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Sociobioeconomia potencializa uso de recursos no território Kalunga

Frutos do cerrado se tornam produtos nas lojas | 02.06.24 - 18:41 Sociobioeconomia potencializa uso de recursos no território Kalunga (Foto: Rede Kalunga Comunicações)Théo Mariano

Goiâni
a - Sob o sol escaldante de uma segunda-feira de março de 2024, o Engenho II, território do quilombo Kalunga, localizado em Cavalcante, descortina seus encantos aos visitantesUma estrada ladeada por vales de beleza estonteante leva ao centro de recepção, onde os simpáticos guias, trajados com seus bonés ou chapéus de palha, mochilas e camisetas padronizadas, acolhem os recém-chegados. Uma loja, contudo, chama a atenção: é a vendinha comunitária do território, onde mais de 20 empreendedores locais expõem seus produtos cuidadosamente elaborados a partir das riquezas do cerrado.


Loja comunitária no Engenho II, no território Kalunga, em Cavalcante. (Foto: reprodução)
 
Nos poucos metros quadrados da lojinha, as prateleiras ostentam especiarias para culinária, cristais, ervas medicinais, frutas desidratadas e diversas outras opções de produtos feitos a partir dos recursos naturais regionais ali existentes. Uma das empreendedoras que vendem produtos ali é a quilombola Raquel Santos. Ela integra o rodízio de comerciantes que ficam no balcão da lojinha comunitária, que aceita pagamento em cartão, Pix e dinheiro. Para os mais impacientes com a falta de conexão de internet na região, a loja pode ser um alento, por ser um ponto onde funciona o Wi-Fi na área remota. “Isso permite que a gente receba pagamentos de mais formas”, destaca a empreendedora. 
 
Pesquisador e analista aposentado do Ibama, Francisco Campello (imagem à direita) afirma que o que Raquel e os outros vendedores da loja comunitária praticam se chama “sociobioeconomia”. O termo se deriva de um anterior, a “bioeconomia”, que, de acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), trata-se de um modelo de produção industrial baseado no uso de recursos biológicos - obtidos em plantas ou animais. “Apesar desse termo ser considerado novo, nossas comunidades tradicionais praticam a sociobioeconomia há vários anos. São pessoas que vivem, como indígenas e quilombolas, por exemplo, dos recursos que a natureza ao seu redor lhes oferece”, explica. 
 
Para quem vive a realidade ainda remota do quilombo Kalunga, como conta a estudante Alciléia Torres, autointitulada guardiã dos saberes tradicionais de seu povo, não há separação entre humanos e natureza. “Quando nós vamos pegar um fruto na árvore, nós entendemos que aquela árvore também vai alimentar os animais que estão ali. Se a árvore possui dez maçãs, nós vamos pegar seis e deixar as outras quatro para que sirvam de alimento aos animais — que são seres importantes para, por meio das sementes contidas nas fezes, o nascimento de novas árvores”, enfatiza. 


Alcileia Torres segura bandeja com três unidades de óleos de buriti, feitos no território Kalunga. (Foto: Reprodução/Instagram)

Esse é um olhar que, segundo o pesquisador Francisco Campello, pode permitir acessar diversas possibilidades de novas relações com a natureza. A pecuária verde foi uma das formas de trabalho que o analista aposentado apontou ao detalhar a importância de ações adotadas no território quilombola. “Todas as comunidades tradicionais criam dentro do ambiente florestal. No cerrado, temos a criação de caprinos e bovinos. Foram raças adaptadas e aprenderam a comer essa vegetação”, afirma.
 
De acordo com Campello, é recomendada, em conceitos regenerativos com baixa emissão de gases de efeito estufa, a adoção dessa estratégia. “Muitas vezes, quando se pensa nesse modelo, entende-se como algo atrasado. Contudo, isso é exatamente o que o mundo busca. Com a diversidade de pastagem, que muita gente menospreza, você diversifica a alimentação dos animais, conserva a biodiversidade e faz uma pecuária verde”, explica o pesquisador. “Temos muito o que aprender com as comunidades tradicionais”.


Homem kalunga descansa em frente sua casa, na comunidade Kalunga do Engenho II, em Cavalcante. (Foto: Théo Mariano)
 
Na visita ao Engenho II, pode-se perceber a realidade contida na afirmação do pesquisador Campello. Na lojinha comunitária, algumas novidades saltaram aos olhos: geladinhos de baru, chips de banana desidratada e uma diversidade de castanhas estão entre os produtos oferecidos, por um custo muito menor do que produtos semelhantes teriam, por exemplo, em cidades metropolitanas. Nas vias de acesso, vacas e bois curiosos convivem com o cerrado em pé. 

O Sebrae desempenha um papel importante na promoção da sociobioeconomia no Brasil, oferecendo suporte através de capacitação, inovação e acesso a mercados. Segundo o gestor estadual de Indicações Geográficas do Sebrae Goiás, João Luiz Prestes Rabelo, a área do território Kalunga tem grande potencial de desenvolvimento. "A maior virada de chave para o território foi que entenderam a necessidade de se desenvolverem internamente e de melhorar a forma como seus produtos são oferecidos", avalia Prestes.

O gestor do Sebrae Goiás conta que são mais de 20 anos de atuação no território. "Ainda vemos espaço para melhora na região, em relação às embalagens, rótulos, precificação e boas práticas de fabricação. Mas, o principal, eles compreenderam: foi a necessidade de organização." Ainda assim, o apoio da instituição continua. Em parceria com o Instituto Federal Goiano (IFGoiano), o Sebrae tem desenvolvido um projeto de resgate e proteção da baunilha Kalunga como um produto da região. "Esse projeto foi aprovado em edital no Ministério da Educação (MEC) e estrutura uma ação que protege esse fruto que é originário da região", conta Prestes.
 
Mudanças climáticas
Em um mundo tomado pelos efeitos das mudanças climáticas, aceleradas pela ação antrópica, a sociobioeconomia surge como resposta e uma nova perspectiva de relação com a economia. Como define o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a bioeconomia é uma alternativa para proporcionar valor em cadeias produtivas e contribui com o desenvolvimento de bionegócios, além de oportunidades para pequenos negócios.
 
O próprio Governo de Goiás lançou, recentemente, a Estratégia Goiás Carbono Neutro 2050, com a intenção de promover a neutralização, até 2050, das emissões de carbono. Uma das diretrizes do plano, que norteará as ações de combate às mudanças climáticas no Estado, é “visão de território sustentável e carbono neutro para o Estado de Goiás”. Esta diretriz aponta a necessidade de dinamização da produção industrial, no sentido da economia verde.

Divulgada estratégia para neutralizar emissões de carbono até 2050
Governador de Goiás, Ronaldo Caiado, e secretária Andréa Vulcanis, titular da Semad, no lançamento da Estratégia Goiás Carbono Neutro 2050, em Rio Quente. (Foto: Governo de Goiás)

Os números demonstram, ainda, a eficácia na mitigação e adaptação às mudanças climáticas em Goiás, a partir de políticas voltadas à bioeconomia. O Observatório de Bioeconomia Fundação Getúlio Vargas (FGV) publicou o Relatório de Descarbonização da Matriz de Combustíveis contabiliza a quantidade de toneladas de carbono evitadas pela adoção de combustíveis renováveis. De acordo com o estudo, Goiás é o 6º estado brasileiro que mais evita o lançamento de carbono na atmosfera – contabilizado em toneladas per capita.
 
Um potencial a ser explorado
O cerrado é um grande berço cujos frutos nativos, tanto in natura quanto como ingredientes em uma variedade de produtos – licores, doces, geleias, mingaus, bolos, sucos, sorvetes e aperitivos –, podem ser melhor explorados. A análise de informações disponíveis em portais e a revisão da literatura permitiram concluir que a economia dos Produtos Florestais Não Madeireiros (PFNM) no Cerrado ainda é pouco explorada e raramente associada ao conceito de "bioeconomia", apesar de ser o segundo maior bioma do Brasil e abrigar várias espécies de interesse econômico.
 
O pagamento para as comunidades envolvidas na sociobioeconomia acontece de diversas maneiras, entre elas: pagamento direto por produtos, participação em cooperativas, participação de projetos ambientais, entre outros. No entanto, o repasse de lucros às comunidades têm poucos estudos, visto que a maioria desses são vendidos de maneira informal e sem preço de mercado estabelecido.
 

Produtos do Cerrado e da Caatinga. Foto: DoDesign-s.
Produtos do Cerrado e da Caatinga. (Foto: DoDesign-S)
 
Por outra via, o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) oferece, a partir de uma base de dados da OCDE, um estudo utilizando o modelo econômico insumo-produto para realizar um primeiro exercício de quantificação da bioeconomia no Brasil. Resultados do estudo apontam que em 2016, o valor das atribuições à bioeconomia alcançaram 285,9 bilhões de dólares no Brasil e 40,2 bilhões de dólares para vendas localizadas em outros países, totalizando 326,1 bilhões de dólares.
 
Estudos indicam que a preservação da Amazônia gera para o Brasil um valor de R$7 trilhões anuais. Somente a utilização de recursos da biodiversidade amazônica nas indústrias alimentícia, cosmética e de óleos gera atualmente 3 bilhões de dólares por ano. Este montante é apenas uma fração do potencial econômico que uma economia sustentável poderia alcançar na região. No Estado do Pará, a sociobioeconomia teve um desempenho econômico comparável ao da pecuária em 2019, alcançando R$ 5,4 bilhões e gerando 224 mil empregos, considerando a produção rural, a indústria de processamento local e a comercialização de produtos.


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