquela conversa e pronto. A lei é falha e fraca em qualquer lugar, em qualquer ambiente, infelizmente.

  • 24.02.2013 15:53 Carlise Kaká

    Gostei muito do seu texto Fabrício, até porque tive uma experiência péssima qdo fui assistir o filme..tanto é que fui novamente, e na segunda vez me encantei por completo. Aliás, escrevi uma crítica sobre o filme, de uma olhada: http://www.bistro.blog.br/as-aventuras-de-pi-e-a-sensibilidade-de-ang-lee/

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