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Arquitetura e Design

Os 286 anos da cidade de Goiás

Uma viagem às críticas arquitetônicas | 30.07.13 - 18:40

Wolney Unes
Especial para Anual Design

Goiânia - Em 1869 um viajante inglês, Richard Burton, veio ao interior do Brasil. Homem culto, poliglota, tradutor de obras inéditas do Oriente, Burton visitou Meca, andou pela África. Homem de letras e de aventuras, se hoje a conjunção desses talentos causa espanto, não era rara para o século XIX.

No sertão brasileiro, Burton registrou suas impressões em vários textos, descrevendo diversas cidades brasileiras. E suas descrições não eram nada lisonjeiras. Burton criticou edifícios públicos, residências, o próprio traçado das cidades: sobre uma igreja, fala de “colunas jônicas desgraciosamente convertidas em pilastras”.
 
 
Poucos anos antes, outro viajante estrangeiro, o francês Saint-Hilaire, andou pela mesma região, aventurando-se ainda mais para o interior. De passagem pela cidade de Goiás, em 1847, também criticou a arquitetura que viu: o francês referiu-se ao Palácio Conde dos Arcos como “mesquinho, sem beleza”, até mesmo “sem solidez”. Continuou sua descrição do “prédio de um pavimento só e sem ornamentos externos”, salientando que o acesso se dava por uma “ridícula escada de uns poucos degraus”, tudo com “mau gosto”.
 
 
Pode parecer mais que coincidência que dois viajantes ilustres tenham desqualificado a arquitetura do interior do Brasil. Hoje reconhecida pela Unesco e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a arquitetura da cidade de Goiás não ganhou a simpatia dos estrangeiros no século XIX. Contudo, cem anos depois, outro viajante, desta feita o brasileiro Manuel Bandeira, dedicou-se a responder àqueles estrangeiros.

Escritor e poeta consagrado, pensador das artes brasileiras, Bandeira, a juventude, planejara formar-se arquiteto. Na prática, o escritor abandonou o sonho, mas manteve seu interesse, tanto que, em 1963, quando publicou um pequeno guia de viagens, dedicou especial atenção à arquitetura, apresentando desenhos de detalhes e fazendo comparações entre estilos.
 
 
Neste guia, Bandeira retomou os relatos daqueles viajantes estrangeiros sobre cidades e arquitetura, dedicando ao assunto todo um capítulo intitulado “Impressões de viajantes estrangeiros”. O autor não se contentou em meramente apresentar as impressões daqueles que o precederam, mas passou mesmo a refutar o que considerou impróprio naqueles relatos.
 
Uma a uma, Bandeira vai contestando suas impressões, sempre partindo da crítica de cada viajante: a Saint-Hilaire, Bandeira lhe respondeu no mesmo nível impressionista que “o mau gosto parece que é do francês”. No caso de Burton, Bandeira atribuiu sua reação ao “convencionalismo de humanista” do inglês.
 
(Fotos: Paulo Rezende)
 
Nosso poeta sintetizou a incompreensão dos estrangeiros quanto à arquitetura colonial brasileira: “Os viajantes estrangeiros são quase sempre insensíveis aos elementos mais profundos ou mais sutis dos costumes e do sentimento artístico dos países que visitam.” E conclui indo diretamente ao ponto: “Para nós, brasileiros, o que tem força de nos comover são justamente esses sobradões pesados, essas frontarias barrocas, onde alguma coisa de nosso começou a se fixar”.
 
Ao defender a preferência brasileira por um determinado tipo de edifício, desagradável ao olhar europeu, mas plenamente dentro da tradição do gosto nacional, Bandeira lamentou: “a desgraça foi que esse fio de tradição se tivesse partido”. E não é outro o sentimento ao admirarmos, hoje, os belos casarões da cidade de Goiás.

Certamente são singelos os edifícios goianos, mas plenamente em acordo com o ambiente onde foram edificados: os casarões com pé-direito alto, fechamentos de barro em paredes grossas apenas caiadas, sem a impermeabilização da pintura, tornam o edifício um ente orgânico. Todo esse conjunto de técnicas construtivas formou uma arquitetura ímpar, integrada harmoniosamente ao clima, ao meio ambiente e à própria paisagem.
 
 
A produção arquitetônica contemporânea em Goiás em muito pouco lembra aquele início de arquitetura vernácula, quase autóctone. Se hoje Goiás está afinado com a arquitetura e o modo de construir de outros centros urbanos do planeta, não logrou desenvolver aqueles princípios arquitetônicos tão bem assimilados no século XVIII.
 
Por tudo isso, a cidade de Goiás permanece como testemunho vivo de uma época em que a arquitetura se ligava à terra, ao local para onde era concebida. Destas duas tendências – convivendo lado a lado paradoxalmente em contraste e equilíbrio – é que emanam a diversidade e a identidade arquitetônica de Goiás.

Caminhar hoje pelas ruas admirando a arquitetura da cidade de Goiás é mergulhar numa estética de outros tempos. Apreciar os edifícios no enquadramento do fotógrafo Paulo Rezende é captar uma outra dimensão desse patrimônio.

*Confira outras reportagens sobre arquitetura e design no portal Anual Design.

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