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Pirenópolis (GO)

A igreja que renasceu das cinzas

Um marco na técnica de restauração do Brasil | 17.03.12 - 18:07 A igreja que renasceu  das cinzas Fotos: Arquivos Construtora Biapó
Marina Morena

Este ano, a charmosa Pirenópolis, cidade histórica do interior de Goiás, relembra o fato mais triste e chocante que a população local viveu, há exatos dez anos. Na noite de 5 de setembro de 2002, um incêndio de grande proporção consumiu, quase que por inteiro, o maior patrimônio histórico-cultural da cidade, a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário. Naquela noite, os moradores de Pirenópolis não dormiram, tentando salvar uma das igrejas mais belas do Brasil do fogo. E amanheceram tristes em meio às cinzas.

Por quatro anos, a Igreja Matriz passou por obras de recuperação patrimonial, reconstrução e restauração. Considerado um marco nas técnicas de restauração do país, o desafio foi encarado pela Construtora Biapó: desenvolver uma técnica que já havia sido esquecida com a popularização do uso do concreto, as paredes de taipa de pilão.

Para isso, foi montado na cidade um time de profissionais que trabalhavam com a chamada arquitetura de terra. Debruçaram-se sobre relatos de antigos profissionais, realizaram testes, executaram prospecções. Foi montado um laboratório no canteiro de obras que passou a realizar provas sempre buscando recuperar o conhecimento há muito esquecido. Depois de todo esse trabalho, as paredes de taipa de pilão - que em alguns trechos chegam a ter 1,5 metro de espessura -  e as de adobe puderam ser restauradas e reconstruídas.

Ao final dos trabalhos, em 2006, a obra ganhava o prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, concedido pelo Ministério da Cultura, ao mesmo tempo em que a aconchegante Pirenópolis ganhava a volta do maior e mais antigo patrimônio histórico do estado de Goiás.

Remontando um patrimônio

Depois do incêndio, foi necessário mais que salvar e remontar uma igreja. Era preciso voltar ao passado e reviver uma história deixada há séculos pelos escravos. Em primeiro lugar, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) implantou uma UTI (Unidade de Terapia da Igreja) para fazer o salvamento emergencial. A Matriz era considerada, naquele momento, um doente em estado grave, que precisava de um verdadeiro ato cirúrgico.

Enquanto as chamas consumiam a igreja, apenas vinte imagens foram salvas, incluindo a principal, da padroeira Nossa Senhora do Rosário. Todo o patrimônio móvel se esvaiu em cinzas e as paredes não caíram graças à sensatez do Corpo de Bombeiros, que decidiu não jogar água. Um choque térmico entre fogo e água seria capaz de fazer o edifício desmoronar de vez com tudo o que restava da igreja em chamas.

Tecnologia para a antiguidade
A reconstrução veio das lembranças que a África deixou. Para resgatar as técnicas de trabalho no barro cru, foi instalado um canteiro de obras com um laboratório para testar diversas composições da argamassa de barro. Materiais aglomerantes e umectantes, como cal, palha de arroz, de milho e outros materiais foram testados em construção de paredes de escala reduzida, até que se chegasse ao modelo final.

Aproveitando-se da experiência acumulada com o laboratório de taipas, foi possível desenvolver um tijolo de adobe prensado, simplesmente um tijolo seco ao sol. Os novos tijolos tinham resistência bastante superior ao adobe convencional, sem, contudo, que a técnica vernacular fosse deixada de lado.  Além disso, foram usadas técnicas de carpintaria que utilizam encaixes talhados na própria madeira, diminuindo consideravelmente e, muitas vezes, eliminando a necessidade de uso de ferragens para estruturação da madeira.


Assim, toda  a reconstrução se diferenciava por aplicar técnicas tradicionais de construção com resultados modernos e seguros. Com tanta inovação, era preciso mostrar às pessoas aquele trabalho diferenciado. Por isso, a reconstrução da Igreja Matriz virou uma verdadeira exposição de arte arquitetônica, chamada de Canteiro Aberto. Em horários determinados, moradores e turistas podiam visitar a obra, guiados por funcionários da construtora, que geralmente eram estudantes de turismo e arquitetura.

Relato
“A lembrança que tenho daquele dia do incêndio é de muita gente chorando e incrédula. Porque independentemente da religião das pessoas, os pirenopolinos tinham amor pelo patrimônio, que é imprescindível para a história”, relata o morador e arquiteto Paulo Sérgio Galeão.

Galeão mora na cidade há 28 anos e viveu tão intensamente todos esses fatos que acabou se tornando, durante a restauração, funcionário do Iphan. Hoje ele é chefe do escritório técnico do instituto em Pirenópolis. Na época, para ajudar na reconstrução da Matriz, o arquiteto, que era funcionário da construtora, produzia os encaixes de madeira utilizados na estrutura base da obra.
Galeão relembra o fato que mais o emocionou: a inauguração da Matriz. Antes, o arquiteto explica que, até 1940, havia outra igreja de Nossa Senhora do Rosário na cidade. “Não se dava muita importância para essa igreja porque ela era a igreja dos negros. Era lá que os escravos e a população negra, que já havia absorvido a religiosidade católica, se reuniam em devoção a Nossa Senhora”, relata. No ano de 1940, porém, ela teria sido demolida, mas os objetos decorativos, bem como o as partes artísticas, teriam sido preservados e guardados na Igreja do Carmo.

“No dia da inauguração da Matriz, estava uma multidão do lado de fora, onde a Banda Fênix tocava e fazia uma verdadeira festa. Quando aquela multidão adentrou o espaço da igreja houve um momento mágico, único. Logo atrás veio um cortejo de homens negros trazendo a imagem de Nossa Senhora do Rosário da igreja dos negros, que estava guardada na igreja do Carmo. Este cortejo era acompanhado pela banda de coro Batuque de Negros. A sensação que tive era que as duas igrejas se encontravam, se fundiam, reconstruídas, levantadas depois de tanto sofrimento”, relembra Galeão.


História
A Igreja Matriz de Pirenópolis é marcada por um longo histórico de desabamentos e reconstruções. Erguida em 1728, época auge da mineração no Estado, a Matriz de Nossa Senhora do Rosário foi construída pelos escravos que levantaram as paredes em taipas de pilão e alicerces em cantaria (pedras).

A obra principal terminou em 1732, mas com ajustes que se arrastariam ainda por muitos anos, como colocação de móveis, reforços sobre as janelas e portas, pisos ladrilhados e esgoto ao redor da igreja, acrescidos em 1757. Ou como o assoalho da capela-mor e a construção do púlpito, em 1758.

Além disso, a igreja sofreu alterações arquitetônicas, de acordo com os períodos de tempo e coordenação de padres. No entanto, sempre manteve seu estilo tipicamente colonial. A partir de 1838, depois que o telhado teria desabado durante uma missa, a igreja passou por alterações. Bens artísticos integrados, como o  altar-mor, algumas imagens e a pintura do forro, apresentavam características barrocas, se aproximando do rococó.

O tombamento veio no ano de 1941, pelo então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan). A consequência foi uma reforma minuciosa, entre 1966 e 1999. Após um diagnóstico criterioso do Iphan, a igreja passou por uma consolidação estrutural com a recomposição de revestimentos, pinturas, esquadrias, escadas, forros e pisos. Além disso, houve a impermeabilização da cobertura, uma imunização contra ataque de insetos e o restauro de elementos artísticos.


Serviço:
Construtora Biapó - Restauração arquitetônica e artística de monumentos históricos
Rua Dr. Olinto Manso Pereira, 206 - Setor Sul
Goiânia - GO
Tel.: (62) 3241-0575

Comentários

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  • 18.03.2012 07:48 Neyla

    Reconstrução da Igreja, resgate da historia de uma comunidade. Parabens pela materia.

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