Yuri Lopes
Goiânia - Um cantante, falante e exuberante Alceu Valença atendeu o telefone exatamente na hora marcada para a entrevista que você acompanha a seguir. Após responder com meu nome quem iria entrevistá-lo, emendou poucos versos de uma música que citava o nome de Yuri Gagarin, meu xará mais famoso.
Simpático, extremamente loquaz e crítico em relação à música produzida no Brasil de hoje, Alceu não se esquivou de nenhuma pergunta, não economizou nas respostas, nas risadas escandalosas (e boas de se ouvir) e nos xingamentos de "porr*" e de "vai pra PQP".
O conterrâneo de Lenine e Karina Buhr comentou o que falta na música brasileira, alfinetou Michel Teló, disse que é vergonhoso o atual cenário musical com refrões monossilábicos, falou do início da carreira e até da vez que subiu ao palco "queimado" após ter bebido da Aguardente Lapada, que patrocinava um de seus shows.
É este cantor que tem orgulho por sempre ter usado os ritmos brasileiros em suas músicas, consciente do papel do artista e animado que o público poderá conferir nesta segunda-feira (22/4), quando ele apresentará o show Forró Lunar em Goiânia.
Alceu Valença foi o nome escolhido para abrir a temporada 2013 do projeto Música no Campus, no Centro de Cultura e Eventos da UFG - Campus Samambaia, a partir das 20 horas. A ação cultural é uma realização da Universidade Federal de Goiás (UFG) e do Sesc Goiás. Confira a entrevista na íntegra a seguir:
A Redação - Como será o show que você vai apresentar em Goiânia?
Alceu Valença - Muitos falam que meu show é de forró. Mais do que forró, meu show é um misto de ritmos e fases da minha carreira. Eu costumo chamar de Mistura Fina, já que é um compilado de um monte de coisa boa que eu já fiz. Levei esse mesmo show para Paris e Lisboa e foi sucesso.
A Redação - Você dedica um bloco deste show a clássicos do Luiz Gonzaga. Quais elementos da obra dele você mais admira?
Alceu Valença - Acho que é essa coisa da brasilidade, de ser original e fiel às ruas raízes. Eu ouvia Luiz Gonzaga desde muito menino, pelo alto falante da cidade onde eu nasci [São Bento do Una - PE]. Em casa não podia escutar música nenhuma, pois meu pai não queria que filho nenhum dele desse para a arte. Quando fui para o Recife, aos nove anos, é que tive mais contato com outras coisas. Mas naquela época, Luiz Gonzaga não tocava no rádio porque os donos pensavam que qualquer MPB era cafona. Na escola do meu filho, só ele e outro amigo gostam de música brasileira. Ele sabe inglês, gosta de música internacional, mas também ama música nacional. Ele chega a sofrer bullying por assumir isso. Os amigos dizem que é "coisa de velho". O absurdo estabeleceu-se no Brasil. O que faz sucesso hoje é que é brega, oportunista e de puro entretenimento.
A Redação - Seu último disco é de 2008. Você pensa em lançar algum material inédito por agora?
Alceu Valença - Eu tenho muito material inédito que é resultado das sobras de outros trabalhos que eu fiz. Só do que sobrou do que eu fiz para A Luneta do Tempo (primeiro filme roteirizado e dirigido por Alceu e lançado em 2012) dá para encher muitos CDs. E eu vou fazer CD para que? Quem vai comprar? Só minha família e o crítico de música, mais ninguém. Então é melhor eu continuar com meus shows do jeito que está, que está ótimo.
A Redação - Além do que você trará para Goiânia, quais outros tipos de show você costuma fazer?
Alceu Valença - Eu faço cinco tipos de shows. Um com a Orquestra Ouro Preto e como as Valencianas, que é mais no estilo concerto mesmo; durante o Carnaval eu me junto com a banda de frevo e não tenho dó de usar os metais; No São João eu faço show de baião, que é quando eu lembro da minha infância; esse que eu chamo de Mistura Fina e o que eu me apresento com a sanfoneira Luci Alves e o violinista Paulo Rafael, que também é guitarrista da minha banda. Vou participar em breve de um festival de rock em Palmas, ou seja, o que tocar a gente dança.
A Redação - Como você avalia o atual cenário musical brasileiro?
Alceu Valença - Acho triste e um absurdo o caminho que a música feita no Brasil está tomando. Os cantores querem só imitar algo que acabou de dar certo e acabam virando a expressão máxima da pobreza de letras. É um "tchu tchu thcu, tcha tcha tcha", "ai se eu te pego", depois vem outro e "ai se eu te amasso", daí logo tem outra coisa pior. Outro dia perguntei para uma aprendiz de cantora se ela gostava de música brega e ela respondeu: "já tô quase gostando, porque tá todo mundo gostando". Essa aí já tá é perdida, coitada. O artista que não é artista faz tudo pelo puro comércio, se curva para gravadoras, para produtores e para a modinha do momento. É triste, mas talentos de verdade não conseguem lugar ao sol.
A Redação - E como você fez para driblar as imposições das gravadoras no seu trabalho?
Alceu Valença - Eu quase não sofri isso. Na Som Livre eu tinha liberdade total. Eu nunca fiz arte pelo dinheiro. Nenhum produtor mandou em mim, e o que teve a ousadia de fazer isto, eu mandei pra "PQP".
A Redação - Então os fãs não precisam esperar por música inédita por agora?
Alceu Valença - Podem, mas não vou garantir disco novo nem nada disso. Eu acho que o caminho é a internet. Principalmente no meu caso, que não aceito imposição de gravadora nem de nada. Eu faço uma ou outra música nova e lanço só na internet de graça. Acho que a internet é a plataforma salvadora da arte verdadeira, espontânea do mergulho na alma.
A Redação - Você também é jornalista e advogado. Escolheu ser músico ou foi obra do acaso?
Alceu Valença - A arte me perseguia onde eu ia. Era quase um surto esquizofrênico. Meu pai queria que eu fosse advogado, não queria que eu seguisse o caminho dos irmãos dele, que eram boêmios, artistas. Aprendi a tocar violão sozinho, pois meu pai não queria pagar professor. Eu me formei, ganhei um anel de rubi cravejado de brilhantes do meu pai, mas depois que colei grau, devolvi o anel para o meu pai.
A Redação - E quando deu o estalo de que você era um artista?
Alceu Valença - Eu fui para os Estados Unidos, na Universidade de Harvard, fazer um curso de Sociologia. Entre uma conferência e outra, a gente cantava com os hippies em Boston. Todo mundo gostava. A gente tocava Elvis Presley, e se você reparar bem, é tudo a mesma coisa: rock, xote, baião. O que importa é o ritmo, a melodia.
A Redação - E o início aqui no Brasil, como foi?
Alceu Valença - Rapaz, eu lembro de uma vez que eu fui tocar em um show ainda em Pernambuco, e eu estava um pouco inseguro. Quem patrocinava o show era a Aguardente Lapada, que existe até hoje e eu acabei virando amigo do dono. Subi ao palco "queimado" e meus colegas e professores que assistiram ao show pensaram que eu estava louco, tamanha a minha euforia.
A Redação - E quando você teve consciência de que tinha talento?
Alceu Valença - Foi quando eu fui para o Rio de Janeiro e me encontrei com Geraldo Azevedo, o responsável por tirar os meus complexos. Foi o primeiro a dizer que eu era bom, que eu levava jeito. Somos compadres, eu sou padrinho da filha dele. Imagina, a gente era a dupla perfeita: ele inibido e eu falava igual o capeta, então foi ótimo.
A Redação - Para você, o que falta na música brasileira?
Alceu Valença - Falta artista de verdade. Artistas verdadeiros, que tenham sensibilidade, que saibam tocar e cantar. A indústria do entretenimento que está aí, só gera dinheiro, não talento. O Brasil está caminhando para deixar todo mundo burro. Tudo é imitação, e imitação do que há de pior. Essas músicas pobres de letras. Sem querer me gabar, mas dá saudade da época que a música era tratada com mais respeito. O Boni inventou o Prêmio Pesquisa e me deu um troféu porque, segundo ele, a minha música era inclassificável.
A Redação - E como você classificaria a sua música?
Alceu Valença - Com certeza é pela diversidade da música brasileira. Eu toco choro, baião, forró, frevo, xaxado, coco, maracatu. Tudo isso com o meu jeito, sem imitar ninguém. Eu sempre lutei para que a minha arte fosse original, que saísse do coração.
Serviço:
Projeto Música no Câmpus
Show Forró Lunar - Alceu Valença
Quando: 22 de abril (segunda-feira)
Horário: 20 h
Local: Centro de Cultura e Eventos da UFG - Campus Samambaia
Ingressos: R$ 20 (inteira) R$ 10 (meia)
Pagam meia: Estudantes, Professores e Técnicos Administrativos da UFG, Comerciários e dependentes do Sesc, micro-empresários e agentes do Sebrae; Professores da Rede Pública de Ensino.
Postos de venda: Livrarias da UFG, Unidades do Sesc e Restaurante Tribo. Será proibida a entrada de menores de 18 anos desacompanhados dos pais ou responsável legal.