Raisa Ramos
"Sou eu no Brasil, o Papa em Roma e John Lennon no caixão". Assim se define "humildemente" Falcão, aquele cantor cearense que gosta de usar um girassol na lapela do paletó florido, conhecido por hits como "I'm not dog no" - versão em inglês da faixa de Waldick Soriano "Eu não sou cachorro não" - e "Homem é homem". Dono de uma quase inexistente modéstia e de uma excentricidade inversamente proporcional a ela, o artista brega é a maior atração da primeira noite do festival de música Vaca Amarela, um dos mais importantes do País, segundo a revista Bravo!. O evento acontece entre os dias 9 e 11 deste mês, e leva para os palcos do Centro Cultural Martim Cererê quase 50 atrações de todos os cantos do Brasil, como Banda Uó (GO), Copacabana Club (PR), Emicida (SP), Mugo (GO) e Dance of Days (SP).
Ao telefone, o cantor é bastante sério. Nascido no sertão nordestino, em Pereiro, uma cidade próxima à divisa com o Rio Grande do Norte, Marcondes Falcão Maia se formou em arquitetura, mas logo abandonou a carreira para se aventurar pelo mundo musical cafona. Hoje ele vive entre Fortaleza e São Paulo, ficando a maior parte do tempo na região Sudeste. Prestes a completar 54 anos na próxima semana, o cantor coleciona oito discos em mais de 20 anos de carreira. Os nomes dos álbums, não tem como negar, são pérolas do besteirol, sempre carregados no humor ridículo, o que não deixa de ser engraçado. Destaque para "Dinheiro não é tudo, mas é 100%" [1994] e "500 anos de chifre" [1999]. Arrumando as malas para vir para Goiânia, Falcão conversou com o AR, tentando conter a crise de rinite alérgica que não deixava seu nariz em paz.
A Redação - Falcão, você já veio para Goiânia em outras ocasiões. Gosta da cidade?
Falcão - Gosto, é muito legal. Inclusive, para quem é arquiteto, como eu, é bastante interessante por ser uma cidade planejada. Por isso ela é tão organizada, pelo menos a parte que eu conheci [risos].
Quando você largou a profissão de arquiteto e resolveu fazer música?
Não larguei, fui obrigado a largar. Quando gravei meu primeiro disco [Bonito, Lindo e Joiado, de 1991], ainda tinha um escritório de arquitetura. Mas com o passar do tempo, fui fazendo cada vez mais shows e não tive tempo para me dedicar à minha profissão. Na verdade, trabalhei pouco como arquiteto, só durante uns dois anos. Era recém-formado na época e não consegui deslanchar. Antigamente não tinha esse costume que tem hoje de se contratar um arquiteto para fazer um projeto, chamavam só um engenheiro e estava bom.
E como você começou a cantar?
Eu já era compositor desde a adolescência, mas não tinha pretensões de ser cantor. Gostava só de compor. Só tive coragem de cantar quando entrei na faculdade e comecei a mostrar minha música para os amigos. O pessoal gostou e comecei a me apresentar nas festas da faculdade mesmo, calouradas, essas coisas, até passar a tocar em bares. Quando me formei, já era conhecido na cidade e gravei meu primeiro disco.
Seu estilo sempre foi o brega desde o começo?
Na verdade, eu faço uma caricatura do brega, uma brincadeira. Levo críticas políticas e sociais para o ritmo, que não existem no brega de verdade.
No mesmo dia do seu show aqui em Goiânia, um outro grupo brega vai se apresentar na noite, a Banda Uó. Eles misturam o estilo cafona com música pop e eletro, e estão agradando bastante o público. Inclusive são um dos indicados do VMB [na categoria Webclipe]. Você acha que esse gênero musical está sendo mais aceito pela sociedade, que passou a vê-lo com bons olhos?
O brega é alegria, irreverência. Esse pessoal mais novo gosta disso. É um ritmo que tem muita personalidade rock de ser, justamente por essa questão da irreverência. As pessoas esclarecidas sabem disso e gostam. Na verdade, o brega não é brega. É só um ritmo irreverente.
Seu primeiro disco foi gravado de forma independente. Exatos 20 anos depois, você vem para Goiânia participar de um festival de música independente. Como você se sente voltando às origens?
É muito legal. O interessante é que, hoje em dia, é melhor ser independente. Quase não existe mais contratados de gravadoras. Isso já era. Quem está começado agora, e até quem está terminando também [risos], está apostando na produção independente mesmo, que é muito mais criativa.
Hoje você consegue viver só de música?
Sim. Se eu tiver que voltar para a arquitetura, tenho que fazer um curso de reciclagem. Hoje tudo é feito em computador e não sei mexer nesses programas que existem aí.
O que gosta de ouvir em casa?
Gosto de ouvir música boa, independente do ritmo, mas não costumo escutar em casa, não. Ouço mais na rua. Gosto de ligar o rádio e ouvir as estações AMs, em que rola coisas interessantes e não tem tanto jabá quanto as FMs. Mas com relação ao estilo de música que escuto, não tenho preconceitos.
O último disco que você lançou foi em 2006 [What's porra is this]. Por que essa demora para se fazer um novo álbum?
Eu fico tão ocupado fazendo shows que, quando me dou conta, o ano já acabou. Mas esse ano sai um novo, se tudo der certo [risos]. Se bem que eu prefiro, no contexto atual, lançar músicas novas avulsas na internet do que gravar um novo CD.
Daqui a uma semana, você completa 54 anos [no dia 16 de setembro]. Já sente alguma consequência da idade?
Sempre tive uma saúde muito boa, felizmente. Só sofro de rinite. E não quero festa de aniversário, não gosto disso. Acho que isso tem que ser comemorado todos os dias, não num dia só.
E para o show do Vaca Amarela? O que você preparou?
Vou juntar os maiores sucessos do Falcão e algumas músicas novas, além de tocar o que eu gosto de tocar sempre, como Odair José, que inclusive é de Goiás [de Morrinhos], e Raul Seixas. Não sou só brega, também sou "roqueiro" [risos].
Serviço:
Festival Vaca Amarela
9, 10 e 11 de setembro - a partir das 18h
Falcão, Banda Uó, Violins, Umbando e muito mais
Centro Cultural Martim Cererê (Rua 94 A, Setor Sul)
R$ 20 por dia; no domingo, R$ 10 se comprado com antecedência ou até 18h